domingo, 31 de julho de 2022

A PESTE NEGRA EM ARACAJU

 A Peste Negra em Aracaju.
(por Antonio Samarone)

No jornal “O Estado de Sergipe” edição de 28 de agosto de 1903, o Inspetor da Higiene Pública, Dr. Theodoreto Arcanjo do Nascimento, alertava para o exagero das notícias que circulavam na cidade de que estava acontecendo uma elevada mortandade dos ratos e o aparecimento dos primeiros casos de Peste Bubônica em Aracaju.

Diz o Diretor: “não é tão fácil concluir da simples observação clínica de dois ou três casos, o diagnóstico da Peste”. Sergipe não possuía recursos laboratoriais para realizar a prova biológica desse diagnóstico.

Mesmo desmentindo a existência de Peste na Capital, a Inspetoria avisou ter recebido vacina anti-pestosa do Instituto Soroterápico Federal, e que a vacinação estava ocorrendo diariamente de uma as duas da tarde.

Os casos continuaram aparecendo e Inspetor de Higiene do Estado, Dr. Theodoreto Nascimento, cedeu as evidências e convocou uma reunião, em sua residência, dos médicos atuantes em Aracaju.

Compareceram os Drs. Manoel de Marsilac, José Moreira de Magalhães, Cândido Costa Pinto, José de Souza Ponde (Inspetor de Saúde dos Portos), Manoel Nobre (auxiliar da Inspetoria) e José Francisco da Silva Melo; deixaram de comparecer, mesmo tendo sido convidados, os Drs. João Telles de Menezes (médico militar), Álvaro Telles de Menezes e Daniel Campos.

Nessa conferência foi decidido por unanimidade que estavam diante da suspeita da ocorrência da Peste Bubônica. Esse é o primeiro registro de Peste Bubônica em Sergipe.

As medidas sanitárias tomadas para se evitar a propagação da doença foras as seguintes:

Isolamento dos pacientes (em número de doze) no lazareto existente; imediatos expurgos de suas casas, que também foram interditadas e guardadas por agentes da Força Pública; tentativa de vacinação; desinfecção – com o pulverizador Geneste de todas as casas onde ocorreu mortandade de ratos; asseio pessoal, domiciliar e das ruas; desinfecção do Palácio, Alfândega, Quartel, Tesouro, Justiça Federal, Cadeia e demais edifícios públicos; imediata limpeza do cais e das embarcações pequenas.

Os Delegados de Higiene do Interior foram todos colocados de “sobre aviso”, isto é, alertados para uma possível epidemia.

“O cais, as ruas, o interior das casas, os quintais, tem sido continuadamente limpo, procedendo-se por toda à parte a remoção e incineração do lixo, de maneira que se poder afirmar, jamais se viu tão limpa a nossa modesta Capital”. (Theodoreto Nascimento, no Jornal “O Estado de Sergipe”, edição de 13/09/1903).

Diante de mais uma ameaça de epidemia, assim se manifestou o Presidente do Estado, o Farmacêutico Josino Menezes, em mensagem a Assembléia Legislativa, no dia 07 de setembro de 1903:

“O nosso Estado acha-se na desagradável contingência de não poder resistir à invasão de qualquer epidemia, tão fácil de ser importada, quanto de se desenvolver entre nós, como prenunciam infecções gravíssimas já observadas em nossa Capital”.

Em setembro de 1903, O Inspetor de Higiene solicitou ao Presidente do Estado que determinasse ao doutor Chefe de Polícia para que proibisse as pessoas de deixarem Aracaju sem serem devidamente examinados e emitidos os “Passaportes Sanitários”.

Solicitou-se também um auxílio em dinheiro para as pessoas removidas para o Lazareto, por não poderem prover seu sustento com trabalhos externos e que se proibisse os sepultamentos em nossos cemitérios sem o respectivo atestado de óbito.

O Lazareto era dirigido pelo enfermeiro Canuto Severino de Araújo.

A Saúde Pública determinou também que se desinfetassem com enxofre todas as mercadorias e objetos que saíssem da Capital, mesmo sabendo do risco de danificá-las. Para atender a essa determinação foi construída na Inspetoria de Higiene uma estufa para funcionar com gás sulfuroso ou formol, mais dois salões no centro comercial e mais outro no Jardim Baiano, onde se podem proceder ao expurgo das mercadorias.

O Mercado, velho edifício, carcomida e ameaçadora habitação de ratos, fora completamente evacuado; o Beco do Açúcar (atual dos cocos), também sofreu evacuação e os proprietários ali instalados intimados a reformarem seus estabelecimentos.

O Beco dos Cocos era considerado um verdadeiro cortiço incrustado no centro da cidade, feio e imundo, a atentar contra a saúde pública e aos foros de civilização necessários a uma Capital.

O Mercado, que era propriedade da “Associação Aracajuana de Beneficência”, que administrava o Hospital de Santa Isabel - presidida na época pelo Major Serafim Moreira - somente foi reaberto após passar por uma ampla reforma higiênica, com pintura, mudança do teto, inclusive com a construção de oito latrinas para a serventia pública, até então inexistentes.

Diante do pavor decorrente da ameaça da Peste decretou-se um verdadeiro “estado de sítio” sanitário. A polícia se desdobrou para cumprir as determinações da Saúde Pública. Em menos de 30 dias cerca 500 pessoas já tinham conseguido o tal “Passaporte Sanitário”, sem o qual o direito de ir e vir estava banido.

Não ficam claro quais os critérios usados para a emissão do citado “Passaporte”, quais os aspectos de sanidade deveriam ser observados. Uma pista está no fato de que até o amanuense da Repartição Sanitária, senhor José Alencar Cardoso, estava autorizado a emitir e assinar tal documento.

É evidente que medidas tão duras, “justificadas” pelo medo da Peste, tiveram forte resistência por parte da sociedade. Como os conhecimentos ainda eram muito precários era mais prudente errar-se pelo exagero do que pela omissão, discursava os defensores das medidas.

Entretanto, com essas medidas, mesmo consideradas exageradas, a Peste foi rapidamente controlada, não causando mais os estragos de épocas passadas. A medicina já dispunha de alguns instrumentos eficazes no combate a algumas moléstias. A Peste Bubônica começava a ser domada.

No dia 12 de setembro, Dr. Theodoreto envia um curioso oficio ao Chefe de Polícia: “solicito uma patrulha, mesmo de pouco homens, destinada a evitar a defecação que se faz publicamente, na zona compreendida da frente do Hotel Brasil e a Alfândega”.

A Saúde Pública registrou também o recebimento de amostras de um “sabão de creolina”, fabricado especificamente para ajudar nas medidas profiláticas do combate a Peste. A fedida invenção não somente foi aprovada como bastante elogiada, pois era resultado da criatividade de uma saboaria local, de propriedade da senhora Arlinda A. Espinheira.

Quanto ao tratamento empregado nos casos de Peste Bubônica usou-se a aplicação, via hipodérmica, do soro anti-pestoso em altas doses, com excelentes resultados. O soro também foi usado, preventivamente, em pessoas expostas ao risco, que tiveram algum tipo de contato com áreas suspeitas.

A Peste Negra, também chamada de Bubônica, Febre do Caroço, Febre do Rato, Íngua de Frio e Peste Levantina, começava com febre intensa, calafrio, dores de cabeça, mal-estar, apatia, prostração e no segundo dia aparecia o “bulbão”, que era a reação dos gânglios satélites.

O povo acreditava que enquanto o bulbão não fosse sarjado o risco era iminente. Com a descoberta das sulfas e depois dos antibióticos, basicamente a estreptomicina, a cura deixou de ser problema.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A CONSCIENCIA DO DR PEDRITO

 A Consciência do doutor Pedrito.
(por Antonio Samarone)

O doutor Pedrito Salgado já beira os 60 anos. Mesmo sabendo pouca medicina, Pedrito ganhou notoriedade e fez boa clientela. O seu consultório é cheio. O dr. Pedrito sempre foi um conservador acomodado. Ele nunca se expôs politicamente.

O avô de Pedrito foi integralista (galinha verde) destacado em Sergipe. O pai ficou rico no tempo da ditadura. Pedrito sempre manteve a aparência de neutralidade. Um homem fino, que dizia odiar a política.

