segunda-feira, 11 de abril de 2022

ANOS DE VACAS GORDAS


 Anos de Vacas Gordas!
(por Antonio Samarone)

A indústria de alimentos é a principal causa da epidemia de obesidade. A mudança dos hábitos, a transição alimentar é responsável pela emergência das doenças crônicas, a terrível síndrome metabólica.

A troca de uma alimentação natural, rica em fibras, culturalmente condicionada, por alimentos industrializados, rico em conservantes, quimicamente alterados foi a principal mudança dos hábitos alimentares.

O gosto, o olfato, os costumes devem ser reprimidos. São primitivos! A indústria alimentícia produziu uma narrativa pseudocientíficas sobre os alimentos, marketing agressivo e a adesão de profissionais especializados para estabelecer novos padrões alimentares.

Essa mudança do padrão alimentar foi lesiva para a Saúde Pública, com impacto epidemiológico negativo. Passamos comer o que era ofertado nas prateleiras dos supermercados.

A sede do lucro é criativa. A produção induz o consumo, cria as necessidades.

A indústria alimentícia percebeu a existência de um mercado mais lucrativo. Descobriram que os alimentos podem funcionar como remédios.

A ideologia da vida saudável através do consumo, produziu uma legião de consumidores de alimentos virtuosos, saudáveis, que reduzem o envelhecimento, elimina radicais, limpam o organismo e evitam celulites e estrias.

Em breve os alimentos vêm em pílulas, para facilitar a conservação e o consumo.

É a deturpação de um aforismo hipocrático: “Que seu remédio seja o seu alimento, e que seu alimento seja o seu remédio”.

A exigência única é que os alimentos sejam saudáveis. E quem determina essa virtude alimentar?

A descoberta do fogo e a invenção da agricultura produziram mudanças nos padrões alimentares, respeitando a cultura. Comer era um comportamento ritual, simbólico, que criou as comemorações.

A mudança atual do padrão alimentar, a passagem da produção artesanal da comida para a produção industrial foi lesiva para a saúde pública.

A produção industrial medicalizou os alimentos, criou um mercado de dependentes de produtos diet, light, sem glúten, sem lactose, sem gorduras saturadas, sem isso e com aquilo, um inferno tecnológico.

Comprei uma caixa de leite no supermercado, que de leite só possuía o nome e cor. Oitenta por cento dos componentes foram retirados para a produção de achocolatados e "Danones". Não tinha gosto de leite, na verdade, não era leite, mas o marketing da indústria me garantiu que era saudável.

Depois de percorrer dezenas de adoçantes, chegamos no açúcar de coco. Aguardamos a cocada de cana.

O trágico dessa empulhação alimentar é o convencimento ilustrado da classe média escolarizada. Se sabe detalhes de cada novidade alimentar (tudo pelo Google), discursam com ares científicos sobre cada mudança, cada “benefício”, e desprezam os ignorantes que continuam comendo a moda antiga.

Numa roda de pequenos burgueses fui dizer que não dispensava o meu cuscuz com ovos e manteiga do sertão. Foi uma risada geral. Tolinho, o milho do seu cuscuz era transgênico, desses produzidos no sertão sergipana, os ovos são de galinhas de granjas, encharcadas de antibiótico e a manteiga foi feita com leite de vacas criadas com capim contaminado com agrotóxico.

Eita Peste! E agora?

Antonio Samarone (médico sanitarista)

sábado, 9 de abril de 2022

GENTE SERGIPANA - SILVÉRIO MARTNS FONTES (PARTE DOIS)

Gente Sergipana – Dr. Silvério Martins Fontes (parte 2)
(Por Antonio Samarone)

O doutor Silvério é filho do Bacharel José Martins Fontes e Dona Francisca Xavier Gomes Fontes, nasceu à 1º de fevereiro de 1858, na cidade de São Cristóvão (SE).

José Martins Fontes, o pai de Silvério, foi Juiz Municipal, Procurador da Tesouraria Provincial e Deputado da Assembleia Legislativa de Sergipe por seis legislaturas consecutivas. Sua mãe, Francisca Xavier Gomes Fontes, teve nove filhos, sendo Silvério o mais idoso.

José Martins Fontes (o pai), era filho do capitão-mor Joaquim Martins Fontes e D. Anna Joaquina Portella, nasceu na então vila do Lagarto a 3 de julho de 1829 e faleceu na cidade do Aracaju, a 9 de janeiro de 1895.