Ninguém sabe o porquê, nem o seu psicanalista, Pedrito assumiu a militância política, sobretudo nas redes sociais. O seu profundo encantamento pelo “Mito” beira a irracionalidade.

Durante a pandemia Pedrito foi um negacionistas convicto, acreditou que a ivermectina e a cloroquina tinham eficácia preventiva. Virou um bolsonarista de carteirinha.

O dr. Pedrito chegou a botar um pato amarelo, aquele da FIESP, na entrada do seu consultório. A esposa exigiu que ele retirasse; “Pedrito, você perdeu o juízo. Respeite os seus pacientes.”

O dr. Pedrito acredita que as urnas são fraudulentas e que o STF é um antro de comunistas. A alma fascista de Pedrito saiu do armário. Ele perdeu o medo e está certo de que um golpe será a salvação do Brasil.

Pedrito entope um grupo de médicos no WhatsApp, do qual faço parte, com vídeos de louvação à supremacia branca e trechos bíblicos. Pedrito acha-se profundo postando as mensagens dos evangelhos. Soube que nem ele lê. Copia e cola.

Entretanto, os ventos começaram a mudar!

A reunião de Bolsonaro com os Embaixadores deixou o doutor Pedrito preocupado. Ele é fascista, mas não é burro. Começou a suspeitar que esse negócio de golpe pode não terminar bem. E ele, a sua imagem, como ficaria?

O dr. Pedrito começou a pensar em recuo. Ele apoiou Collor apaixonadamente. Depois do desastre, todos esqueceram. Ele mesmo não se lembra mais.

Hoje, logo cedo, recebi um telefonema de Pedrito. “Samarone”, como faço para assinar a “Carta aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, essa carta da Faculdade de Direito do Largo São Francisco?

O quê? Agora que o barco está afundando você quer sair? “pois é, respondeu doutor Pedrito sem a menor cerimônia, não quero sujar o meu nome com aventuras autoritárias, que podem não dar certo”.

Arrematou Pedrito: “a Fiesp já mudou, vários banqueiros, até Michel Temer quer assinar a Carta. Soube que o governo americano já mandou o recado para os militares: não é hora de golpes! Você quer o quê, que fique sozinho?”

Muitos médicos entraram nessa onda por modismo, pensa o dr. Predito. “Agora vão fazer de conta que nada aconteceu. O esquecimento é a marca da política brasileira. No fundo ninguém muda, a alma é imutável.”

Afinal, sentenciou o dr. Pedrito Salgado: “todos odiamos a política!”

Eu fiz a última pergunta a Pedrito: e se o Golpe for bem-sucedido? “Bem, vou aguardar o Sete de Setembro. Se as milícias patrióticas assumirem o comando, nesse caso, Eu estou dentro!

É o Brasil!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

SERGIPE PARASITADO

 Sergipe Parasitado
(por Antonio Samarone)

A história política de Sergipe tem a marca das oligarquias rurais. As casas grandes dos engenhos eram os centros das decisões e o Estado, a principal fonte de rendas e regalias.

A reunião da Assembleia Provincial para transferir a Capital para Aracaju, ocorreu na casa grande do Engenho Unha do Gato.

Sergipe sempre viveu sob o mando dos senhores de baraço e cutelo. Durante o Império, os dois partidos políticos em Sergipe denominavam-se “Rapinas e Camundongos”.

Somente em 1985, as “forças populares” conquistaram a Prefeitura do Aracaju, com Jackson Barreto. Em pouco tempo, as forças tradicionais da política cassaram o seu mandato na Assembleia Legislativa, com os votos favoráveis do PT.

Jackson Barreto foi um mal-entendido. Nunca teve projetos, sempre cuidou da sua carreira política pessoal. Astuto, populista, habilidoso nos conchavos, chegou ao Governo do Estado. Depois de quase 50 anos na vida pública, não deixou marcas positivas. Hoje, ele é um fantasma nos corredores dos palácios, em busca de um novo mandato.

A nível estadual, somente em 2006, as “forças populares” chegaram ao Governo do Estado, através do PT, para acabar com a “mesmice”. Uma experiência que já dura 16 anos.

Disse Marcelo Déda em seu discurso de posse, citando Fernando Pessoa: "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Em Sergipe, o Estado continuou privatizado.

Com o tempo, a motivação deixou de ser as mudanças. O objetivo central passou a ser a manutenção do poder a qualquer preço. A máquina pública voltou-se exclusivamente para os operadores da política.

Buscando a governabilidade, a manta do Estado cobriu a maioria dos políticos. Sobraram poucos na oposição.

Em um Estado pobre, com a economia destroçada, ser bem-sucedido empresarialmente, sem o adjutório das regalias públicas é quase impossível.

O deserto da oposição é árido!

Foram 16 anos de vacas magras e declínio da economia sergipana. A renda dos sergipanos diminuiu e os empregos sumiram.

O poder transformou muitos líderes de ontem, que “amavam os Beatles e os Rolling Stones”, em novos ricos. Alguns fizeram até o curso de sommelier, para brilharem nos salões da Corte.

Prevaleceu a lógica de Tomasi di Lampedusa, em seu livro Il Gattopardo: “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi» (se quisermos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude).

Nada mudou!

Nessa eleição (2022), as “forças populares” no poder se dividiram e apresentaram dois candidatos, sob a proteção da Máquina. O poder absoluto leva a arrogância absoluta e a subestimação do voto livre. Eles têm a certeza da vitória em qualquer circunstância.

Poderemos ter surpresas nas eleições desse ano?

Até agora:

O grupo político que controla o Executivo Estadual, a Assembleia Legislativa, a Prefeitura do Aracaju, 67% das Prefeituras no Interior, tem a simpatia manifesta da mídia corporativa, comanda diretamente 52% do PIB, controla 32 mil cargos em comissão, os empregos terceirizados, que distribui mimos, regalias e sinecuras, mesmo assim, não conseguiu emplacar um candidato competitivo a própria sucessão.

Quem pode explicar?

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O MEDO DA MORTE

 O Medo da Morte.
(por Antonio Samarone)

Conheci Gutemberg Resende na adolescência. O filho de Zé Boleia era precoce. Um inteligência que beirava a anomalia. Deixou a escola e mergulhou nos livros. Ele foi o primeiro, entre os meus amigos, a descobrir a Internet.

Depois de longa ausência, soube que o meu amigo de infância está aguardando a morte em um hospital de São de Paulo, com um câncer na garganta.

Descobri o seu e-mail e estabeleci contato. Gutemberg há muito habita o ciberespaço, onde eu fui encontrá-lo.

Antes de revelar o destino do meu amigo, peço paciência para relatar um pouco do e-mail que ele me respondeu.

Gutemberg descobriu, lendo Kierkegaard, a dualidade paradoxal da existência humana: somos metade animal, verme alimento de vermes e metade simbólica. Somos um corpo material finito, pó, condenado a morte e, ao mesmo tempo, somos uma consciência infinita, criadora, uma mente que voa alto em busca da imortalidade.

O corpo é a ruína dos esforços do espírito.

A vulgaridade materialista acredita que a mente é uma função físico-química do cérebro e que a consciência perece com o corpo. Gutemberg reage furioso contra essa hipótese.

O cristianismo prega que com a morte do corpo, a alma (consciência) se liberta para uma vida eterna no Paraíso, para os bens comportados. Os espíritas kardecista, enxergam novas chances para o espírito (consciência), que irão reencarnar. As religiões orientais apontam para o nirvana. As alternativas religiosas são muito simplificadoras, para a complexidade intelectual de Gutemberg.

Buscou uma saída nos estoicismo. Leu as cartas de Sêneca a Lucilio, onde o filosofo aconselha ao amigo uma aceitação serena da morte. Não agradou a Gutemberg, ele busca a imortalidade.

Achou a versão do sábio argentino Jorge Luís Borges, em seu conto “O Imortal” razoável. A consciência se imortaliza pela literatura, eternizando o espírito humano. Entretanto, a coletivização da imortalidade também não atende a indignação de Gutemberg.

Quem chegou até aqui, ficará sabendo o caminho que ele encontrou para superar essa condição humana.

Meu amigo Samarone, “somos a última geração a morrer. A imortalidade encontrou uma saída técnica. Que o diabo carregue esse corpo, ele não me pertence.”

Aliás, continuou Gutemberg, com a posse científicas do genoma e os avanços da engenharia genética, poderemos clonar quantos corpos se fizerem necessários. O homem biológico se tornará uma curiosidade arqueológica.”

Esse avanço pode ajudar, más não resolve!

“O problema é outro: como imortalizar a consciência, o Eu, a mente, a alma? Com essa memória preservada em arquivos, em toda a sua complexidade, poderemos implantá-la em um outro corpo clonado ou mesmo em uma máquina robótica. Talvez a segunda alternativa seja mais segura.”

“Eu conseguir captar a minha consciência, ela está em um arquivo, não muito grande. Se a tecnologia 5G já estivesse funcionando no Brasil, lhe mandaria pela Internet. A dificuldade atual, que logo será superada, é reimplantá-la em um corpo clonado ou em uma máquina. É o fim das demências e da morte.”

A saída para a morte será técnica, e não demora.

Eu ainda perguntei pela doença, o câncer na garganta. Ele me respondeu com desdém: “já me libertei do corpo há muito tempo. A carcaça ficara para os vermes, ou será cremada. Isso não me interessa.

Vou mandar o arquivo com a minha consciência para você. Aliás, esse arquivo já está depositado no Olimpo, nas nuvens cibernéticas. Já vivo no ciberespaço há muito tempo. Lá continuarei.

Adeus ao corpo!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

TALENTOS SERGIPANOS - EDGAR BARROS

 

Talentos Sergipanos. Professor Edgar Barros (foto)
(por Antonio Samarone)

Morreu um poeta!

Passei parte da vida alisando os bancos escolares. Centenas de professores tentaram me ensinar em vão. Apreendi pouco, do muito que me ensinaram nas escolas. Esqueci muita coisa.

Os professores tentaram me ensinar, cada um ao seu modo. Sou grato a todos.

Entretanto, alguns professores foram especiais, ficaram na memória.

No início da década de 1970, fui aluno de biologia do professor Edgar Barros dos Santos (foto), no Murilo Braga. Humilde, discreto, Edgar era um técnico agrícola, especializado em inseminação artificial. Licenciado em ciências biológicas. Depois formou-se em odontologia.

Edgar foi dentista do IPES.

Edgar nasceu professor. Didático, fluente em metáforas, deixava a turma extasiada, ninguém dava um pio, todos de respiração presa, atentos, para não perder uma palavra do professor Edgar. A sua aula era um espetáculo.

A aula começava no canto superior do quadro negro. Tudo arrumado. Desenhos perfeitos, esquemas esclarecedores. No final da aula, ele chegava no canto inferior, no lado oposto do quadro. Um artista do quadro negro e do giz. A sua aula era uma obra de arte.

Edgar nunca usou o apagador. A sua aula ficava na lousa por dias, ninguém se atrevia apagá-la. Alunos de outras turma, professores, bedéis, todos extasiados.

A aula sobre a anato-fisiologia do aparelho reprodutor feminino era inesquecível. Na faculdade de medicina a aula de obstetrícia pareceu repetitiva. Lembrava-me de tudo da aula de Edgar no Murilo Braga. Naquele tempo, célula e genética estavam chegando. Biologia era botânica, zoologia e corpo humano.

O professor Edgar Barros, filho de Seu Epaminondas e Dona Duartina, morreu essa semana, aos 73 anos. Não ficou nem famoso, nem rico. Não terá um monumento em Praça Pública, A sua morte não foi notícias.

Mas afirmo sem receio: Edgar Barros foi um gênio em sala de aula, um poeta da biologia. Hoje, meio século se passou e as suas aulas continuam impressas em minha memória.

Eu fui um esforçado professor de biologia no Arquidiocesano. Quando recebia elogios sobres as aulas, pensavam em silencio: vocês não conhecem Edgar.

Receba as minhas homenagens, professor Edgar.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O MITO

O Mito!
(por Antonio Samarone)

Os estudos apontam a concentração do “bolsonarismo” entre algumas categorias sociais: evangélicos, forças de segurança, milícias, agronegócio e médicos. As motivações bolsonaristas são diferentes, mas a paixão é a mesma.

A surpresa fica por conta dos médicos. Essa paixão é generalizada entra os esculápios, concentrada entre os economicamente bem-sucedidos. O que move politicamente os médicos? Não sei!

A imensa maioria dos médicos vive do seu trabalho. Economicamente, são trabalhadores. A paixão bolsonarista é de ordem ideológica.

Não existe um bolsonarismo real e um bolsonarismo esclarecido. Não! Bolsonaro é um mito para os seus seguidores. A paixão não permite divergências. A certeza de que as urnas eletrônicas são fraudulentas é generalizada entre eles. O “terraplanismo” é bem aceito e o pensamento de Olavo de Carvalho é um guia.

Quais as motivações políticas atuais dos médicos bolsonaristas? Também não sei. Em Sergipe, essa tendência à direita dos médicos é antiga.

Os ideais tenentistas da Revolução de 1930 foram sufocados em Sergipe. Os usineiros, liderados pelo Coronel Gonçalo Rollemberg do Prado, dono da Usina Pedras, fundaram a “União Republicana de Sergipe” (URS). Um Partido da oligarquia açucareira apoiado pela Igreja Católica (LEC). Um partido da velha ordem.

A cerimônia de fundação do União Republicana de Sergipe ocorreu na Usina Pedras, em Maruim, num laudo banquete, para cem talhares, regado a champagne cristal rosé e vinhos finos. O banquete foi animado por uma orquestra baiana.

A União Republicana de Sergipe defendia um “liberalismo intervencionista”, segundo o mestre Ibarê Dantas.

Na primeira eleição, em 1933, a União Republicana de Sergipe lançou quatro candidatos ao parlamento federal, sendo três médicos (Augusto Leite, Eronides Carvalho e Moacyr Rabelo Leite). Augusto Leite foi eleito.

Nas eleições para a Constituinte estadual (1934), a União Republicana derrotou o governo tenentista de Augusto Maynard, elegendo dezesseis, dos trinta deputados. Como consequência, a Assembleia Legislativa elegeu indiretamente os médicos Eronides Carvalho para governador e Augusto Leite para o Senado.

Os usineiros governaram Sergipe com o médico Eronides Carvalho, entre 1935 e 1942. Um período trevoso, onde preponderou o império da violência e da perseguição política. O Governo de Sergipe aplaudiu com entusiasmo o golpe do Estado Novo de 1937.

Contraditoriamente, o golpe de 1937 cassou o mandato de Augusto Leite. Para o bem da boa medicina, o notável médico deixou a política partidária.

Para agradar a Getúlio Vargas, os usineiros de Sergipe fecharam as portas da União Republicana de Sergipe, com o Estado Novo (1937).

Posso citar outros momentos da história de Sergipe, mas não vejo necessidade.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

LAGARTO

 Villa de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto.
(por Antonio Samarone)

Fui passear em Lagarto. Bater pernas. Adorei! A cidade limpa, organizada e um povo atencioso, prestativo.

Fui na igreja de Nossa Senhora da Piedade. Linda. bem cuidada. Até o galo permanece na torre da igreja. A casa paroquial continua com os azulejos do Brasil Império.

Encontrei na praça um voluntário vendendo verduras da Fazenda Esperança (foto). Me pareceu um iniciativa decente, Eles acolhem dependentes químicos de forma desmedicalizada. Usam o poder da palavra.

Sou da raça dos perguntadores, esmiucei detalhes da Fazenda Esperança, Gostei do que ouvi.

Fiquei de voltar, para conhecer pessoalmente a Fazenda Esperança.

Achei o centro de Lagarto silencioso. O comercio arrumado, lojas de boa aparência. Só conhecia Lagarto de passagem pela rodovia.

O povo me pareceu pacato e atencioso. Perguntei muito a muita gente. Todas me atenderam bem.

De vez em quando ouvia de populares: aquele é Samarone? Vige com está velho... Fiz questão de ir com a camisa do Itabaiana, para não parecer turista.