José Martins Fontes (o pai), como 1º vice-presidente, nomeado por Dec. de 30 de novembro de 1876, administrou a província de Sergipe desde 10 de janeiro do ano seguinte a 15 de março de 1878, recomendando-se ainda uma vez a estima pública por seus atos de moderação e justiça.

Como se observa, Silvério Martins Fontes descende de um fidalgo sergipano.

Silvério Martins Fontes foi sócio fundador do “Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia”. Discutiu várias teses no Congresso Médico de 1888, no Rio de Janeiro. Foi sócio correspondente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo.

Silvério colaborou com todos os jornais socialistas do País, especialmente no “O Socialista”; na “Evolução”: periódico científico, literário e noticioso em Santos. Fundou em 1895 de parceria com o Sr. Carlos Escobar e Dr. Soter de Araújo, em Santos, o jornal de propaganda socialista, “A Questão Social”, do qual foi esclarecido redator.

Silvério Martins Fontes escreveu:

– Das septicemias cirúrgicas: dissertação. Proposições. Seção acessória. – Dos stychnaceos e seus produtos farmacêuticos. Seção Cirúrgica. Da Piogemia. Seção Médica. Quais as medidas que se devem observar para impedir o desenvolvimento crescente de sífilis no Rio de Janeiro.

Silvério Martins foi casado com Isabel Martins Fontes e tiveram um filho famoso, o médico e poeta, José Martins Fontes. Nasceu em 23 de junho de 1884, em Santos. Era conhecido pela alcunha de Dr. Pintassilgo. Silvério batizou o filho com o nome do pai, como era de costume.

José Martins Fontes (filho de Silvério) foi assistente de Oswaldo Cruz na campanha de saneamento do Rio de Janeiro. Depois, foi chefe da Assistência Escolar da Prefeitura. Trabalhou na Santa Casa de Misericórdia de Santos, onde se especializou em Pneumologia e Tisiologia.

Em 1914, José Martins Fontes (o filho) mudou-se para a França e, com Olavo Bilac, fundou uma agência para propaganda de produtos brasileiros na Europa. A partir de 1924, tornou-se correspondente da Academia de Ciências de Lisboa.

José Martins Fonte (o filho) é patrono da Academia Paulista de Letras e da Academia Paulista de Medicina. Faleceu em Santos, no dia 25 de junho de 1937.

José Martins é considerado o maior poeta santista (o dom poético foi herança sergipana). É autor da seguintes obras: Verão, Rosicler, Vulcão, Marabé, Escarlate, Prometeu, A Flauta Encantada, Servilha. Guanabara, Nos Roasais das Estrelas,Fantástica e Canções do Meu Vergel.

Conta a lenda que certa feita, José Martins Fontes estava no pátio da Santa Casa de Santos, cercado de mulheres magras e doentias, apertando no peito seus filhos maltrapilhos e famintos. Mulheres que iam buscar leite com a exibição da miséria em que viviam seus rebentos. O leite era pouco e não chegava para todos.

O Dr. José Martins Fontes nervoso, colérico, apoplético, de braços abertos para o céu, exclamava:

“Deus! Ó Deus! Se existis, porque ao me fazerdes médico e poeta, duas inutilidades absolutas, não me fizestes uma vaca holandesa e de úberes fartos?”

Esse era o grande poeta Martins Fontes, filho do ilustre sergipano.

Silvério Martins Fontes foi médico, abolicionista, republicano, socialista, humanitário, intelectual, jornalista organizador. Estes adjetivos serão poucos para descrever o sergipano Silvério Martins Fontes, pensador atuante de sua época, fazendo presentes e debatidas as pungentes questões sociais.

Faleceu em 27 de junho de 1928, em Santos (SP).

Já solicitei ao Prefeito Edvaldo Nogueira uma homenagem de Aracaju a esse grande e esquecido sergipano.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
A foto é de José Martins Fontes (filho de Silvério.
 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

GENTE SERGIPANA - WILLIAN SOARES


 

Gente Sergipana – William Soares.
(por Antonio Samarone)

O médico oncologista Willian Soares acaba de publicar um opúsculo sobre um intrigante capítulo da milenar história da medicina. O livro trata da vida de um médico húngaro, de nome impronunciável, Dr. Ignaz Philipp Semmelweis.

Os médicos gostam de contar a história da medicina como uma sucessão de grandes descobertas, realizadas por gênios e heróis da medicina. O Semmelweis, nessa abordagem, foi um herói.

Willian Soares foi a um Congresso em Viena, e nas horas vagas, ao invés de bater pernas pelo comércio, ele visitou o histórico Hospital Geral de Viena, onde está escrito no Portal de Entrada: “Para a Salvação e Conforto dos Enfermos”. Na visita, o Dr. Willian impressionou-se com a história de Semmelweis.

Chegando a Aracaju, em 17 de julho de 2019, o doutor Willian preparou uma conferência sobre Semmelweis e convidou os colegas. Eu tive a sorte de ser convidado e sair impressionado.

Ontem, recebi em mãos o livro de Willians sobre o tema. Mesmo com catarata (suponho) já devorei o mimo.
O livro de Willian é mais do que uma exaltação ao heroísmo médico.

O livro aborda um episódio da luta entre duas concepções sobre a causa das doenças no século XIX. A teoria dos miasmas versus a teoria do contágio. Não foi fácil convencer aos médicos que as doenças eram causadas por micróbios.

Os médicos acreditavam na teoria da geração espontânea, defendida por Aristóteles, de que os germes poderiam nascer da matéria orgânica em putrefação. Quando Leeuwenhock descobriu as bactérias, a geração espontânea foi fortalecida.

Quando Pasteur e Koch estabeleceram os postulados da microbiologia no final do século XIX, os médicos reagiram com descrença. Em 1865, o cirurgião escocês Joseph Lister, introduziu a assepsia nos atos cirúrgicos.

Nesse período a mortalidade materna era assustadora. As mulheres morriam da febre puerperal, a febre do parto, a praga dos médicos. As mulheres eram contaminadas pelas mãos dos médicos, que saíam das salas de necropsias diretamente para as salas de partos com as mãos sujas.

Semmelweis trabalhava na maternidade do famoso Hospital de Viena. Em 1561, ele publicou um livro de seiscentas páginas, “A etiologia, o conceito e a profilaxia da febre puerperal”. Onde ele afirma que a doença que matava as mulheres durante o parto era causada pelos médicos, e a prevenção era lavar as mãos com água e sabão antes de qualquer parto.

Lavar as mãos para prevenir as doenças, foi uma das maiores descobertas da medicina, que mais salvou vidas.

Semmelweis caiu em desgraça. Seu livro foi desprezado pelos médicos. Depois de muito desgastes, conflitos, tristeza e decepções, os seus colegas levaram Semmelweis à força para um hospício psiquiátrico, vindo ele a morrer aos 43 anos, de um fenômeno séptico no dedo.

A medicina foi ensinada ao deus grego Asclépio (Esculápio para os romanos) pelo centauro divino Quíron. Os discípulos de Quíron aprendiam além da medicina, a música, as artes da guerra e da caça e a ética.

A palavra Quíron vem do grego kheir (mão), Quíron é uma forma abreviada kheirurgos (cirurgião), aquele que trabalha com as mãos. Tudo bem, desde que as mãos estejam limpas. Estou falando da medicina artesanal, em vias de extinção.

Depois que Pilatos lavou as mãos, criou-se uma aversão a essa prática higiênica. Assistimos agora com a Pandemia como é arraigada essa resistência.

O doutos Willian Soares nos conta a desdita de Semmelwies com muita erudição e simplicidade. Willian compõe uma minoria entre os médicos, que une o saber científico da biomedicina com a sensibilidade e a arte da medicina das pessoas. Willian apreendeu a arte e a ciência de Quíron.

No final do livro, Willian transcreve um belo poema “Monologo das Mãos”, de Giussppe Ghiaroni: “As mãos dos amigos nos conduzem; e as mãos dos coveiros nos enterram”
.
Willian Soares tem uma trajetória vinculada a lutas ambientais. Ele passou boa parte da vida divulgando e distribuindo mudas de Pau Brasil em Sergipe. Uma missão que deu certo. O Pau Brasil está livre da extinção.

Recentemente Willian Soares foi eleito Presidente da Academia Sergipana de Medicina, com a missão de pôr fim a longa hibernação da confraria.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

domingo, 3 de abril de 2022

GENTE SERGIPANA - SILVÉRIO MARTINS fONTES


Gente Sergipana – Dr. Silvério Martins Fontes.
(por Antonio Samarone)

A história de Sergipe é recheada de cantos e loas aos sesmeiros, senhores de baraço e cutelo. A história do povo e de seus heróis é esquecida, não se conta.