Gostei de Lagarto. Voltarei!

Antonio Samarone (médico sanitarista).

sábado, 2 de julho de 2022

MEMÓRIA SELETIVA


 Memória Seletiva.
(por Antonio Samarone)

Culturalmente, Itabaiana está assentada no tripé: Santo Antonio, os caminhoneiros e a Associação Olímpica de Itabaiana. São as ligas da nossa identidade.

O Consulado de Itabaiana recebeu a visita de Luciano de Oliveirinha (Cibalena), há mais de cinquenta anos radicado em Pernambuco. Cibalena esqueceu de muita coisa, de pessoas, fatos e acontecimentos. A memória cuida de ir apagando.

Um fato chamou a atenção: Cibalena lembrava vivamente de Horácio, o goleador do Itabaiana. Cibalena recordou de uma partida entre Confiança versus Itabaiana, numa quarta-feira a noite, em 30 de julho de 1969, o Batistão recém-inaugurado.

O Confiança ganhava por 3X0, gols de Debinha, Beto e Vevé. O Itabaiana reagiu e empatou em 3X3, com dois gols de Horácio e um de Augusto. Cibalena lembrava-se em detalhes desse jogo, dos dois gols de Horácio, ocorridos há mais de 53 anos (meio século).

O Itabaiana jogou aquela partida com Marcelo, Augusto, Humberto, Elísio e Sinval, Carlos e Toinho, Edmilson, Targino, Horácio e Belo. Fonte: Aelson Gois.

Luciano comemorou com Horácio essa lembrança. “Foi a minha maior emoção futebolística”, revelou Cibalena. Na foto, Cibalena está contando os detalhes dessa partida, ao espantado Horácio.

Quase todos no Consulado lembravam-se dessa Partida, de meio século atrás. Eu estava no Batistão (Meninos, Eu vi).

Esse fato reforça duas teses: o futebol, Santo Antonio e os caminhoneiros unem culturalmente Itabaiana e a memória seleciona os fatos vinculados as emoções.

O esquecimento é seletivo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - WALTER CARDOSO

 Gente Sergipana – Dr. Walter Cardoso.
(por Antonio Samarone)

Até meados do século XIX, a medicina praticada no Brasil era a coimbrense. Uma medicina medieval nascida nos mosteiros, mais atrasada do que as medicinas dos Jesuítas, Pais de Santos, Curandeiros e Pajés.

A medicina brasileira só passou para a influência francesa, na segunda metade do Dezenove, com a reforma Visconde de Saboia, no ensino das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro.

Em Sergipe, a tradição francesa durou até a segunda metade do século XX. O livro de anatomia adotado na Faculdade de Medicina de Sergipe, era um clássico de Jean Léo Testut, em sua versão francesa.

Fui aluno de doenças infecciosas e parasitárias, do Dr. Walter Cardoso, um sanitarista formado em Manguinhos. Em seu bureau na sala de aula, se destacava um busto de bronze de Pasteur. Rezava a tradição francesa, que ao final da aula, houvesse uma calorosa salva de palmas.

Dr. Walter Cardoso, um conservador, católico militante e médico humanista, foi Secretário da Saúde e Diretor da Faculdade de Medicina. Deixou livros publicados e editou uma revista de Saúde Pública em Sergipe.

Entre os livros publicados destacam-se: “A luta contra a fome”, “Perspectiva da Saúde Pública em Sergipe”, “História da Saúde Pública em Sergipe”, “Vida, tempo e memória” e Retrato de Garcia Rosa”.

Como Diretor da Saúde Pública, no governo Arnaldo Garcez, Walter Cardoso foi o inspirador da criação do Conjunto Agamenon Magalhães em Aracaju, para transferir as populações faveladas do Curral e da Ilha das Cobras, no Morro do Bonfim. O novo Conjunto foi planejado com os princípios da sustentabilidade sanitária.

Walter Cardoso foi o primeiro Secretário da Saúde, na criação da Secretaria da Saúde por Celso de Carvalho, em 1965.

Walter Cardoso faleceu em 25 de maio de 2001, ao 89 anos.

Na reta final, eu conseguir autorização da família para visitá-lo em sua casa. Ele já muito doente, mas com a memória perfeita. Em sua conversa comigo ele fez duas revelações: que era conservador, mas nunca foi anticomunista e que as suas tias não negaram água a Fausto Cardoso, quando ele saiu baleado do Palácio.

A sua afirmação de nunca ter sido anticomunista, talvez tenha sido em consideração a minha fama de militante do credo vermelho, no movimento estudantil. Eu sempre admirei o professor catedrático e colega sanitarista Walter Cardoso, um batalhador pelas reformas na Saúde Pública.

As tias de Walter Cardoso eram “olimpistas” e moravam numa bela casa na esquina da Rua Pacatuba com a Praça do Palácio. Existia a fofoca que elas negaram um copo de água a Fausta Cardoso baleado. Ele cuidava da memória das tias.

Eu sou do tempo em que tinha-se gratidão aos mestres e professores. Sempre considerei meus professores de Saúde Pública na UFS: Walter Cardoso, José Leite Primo, Alexandre Gomes de Menezes, Cleovansóstenes Pereira de Aguiar e João Cardoso do Nascimento.

Em Sergipe, o Dr. Walter Cardoso foi o último grande mestre inspirado na medicina francesa. A atual influência da medicina americana é contemporânea a medicina de mercado

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GOVERNADOR, EU NÃO SOU MENTIROSO

 Governador, Eu não sou mentiroso!
(por Antonio Samarone)

O governador usou o poder da máquina pública para me chamar de mentiroso! O que levou o governador a esse destempero?

Escrevi um artigo factual sobre o Hospital de Amor, em Lagarto, afirmando que o governador, talvez por ciúmes, trabalhava nos bastidores contra a obra.

O que eu não citei no artigo anterior. O mais grave e que eu não tinha dito: o senhor suspendeu o pagamento das faturas dos serviços preventivos prestados pela Fundação Pio XII, mesmo sendo valores pequenos.

A Fundação Pio XII, que está construindo o Hospital do Amor, presta serviços preventivos contra os cânceres de mama e do útero, em Lagarto, desde julho de 2017. A clínica preventiva foi construída com recursos do Instituto Avon.

Somente em março de 2019, a Secretaria da Saúde assinou um contrato com a Fundação Pio XII para custear esses serviços, com os valores da tabela SUS. O Estado pagou os primeiros três meses, e o senhor mandou suspender. O Estado deve a Fundação 33 parcelas. São parcelas pequenas, de dois mil e poucos reais. Pague-as!

Me disseram na Secretaria da Saúde que o senhor mandou rever e que vai pagar. Nada que a proximidade eleitoral não resolva. De todo jeito, mande pagar.

No dia do lançamento da pedra fundamental do Hospital de Amor, o governador estava em Simão Dias, inaugurando uma casa de repouso para os idosos. Apesar da proximidade, se esperou em vão a presença da autoridade.

A obra do Hospital de Amor anda a pleno vapor. Mesmo passando na porta dos hospital com frequência, o governador nunca fez uma visita. É como se nada existisse. Foi isso o que eu disse e reafirmo.

Tem mais: recentemente, sem nenhum estudo, o senhor anunciou, sem muita convicção, a construção de um Hospital do Câncer em Aracaju. Um velho projeto que se arrasta a três governos, e que será requentado.

Governador, foram os fatos que me mostraram a sua má vontade com o Hospital de Amor de Lagarto. Nem inventei, nem menti.

O senhor chegou ao governo jogando os pés em que sempre lhe ajudou. O velho Senador Valadares lhe tratava como a um filho e sofreu muito com a sua ingratidão.

O senhor fez um governo apagado e sem criatividade. Passou boa parte do tempo dizendo que o governo estava quebrado, jogando a responsabilidade nos outros. Agora, na ânsia de eleger o sucessor, passou a dizer que vai deixar os cofres abarrotados para o próximo.

O senhor está jogando fora a única desculpa para a apatia do seu mandato. A desculpa que não tinha dinheiro. O dinheiro apareceu agora, às vésperas das eleições?