Silvério Martins Fontes nasceu em 1º de fevereiro de 1858 na cidade de São Cristóvão, ex capital da então província de Sergipe.

Fez os estudos primários e parte dos secundários na terra natal, vindo completa-los no Rio de Janeiro, matriculando-se na Faculdade de Medicina da capital do Império. Estudante pobre, lecionava geometria e latim para poder manter-se e pagar o curso médico.
Silvério Martins Fontes faleceu em 27 de junho de 1928, em Santos, com a idade de 70 anos.

Quem foi Silvério Martins Fontes? Vejam esse documento:

Carta do historiador itabaianense Francisco Antônio de Carvalho Lima Junior (1896), ao ilustre médico sergipano Silvério Martins Fontes, autor do Manifesto Socialista ao Povo Brasileiro (1889); fundador do Centro Socialista de Santos (1895) e do jornal “A Questão Social (1895).

“Não podia aparecer em melhor oportunidade um jornal nas condições do – A Questão Social uma vez que não se proponha a transigir com os bandos de especuladores, que vive por toda a parte a pescar em águas turvas em épocas eleitorais. O nosso novo vale tão pouco como elemento propulsor dos mecanismos sociais. Tem se aviltado tanto, se tornado de tal modo ludibrio dos falsos profetas, vítima que beija os pés dos seus algozes, que faz desconfiar da sua constância na luta pelos interesses, e sobretudo na dedicação sincera aos melhores servidores. A meu ver, a importância que merece a propaganda em favor do proletariado em país como o nosso, não consiste tanto na aspiração europeia de uma reforma radical de uma instituição governamental, como na reforma dos costumes, o que só se pode alcançar por meio de profunda transformação moral. Sem isto, nada se conseguirá de positivo, senão estragar um belíssimo ideal. Para conseguir encarnar o ideal no verdadeiro, há mister de virtudes muito heroicas e mui lenta evolução. Por enquanto, a propaganda dirigida sob o ponto de vista científico, terá feito muito, operado prodígios, se conseguir anular as influencia maléficas, que, mentindo a democracia, se opõem a proclamação da República do Brasil... A missão da A Questão Social, como de todos os órgãos de propaganda das mesmas ideias, deve, por enquanto limitar-se a sanear, livrando-os desses miasmas, que os históricos, tem sido os primeiros a espalhar em nosso ambiente social. Falo, como disse, como histórico, que se envergonha dos companheiros na tribuna popular, no jornalismo, no parlamento, em toda a parte onde acham pessoas sem escrúpulos a quem mandar. Não será, pois, transigindo com o meio atual, que achará guarida o ideal socialista... “ (publicada na A Questão Social, nº 44, Santos, 01/04/1896, p.2)

Silvério Fontes formou-se em 1880, elaborando para o doutorado a tese A microbiologia baseada na obra de Pasteur, primeiro trabalho aparecido no Brasil sobre a matéria.
Silvério Fontes seguiu em 1881 para Santos, onde iniciou sua fecunda carreira de médico e de combatente das causas populares, e de onde não mais se retiraria.

Santos foi um polo de atração dos sergipanos desde o final do século XIX. Gente famosa, como Silvério Fontes e Quintino de Lacerda, como a massa de retirantes. Segundo Josué Modesto, no final do século XIX Santos precisava de mão de obra. Em 1892 veio a Sergipe um aliciador em busca de quatrocentos trabalhadores para tocarem a obra de de reforma e construção do Porto de Santos.

Depois de 1922, fundado o Partido Comunista, deu-lhe o Dr. Silvério Fontes a sua adesão. Reconhecia assim, no PCB, o legítimo herdeiro e continuador dos velhos combatentes que desde os primórdio da República haviam desfraldado em terras do Brasil a bandeira do Socialismo.

Talvez seja essa a razão do seu esquecimento em Sergipe: Silvério Fontes foi o primeiro sergipano a filiar-se ao PCB.

Astrojildo Pereira. Silvério Fontes, pioneiro do marxismo no Brasil. Estudos Sociais, vol. III/n° 12, Rio de Janeiro, abril de 1962.

Silvério Fontes é tido por Astrojildo Pereira, como o primeiro socialista brasileiro de tendência marxista.

Vocês ficaram curiosos se a “Editora Martins Fontes” tem ligação com a família do doutor Silvério Martins Fontes. Tratarei do assunto no próximo texto.

Antonio Samarone (médico sanitarista)