A poucos dias, o senhor chamou o pré-candidato Valmir de Francisquinho de irresponsável por ele ter prometido acabar com o criminoso desconto dos aposentados e retomar as carreiras dos professores e policiais. O senhor disse que Valmir iria quebrar o Estado.

Com fins eleitoreiros, o senhor acaba de anunciar que vai mandar um projeto de lei para ressarcir o que foi saqueado dos aposentados. O que mudou? Aproveite e mande junto o projeto dos professores e dos policiais.

Governador, cuide da sua biografia.

Felizmente governador, os que irão escrever a história de Sergipe nessa triste Era, não lhes devem a cabeça.

Reafirmo respeitosamente: governador, eu não sou mentiroso e o senhor vem boicotando a construção do Hospital de Amor, em Lagarto

Antonio Samarone (médico sanitarista)

Gente Sergipana - Wellington Mendes.


Gente Sergipana - Wellington Mendes.


O professor de música na UFBA, o itabaianense Wellington Mendes, foi designado pela Academia de Letras, embaixador da cultura itabaianense na Bahia.

Em seu breve e erudito discurso, o trompetista Wellington Mendes teceu agradecimentos ao velho e esquecido maestro João de Matos, seu professor de música em Itabaiana.

João de Matos era carpinteiro e maestro. Um velho comunista que levava a vida franciscanamente. Ensinou musica a várias gerações, João de Matos morreu na pobreza absoluta. Os poucos amigos se cotizavam para comprar a insulina necessária a sua diabetes.

Dona Maria Pereira, diretora do Colégio, contratou João de Matos para ensinar música aos alunos da Banda do Murilo Braga, pagando~lhe com o dinheiro do aluguel da cantina.

Prefeito Adailton, a música em Itabaiana deve muito ao maestro João de Matos. A cidade deve-lhe homenagens, A Filarmônica nomeou o seu Centro de Estudos de Instituto João de Matos. Ainda é pouco.

A Academia de letras de Itabaiana precisa recuperar a memória de João de Matos, um grande maestro.

Wellington Mendes despediu-se falando às almas dos presentes, com o seu virtuoso trompete.

Uma noite de grandezas!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

A ORLA DOS SETES ERROS


 A Orla dos Sete Erros.
(por Antonio Samarone)

O acanhado governador de Sergipe passou o mandato choramingando que não podia fazer nada, pois recebeu o governo quebrado.

Com medo de assumir o posto de Jackson Barreto, como “o pior governador de Sergipe”, Belivaldo resolveu trabalhar. Decidiu continuar a Orla de João Alves na Atalaia, que na época, levou a fama de ser a mais bonita do Brasil.

A Orla de Belivaldo que está sendo construída na Sarney, padece de sete erros capitais: erro de concepção, de planejamento, de projeto, de paisagismo, de dimensionamento, de execução e de sinalização.

Como se bastasse, o governo de Sergipe resolveu montar arapucas, caça níqueis e pegadinhas para castigar os contribuintes. Instalou um fiscalização eletrônica de inspiração punitiva.

Vamos aos fatos:

1. Aracaju reagiu durante a civilizada campanha de limitação da velocidade em 60 Km. A norma foi psicologicamente internalizada. Entre os benefícios, houve uma redução de mortes por atropelamentos.

2. A fiscalização eletrônica da velocidade é aceita como medida educativa, desde que bem-sinalizada e visível. Entretanto, armar pegadinhas é tentar espoliar os contribuintes.

3. O apagado governo de Sergipe resolveu instalar a fiscalização eletrônica na Orla dos Sete Erros, com uma perversidade: estabeleceu o limite de velocidade em 50 Km. As pessoas em Aracaju já colocaram o limite de 60 Km no inconsciente e dirigem de forma condicionada.

4. Entenderam o limite de 50 Km? Induzir ao erro!

5. Sem contar que nos velocímetros dos carros brasileiros não aparece a velocidade de 50 km, ela é um intervalo entre 40 e 60 Km.

6. Por último, o artigo 61 do Código de Trânsito não estabeleceu 50 Km como limite de velocidade para nenhuma via. Claro, a autoridade local pode estabelecer esse limite, desde que apresente estudos especificando as características técnicas e as condições de trânsito que justifiquem 50 Km. Isso foi feito?

Governador, a disputa pelo título de “pior governador da história de Sergipe” está em aberto’. Não pense que será fácil, não subestime, o senhor está enfrentando o seu antecessor, um forte candidato.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

ANTIGOS MEDOS

 Antigos Medos!
(por Antonio Samarone)

Quando mataram o deputado federal Euclides Paes Mendonça (08/08/1963), em Itabaiana, a cidade ficou apavorada. O medo da morte dominava os inconscientes.

Para agravar, resolveram exumar o corpo do deputado, que já descansava há dias na sepultura. Desenterrar o morto para novas perícias. A notícia criou pânico. Itabaiana vivia sob a crença nos miasmas. Mortos insepultos, sepulturas rachadas era causa de epidemias, imagine desenterrar.

A medicina brasileira nasceu no Mosteiro Santa Cruz, em Coimbra. Sempre foi uma medicina religiosa, dos sacerdócios, das Santa Casas; só passamos para a atual medicina de mercado, dos negócios, no final do século XX.

Na igreja de Itabaiana tinha uma gravura do Papa João XXI. O livro escrito por ele, “Thesaurus pauperum,” estava nos baús da biblioteca da Paroquia. Para quem não é versado na história do catolicismo, João XXI era o médico português Pedro Julião (Petrus Lusitanus).

Dante, na Divina Comédia, colocou o médico português, que virou o Papa João XXI, no Paraíso. Isso assinala o prestígio desse médico de batina.

Outro livro raro que vi em mãos do Padre Everaldo, em Itabaiana, foi o clássico “Colóquios dos Simples, Drogas e Causas Medicinais da Índia”, do sábio português Garcia da Orta, com o prefácio escrito em versos por Camões. Vi ou sonhei depois de velho. O certo é que ficou gravado em minha memória. Lembro-me até da capa. Esse livro foi publicado em 1563.

Itabaiana vivia culturalmente na Idade Média. Reagiu assombrada a exumação do deputado.

Quem teve essa ideia de Jerico, todos perguntavam. Ninguém sabia, eram ordens da Câmara Federal. Tratava-se do corpo de um deputado federal. Foram dias de pavor e incredulidade.

O dia da exumação chegou! O médico perito veio de Brasília. Antonio Jurubeba foi contratado para cavar, pois nenhum coveiro aceitou. Os prognósticos eram terríveis. Para aumentar o medo, o médico perito faleceu poucos dias depois, em Aracaju. Certamente de causas naturais. Mas o povo não se conformava. Tá vendo, até o médico morreu.

No dia seguinte a exumação, no Beco do Ouvidor, acendemos fogueiras e queimamos cinco quilos de alcatrão real, comprados no Armazém de Filomeno. A minha casa ficou cheirando por 15 dias.

Ficou todo o mundo esperando o dia de Antonio Jurubeba bater as botas. Só se falava nisso. É hoje, não passa do final de semana. E nada! Antonio Jurubeba vivo e contando estórias da exumação.

O povo não é brincadeira. Foram perguntar: e aí, seu Antonio, o que é que o senhor tomou para escapar?

Seu Antonio deu uma gaitada: “eita povo besta, antes do serviço, caladinho, tomei meio litro da cachaça. São Bento antes das Cobras!”

Como se sabe, a cachaça corta tudo e Antonio Jurubeba escapou da morte certa. Essa estória correu de boca em boca.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

DORMIR É PARA OS FRACOS

Dormir é para os Fracos.
(por Antonio Samarone)

José dos Santos (Zé Pardal, para os mais chegados) é natural dos Saco das Varas. Nascido e criado sem regalias. Aprendeu a ler, escrever e contar na marra, caminhando quase légua e meia de casa até a escola.

Foi tentar a vida no Sul, mas não deu certo. Voltou a Sergipe já maduro. Arrumou serviço numa “Gata” da Petrobras. Deu duro e juntou um dinheirinho. Comprou uma casa no Marco Freire e ia vivendo.

O desemprego chegou há sete meses e o seguro-desemprego acabou. Zé Pardal nunca foi de esmorecer. Arrendou um táxi e foi trabalhar na Praça do Aracaju. “Agora sou um pequeno empreendedor, vivo dos meus esforços. Acabou-se a vida de empregado.” Zé Pardal enfiou o fiofó no carro e danou-se a trabalhar. Cada vez mais.

Zé Pardal endoideceu de vez. Resolveu enfrentar o turno 24/7, que dormir era coisa de gente preguiçosa. Não parava nem para comer, ia beliscando umas besteira. No início, 8, 10, 12, 14 horas por dia. A gasolina cada vez mais cara e o que sobrava era cada vez menos. Zé resolveu se testar: “quantos dias eu suporto sem dormir?”

Pensou Zé: “o Pardal da Coroa Branca passa sete dias acordado durante as migrações, e por que eu não?” Ele não tinha esse apelido de Zé Pardal atoa. Na segunda noite, ele começou a ver visagens, uma alucinação visual de cores brilhantes. Ele fez de conta que não era nada e continuou.

Em experimentos, os ratos morrem após três semanas de insônia. “Eu só quero passar uma semana sem dormir”, disse Zé Pardal. Ele não sabia que o homem não resiste, a insônia induz a psicose, com lesões neurológicas irreversíveis.

Pensou em recorrer as anfetaminas, mas desistiu. “São caras e perdem logo o efeito. Vou ficar acordado na tora”. Numa primeira vez, Zé Pardal aguentou 72 horas sem dormir. Foi encontrado perto do Porto Dantas, dormindo sobre o volante.

Depois foi repetindo a experiência. A sobrevivência foi exigindo mais horas acordado. E ele tentando. Ele soube que nos campos de concentrações nazistas os prisioneiros ficavam acordados por até dois meses. Eles eram colocados em pé num cubículo, iluminação forte, som estridente, choques intermitentes e os pés dentro da água. Alguns sobreviviam.

Zé Pardal botou na cabeça que aguentava pelo menos uma semana sem dormir. E foi tentando. Insistindo! A mulher achava que ele tinha perdido o juízo. Mas Zé, tinha o objetivo que iria vencer na vida como empreendedor. Não aceitava o fracasso.

Zé achava o sono um tempo morto, sem vida, sem produção. “Dormir era para os fracos”, achava ele. A última barreira natural para a completa realização do capitalismo 24/7 é o sono. Ele ainda não pode ser eliminado.

Após várias tentativas de vencer o sono, na última, Zé Pardal chegou ao sétimo dia sem dormir. Ao entardecer de uma sexta-feira, Zé teve uma visão: um anjo anunciou a sua vitória. Você venceu! A glória é o seu destino.

Zé teve uma ideia para comemorara a vitória: comprou meio galão de gasolina aditivada, jogou sobre o que lhe restava de corpo e riscou o fósforo. Transformou-se numa vitoriosa chama incandescentes.

Não entendi: por que o seu limite foi sete dias? Sete foram as chagas de Cristo, sete são os dons do Espírito Santo, sete são as alegrias da Virgem Maria, sete são os sacramentos da Igreja e sete são os pecados mortais.

Ontem, eu compareci a sua missa de sétimo dia, na Capela da Piabeta.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O MEDO NOVO!

 O Medo Novo.
(por Antonio Samarone)

A peste das bexigas foi a principal causa de morte em Sergipe, até meados do Século XX. Outras mazelas grassavam livremente: peste branca, maleita, mal de Lázaro, doenças do mundo, câmaras de sangue e o impaludismo. Eram doenças antigas.

O povo manifestava a sua curiosidade transformando-as em xingamentos: bexiguento, lazarento, cranco, gota serena, cabrunco, peste etc. Na modernidade, essa mania continua com novos xingamentos. Em Itabaiana, “canso” e “fio do canso”, suponho que devem se referir ao câncer.

Não há registro em Sergipe da presença significativa da febre amarela e a da peste negra. Por aqui, predominava a peste branca.

Entretanto, o medo que alcancei foi do mal de Chagas. Na década de 1960, o DNERU resolveu fazer uma campanha educativa de um nova doença. Uma doença grave, sem cura e transmitida por um besouro. Uma campanha terrorista.

Eu era íntimo dos besouros: cavalo do cão, vira bosta, mangangá, carocha, percevejo, joaninha, gorgulho, cigarra, gafanhoto, esperança, besouro da cão. uma lista sem fim. Todos mais ou menos feios, mas inofensivos. Alguns fedidos. A molecada criava “fazendas” de besouros, brigas, corridas, enfrentamentos. Os besouros eram parte dos brinquedos.

Na década de 1960, a campanha do DNERU meteu medo. A terrível doença de Chagas é transmitida por um besouro. Não era um besouro qualquer, era o barbeiro, um chupão desconhecido entre nós. Esse besouro que gostava das casas de taipas, mas poderia estar em qualquer lugar, embaixo de qualquer travesseiro.

No Brasil existem milhares de espécies besourentas, algumas ainda sem nome. E agora, como reconhecer o barbeiro? Pela foto do barbeiro nos livros e cartazes era impossível o reconhecimento. São todos parecidos. Em Itabaiana, catalogamos mais de 50 besouros com a cara do barbeiro.

Zeca Araújo, colocou em sua loja vários mostruários de barbeiros empalhados. Formou-se filas! Os tabaréus fizeram caravanas para ver o barbeiro. Dia de feira, a fila do barbeiro ia até a loja de Seu Jubal, na Praça da Feira. Eu não me cansava, passava lá quase diariamente.

Como consequência, houve uma caça patriótica a tudo o que é besouro. Eu não dormia enquanto não fizesse uma blitz minuciosa no quarto. Só se falava no barbeiro. Todos contavam aventuras, todos se sentiram ameaçados.

Foi um medo novo. Apavorante!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

0 NEGÓCIO E O SACERDÓCIO NA MEDICINA.

 

O negócio e o sacerdócio na Medicina.
(por Antonio Samarone)

Tenho escutado com frequência relatos de desatinos, charlatanismos, falta de empatia, ambição desmedida e comercialização desenfreada da prática médica em Sergipe. Não sei a real extensão!

Sei que a resistência a desumanização natural da medicina de mercado é frágil. Limita-se a exemplos pessoais ou de pequenos grupos.

É da natureza do mercado: qualquer produto ou serviço que assume a forma de mercadoria, assume a sua lógica. Quando esse mercado funciona sem controle público, sem normas, sem regras, assume um caráter selvagem da maximização dos lucros. Um vale tudo.

Desconheço estudos analisando cientificamente a prática médica de mercado na atualidade sergipana. Tudo é por ouvir dizer, pela aplicação da lógica geral do funcionamento dos mercados, por queixas e relatos dos pacientes e conversas com colegas médicos de minha geração.

Reconheço que o mercado médico é livre em Sergipe, sem amarras, dependendo somente dos valores morais de cada profissional. Nem o código do consumidor é observado. Muitas vezes, os valores morais são muito verbalizados e pouco praticados.

Fiquei curioso: como era a medicina em Sergipe, em sua forma de sacerdócio? Procurei o relato histórico de Helvécio de Andrade, “Os primeiros cem anos da medicina em Sergipe”, texto publicado em 1920.

Transcrevo abaixo, uma breve citação. Vamos a Helvécio de Andrade (1920):

“Contudo posso e devo pôr em relevo, em honra à medicina sergipana, as altas qualidades morais do seu corpo médico, os sentimentos altruísticos, generosos, de coragem, desprendimento e desinteresse, com que em todos os tempos e oportunidades, acorreu, lá onde o perigo era maior e menos provável a recompensa pública.”

“A Clínica de Sergipe é das mais pobres do país. Não há cidade onde desafogadamente possam viver profissionalmente dois clínicos.”

“Na Capital, ainda hoje não existe uma clínica independente dos favores do Estado, quer porque predominem na vida sergipana os velhos conceitos sobre o exercício da medicina, considerada sacerdócio, portanto gratuita, e é esta na maioria dos casos a explicação mais verdadeira, quer porque, o que é raro, predomine a ambição em sua forma mais moderna e ao mesmo tempo mais repugnante – o dinheiro.”

“Seria preferível que fossem bem pagos os serviços médicos. Animaria a clínica a especializar-se, fundando gabinetes, consultórios, em ordem a atender as necessidades da diagnose e do tratamento de certo número de moléstias, nas quais os medicamentos, em geral, pouco valem.”

“Entretanto, quantos talentos médicos viveram em Sergipe, condenados ao ostracismo e ao esquecimento?”

“Ser poeta já é ser desgraçado, mas ser médico e sentir como os poetas, ter alma, contemplar o céu, pedir as suas misteriosas inspirações e alento para os ideais do amor, verdade e justiça. Afagar ilusões de perfeição e beleza, é ser desgraçado duas vezes.”

Acho que essa discussão precisa ser aberta, com todos os interessados.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

MAC0NHA - REMÉDIO OU VENENO.

Maconha, remédio ou veneno?
(por Antonio Samarone)

O fumo de Angola teve uso regular no Brasil, até meados do século XX. Os rituais da diamba e da jurema eram parte da medicina popular.

O uso da maconha foi combatido ferozmente por médicos e juristas. A luta era por sua criminalização. Os médicos apontavam os males do vício. A planta da felicidade passava a ser a erva do demônio.

Em Sergipe, três médicos se destacaram nesse combate:

1. Rodrigues Doria, governador de Sergipe, apresentou num Congresso médico em Nova York (1915), um ensaio sobre “Os fumadores de maconha, efeitos e males do vicio”.

2. Eleyson Cardoso, médico, irmão do governador Graco Cardoso, publicou dois textos dobre a maconha: “Comercio interestadual da maconha” e “Diambismo ou maconhismo como vicio assassino”.

3. Garcia Moreno, intelectual destacado na Província, psiquiatra e professor, publicou “Aspectos do maconhismo em Sergipe”.

São textos de fundo moralistas, eivados de preconceitos, cobrando um combate feroz contra o “vicio”. Com um detalhe: os três médicos sergipanos reconhecem, de uma certa forma, o uso terapêutico da maconha.

A psiquiatria defendia (ou ainda defende) o caráter patogênico da Cannabis, como desencadeadora das psicoses.

A grande virada.

A medicina, sobretudo a psiquiatria, passou a enxergar as vantagens terapêuticas da maconha. O canabidiol (CBD) tornou-se de uso medicinal frequente, com várias indicações. O THC (Tetra hidro canabidiol), que produz o espírito alucinógeno da planta, ainda é visto com restrições moralistas.

O fato é que a medicina reconheceu a maconha como remédio.

Remédio é qualquer substância ou recurso usado para combater dor, doença, transtorno, sofrimento e mazelas da vida.

Por que uso natural da planta ainda continua proibido? São os interesses da Indústria farmacêutica ou do crime organizado? A produção artesanal ainda é dificultada pela lei.

“Toda o remédio tem uma porção de veneno.” - Galeno

A Cannabis possui mais de 400 substâncias químicas em sua composição. O seu uso medicinal é antigo. A farmacopeia mesopotâmica continha vários narcóticos: Ópio, Mandrágora, Haxixe, Cannabis e Beladona.

Hipócrates prescrevia o Heléboro contra a mania e a melancolia.

Hoje, um curso de capacitação para médicos prescritores da Cannabis custa um pequena fortuna, e não chega para quem quer. Recebi o convite para fazer uma pós-graduação à distância, 520 horas, sobre a “Cannabis medicinal”.

Renasce a medicina canabinóide.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

ONDE NASCEU ITABAIANA


 Onde nasceu Itabaiana.
(por Antonio Samarone)

Desembarcamos no Vale do Jacarecica há mais de 400 anos, para ocuparmos, por nossa conta e risco. as primeiras Sesmarias. No pé da serra formosa, entre a Cova da Onça e o Zanguê, fundamos o Arraial de Santo Antonio. O Vale era fértil e a água abundante. Floresceu a prosperidade.

O crescimento criou o desejo de nos tornarmos Villa. Em 1665, criamos a “Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório (que ainda existe)”, que deveria construir o mercado, a cadeia pública e a igreja, condições exigidas para ser Villa.

Em 09 de julho de 1675, a Irma1ndade das Almas comprou o sítio do Padre Sebastião Pedroso de Gois, na localidade denominada Caatinga de Ayres da Rocha. Um local inóspito e sem água.

Não sei se pelo prestígio do Padre Sebastião, pouco tempo depois, em 30 de outubro de 1675, o arcebispado do Brasil, criou a Freguesia de Santo Antonio e Almas de Itabaiana.

A Igreja chegou primeiro que a Coroa Portuguesa.

Finalmente, a 20 de outubro de 1697, a Coroa Portuguesa criou a Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. Entre a instalação do Arraial de Santo Antonio e a criação da Villa, houve uma mudança no local da sede.

O natural seria ter construído a Villa no Vale do Jacarecica, que reunia boas condições de prosperidade. Entretanto, apareceu um padre interesseiro para convencer a Irmandade das Almas que o local da Vila deveria ser a sua propriedade.

Faltavam argumentos ao padre, o seu sítio era mal localizado.

O padre Sebastião usou de astúcia para vender o sítio: a imagem de Santo Antonio começou fugir da Igreja Velha para debaixo de uma quixabeira, no sítio dele. O padre pregava nos sermões: Santo Antonio não quer ficar no Vale do Jacarecica.

Quem iria discordar?

A Irmandade das Almas acabou comprando o sítio do padre, e no local da quixabeira levantou a nova igreja. A Villa de Itabaiana foi finalmente construída na Caatinga de Ayres da Rocha, e o padre se livrou do sítio improdutivo.

Santo Antonio é o pilar central da cultura Itabaianense. O Santo Antonio de Itabaiana não é o casamenteiro, nem o que lutou junto às tropas portuguesas para expulsar os espanhóis de Salvador. O Santo Antonio de Itabaiana é dos pobres. Sempre foi!

Essa história de Santo Antonio Fujão é antiga e vem sendo oralmente repassada de forma anônima. A memória e a cultura são criadoras das narrativas civilizatórias. Quem não entender o papel de Santo Antonio, não entenderá a itabaianicidade, com dizia o mestre Orpílio. O jeito ceboleiro de ser.

Amanhã, dia 12 de junho, refaremos a caminhada de Santo Antonio da Igreja Velha à Igreja Matriz, no centro da cidade. Seguindo os rastros das alpercatas do Santo. Ressalto a persistência do Padre Edevaldo Santana e do engenheiro Alcelmo Rocha, descendente de Ayres da Rocha, na retomada da trilha de Santo Antonio Fujão.

Fui informado pelo Prefeito de Itabaiana, Adailton de Souza, que será construído um santuário no local da igreja velha e no próximo ano o festa dos caminhoneiros sairá de lá. Tomara!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

TALENTOS SERGIPANOS


 Talentos Sergipanos.
(Por Antonio Samarone)

Além da secular devoção à Santo Antonio, a procissão desse ano em Itabaiana teve um andor deslumbrante, como destaque. Andor é o jeito de dizer. Santo Antonio desfilou num carro alegórico gigantesco e de bom gosto. Trabalho de um artista plástico humildemente escondido no ofício de decorador.

Quem é esse talentoso gênio encoberto, produtor do monumental pedestal. Santo Antonio parecia voar entre as flores.

Estou falando de José Valder Santos (Val de Euclides Barraca, para os antigos), nascido em Itabaiana em 06 de novembro de 1951, filho de Euclides Fiel dos Santos e Dona Maria José Santos. Val é neto de Sá Rita, descendente direta de escravos.

Val Decorador, como é conhecido pelo mais novos, fez o primário com as professoras Maria de João Fagundes, na Rua do Tanquinho e com Dona Joseíta, no Beco Novo. Terminou o primário no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Parou por aí

Como acontecia, foi para São Paulo em busca de sonhos. Foi trabalhar com repositor no Grupo Pão de Açúcar. Começou ajudando na decoração das lojas, logo descobriram o seu talento. Virou o principal decorador da Rede Pão de Açúcar.

Em 1987 retornou a Itabaiana. Começou realizando decorações de festas particulares. A primeira festa decorada por Val, foi o aniversário de José Hermógenes Neto, filho de Cambaio, o borracheiro mais antigo da cidade.

Há mais de 30 anos é o decorador oficial do andor de Santo Antonio, uma coisa sagrada em Itabaiana. A cada ano cria-se uma expectativa na cidade: como será o andor desse ano?

Todo dia 13 de junho, junta uma multidão nos fundos da Matriz esperando o andor de Santo Antonio sair. Esse ano o andor se transformou em carro alegórico, uma gigantesca plataforma decorada, e saiu mais cedo, na festa dos caminhoneiros. Soube que custou uma pequena fortuna.

Esse ano o carro alegórico de Santo Antonio viralizou nas redes sociais, pela beleza, imponência e harmonia. O glorioso Santo Antonio merece todas as homenagens.

O talentoso Val de Euclides Barraca sempre se supera. Respeitosamente, é o Joaozinho Trinta das procissões.

As manifestações de fé e devoção também acompanham o seu tempo.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

A SERRA DA GUIA

 A Serra da Guia.
(por Antonio Samarone)

Um grupo de amigos movido pelo desejo de conhecer o Sergipe profundo, resolveu percorrer o Estado. Um expedição cult ambiental pegou os caminhos, com a mochila nas costas. A primeira visita foi a Serra da Guia, em Poço Redondo.

Por que a escolha?

A Serra da Guia é um símbolo da luta dos negros sergipanos por liberdade. Quando o escravizado fugia em Sergipe o principal destino era a Serra Negra, na Bahia. Como encontrá-la? De longe se avistava uma parte da cordilheira do lado de Sergipe, por isso era chamada a “Serra da Guia”, A guia da liberdade.

No alto da Serra da Guia existe um cemitério dos escravizados, desconhecido pela maioria dos historiadores de Sergipe. Visitamos o cemitério.

O segundo motivo da escolha foi a presença de uma moradadora famosa, liderança religiosa, política e cultural, Dona Zefa da Guia (foto). A Parteira e Xamã mais famosa do alto Sertão sergipano. Dona Zefa é conhecida no mundo e pouco conhecida em Sergipe.

Dona Zefa da Guia, procurem na Internet. Nos arranchamos numa casa dela, dormimos em suas redes, rezamos as suas rezas. Ela abriu as portas do seu lar, pela madrugada, para nos oferecer um café, antes de escalarmos a montanha da liberdade.

Longa vida à dona Zefa da Guia! Zumbi dos Palmares vive!

A nossa primeira Trilha foi uma demonstração que valia a pena. Os sergipanos não conhecem o Sergipe profundo. Fomos em frente.

Outros amigos se interessaram e foi criada a Expedição Serigy. Com altos e baixos, cumprimos uma missão importante. Um pena a inexistência de registros escritos e fotográficos dessas expedições. Ou melhor, cada participante tem o seu acervo e a sua memória.

A Expedição Serigy virou uma página desativada no Facebook e um grupo no WhatsApp, tratando de coisas prosaicas.

Em Sergipe, a efemeridade é o principal traço das atividades culturais.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

PATRIMONIO NATURAL OU CULTURAL?

 Patrimônio Cultural ou Natural?
(por Antonio Samarone)

Sua excelência, o deputado zezinho sobral, festejou a aprovação de um projeto de lei concedendo ao “caranguejo” o título de “patrimônio cultural e imaterial de Sergipe”. Um título vazio e pomposos.

Caranguejos são todos os crustáceos com cinco pares de pernas e cefalotórax, são patrimônios naturais dos biomas marinhos. Outra coisa, caranguejos são muito, milhares de espécies. Acho que título do deputado seja para o caranguejo uçá (Urca cordata).

Reconheço que os caranguejos sergipanos são diferentes dos baianos. Os caranguejos baianos são transportados em caçuás fechados, os caranguejos sergipanos em caçuás abertos. Os caçuás com os caranguejos sergipanos podem ficar abertos que ninguém foge. O primeiro que começar a subir, os outros puxam para o fundo do cesto.

Essa banalização do patrimônio cultural é um incentivo ao desrespeito. Se tudo é patrimônio cultural, perde-se a especificidade, nada é!

O caranguejo nem é patrimônio cultural, muito menos imaterial. Talvez os modos de degustação, de preparação e da pesca dos caranguejos em Sergipe têm especificidades culturais. A cultura é uma manifestação humana.

O monumento mais visitado em Sergipe é um caranguejo de fibras na orla de Atalaia. A maior obra do Governador Jackson Barreto. Roma tem Moisés, de Michelangelo, Aracaju tem o caranguejo de fibras. Isso é cultura, mas o caranguejo no mangue é natureza.

O nome Sergipe origina-se do tupi si´ri ü pe, que significa “rio dos siris”. Não deriva do nome do Cacique Serigy, como disse recentemente um parlamentar federal do PT. Os siris já foram homenageados dando nome ao Estado de Sergipe, mesmo assim não são patrimônios culturais.

O ex-vereador Cosme Fateira, causou uma grande polêmica por muito menos: deu um título de cidadão aracajuano ao urubu, mas não teve a coragem de transformá-lo em patrimônio cultural e imaterial de Sergipe.

Os caranguejos são os urubus dos mangues, se alimentam de carniças e detritos.

O ex-vereador Rafael Oliveira apresentou um projeto de lei proibindo se comer as fêmeas dos siris, principalmente as ovadas, por razões compreensíveis. Um projeto claramente preservacionista.

Achar que o caranguejo é um bem cultural confunde com o seu lado natural da necessidade da preservação. Mas o caranguejo como um bem imaterial já é um apelação espiritual.

Talvez o deputado pudesse dar comendas parlamentares aos caranguejos e as caranguejeiras.

Em tempo, os órgãos ambientais abandonaram a preservação dos caranguejos em Sergipe, enquanto patrimônio natural.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - ZÉ lUIZ


 Gente Sergipana – Zé Luiz de Zé Sacristão.
(por Antonio Samarone)

Até meados do século XX, ser padre era uma alternativa promissora para os jovens sergipanos. As autoridades eram denominadas civis, militares e eclesiásticas. O juiz, o coronel e o padre eram personagens destacadas em qualquer comunidade.

O Seminário do Aracaju recebeu dezenas de itabaianiastas interessados. Os primeiros foram Zé Luiz de Zé Sacristão e Avelar de João Padre, sobrinho de Euclides Paes Mendonça.

Essa semana fiquei sabendo que as cinzas de Zé Luiz de Zé Sacristão chegaram à Sergipe, para um descanso definitivo no cemitério da Irmandade das Almas, em Itabaiana.

José Luiz de Oliveira nasceu em 11 de outubro de 1943, filho de José Joaquim de Oliveira (Zé Sacristão) e Dona Maria Andrade Oliveira. Fez o primário em Itabaiana, na escola paroquial. Resolveu ser padre, matriculou-se no seminário menor do Aracaju. Para aprofundar a formação de padre, foi transferido para o seminário maior de Viamão, no RS, onde estudou teologia e filosofia.

Zé Luiz era um estudioso. Para um maior aprofundamento em filosofia, foi à França, onde doutorou-se em filosofia da educação. Falava fluentemente 5 idiomas. Entretanto, Zé Luiz mudou de rumo, casou-se com uma francesa.

De volta do Brasil foi ser professor, ensinou na UFS. Foi o primeiro diretor do Mobral em Sergipe, dedicando-se a tarefa de reduzir o analfabetismo no Brasil. Foi transferido para o Rio de Janeiro, por conta do Mobral e lá foi professor da UFRJ.

Zé Luiz de Zé Sacristão era um erudito, versado em música clássica, que viveu fora de Sergipe. Mesmo em Itabaiana, ele só é lembrado pelos mais velhos. Um fato relevante: foi um saudoso da velha Aldeia, sempre queria saber sobre Itabaiana.

Para avivar a memória dos interessados, Zé Luiz é irmão do famoso ortopedista Luciano Oliveira, faz parte da raiz dos ferreiros de Itabaiana, da cepa de João José de Oliveira, da Matapoã. É um dos nossos!

Em nome dos mais velhos, acolhemos com reconhecimento e admiração as suas honradas cinzas. Que a sua vida sirva de exemplo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)