segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A GRIPE ESPANHOLA EM SERGIPE (1918)


Antonio Samarone de Santana.
Academia Sergipana de Medicina.

A gripe ou influenza é uma doença infecciosa, geralmente benigna, provocada por vírus e transmitida por contato direto. Algumas vezes, em decorrência de mutações genéticas do vírus, pode transformar-se em doença fatal. A causa da gripe foi inicialmente atribuída a um bacilo, isolado em 1891, pelo médico alemão Richard Pfeiffer. Somente em 1933 o vírus da doença é identificado por cientistas britânicos, abrindo a possibilidade de elaboração de vacinas contra a gripe.
Em 1918, uma epidemia de gripe originada na Espanha se generalizou pela Europa, então marcada pelos efeitos da I Guerra Mundial, e de lá se propagou para a Ásia e o continente americano, tornando-se uma pandemia. As estimativas apontaram cerca de vinte milhões de mortos entre os seiscentos milhões de infectados em todo o mundo.
A gripe espanhola chegou ao Brasil a bordo do navio S. S. Demerara, que em 21 de setembro aportou no Recife proveniente do porto de Dacar, na África, a epidemia se espalhou, em poucas semanas, pelas principais cidades do país.
Em Sergipe, a gripe espanhola chegou em 20 de outubro de 1918, quando seis pessoas contaminadas pelo referido mal desembarcam do “Vapor Itapacy”. Logo que a informação chegou ao conhecimento do Diretor de Higiene, essas pessoas foram removidas para o Lazareto Público, mas já era tarde. Em 04 de novembro, o mal já havia se espalhado pelo Estado, sendo a primeira vítima fatal Georgina de Jesus, negra de 25 anos e residente à Rua de Campos, em Aracaju[i].
O Governo tomou todas as providências que a sua estrutura permitia: criou um “Serviço de Combate à Gripe Espanhola” e entregou a coordenação ao Dr. Eronides de Carvalho. Convocou, para fazer parte do serviço, todo o pessoal médico ligado aos serviços públicos, ou seja, os Drs. Octaviano Melo, Diretor de Higiene; Pimentel Franco, Diretor da Assistência Pública; Carlos Menezes, Diretor do Gabinete de Identificação e Estatística e Médico legista da Policia; Álvaro Telles de Menezes, médico da Prefeitura e Alexandre Freire, Diretor do grupo Escolar “General Valladão”. Além do seu pessoal, comissionou os Drs. José Francisco da Silva Melo, médico, e Durval Madureira Freire, João Alfredo de Marsillac Motta, José Alves Tavares e Pedro Garcia Moreno, farmacêuticos, e Francisco Accioly Sobral, cirurgião-dentista[ii].
O Presidente recorreu à Assembléia Legislativa pedindo liberação de recursos para enfrentar o problema. Em 08 de novembro, a lei n.º 765 abriu créditos especiais de 10 contos de réis para o combate à epidemia e, poucos dias após, em 16 de novembro, a gravidade e velocidade de expansão da doença obrigou a aprovação de uma nova lei, a de n.º 766, abrindo créditos de cem contos de réis para o mesmo fim. A previsão orçamentária do Estado para o ano de 1918, destinava à rubrica Higiene e Saúde Pública pouco mais de 33 contos de réis[iii].
Diante das deficiências do Poder Público para enfrentar a epidemia, a sociedade reagiu de forma inusitada: pela primeira vez, em Sergipe, a população se mobilizou para enfrentar um problema de saúde pública. Entidades, empresas, clero, instituições beneficentes movimentaram recursos e pessoas para enfrentar a epidemia. A loja Maçônica “Cotinguiba” assumiu a responsabilidade pela assistência da área que ia da Rua Barão de Maruim até a localidade denominada “carro quebrado”. A Maçonaria entregou a coordenação dos trabalhos ao professor José de Alencar Cardoso, e contratou o Dr. Berílio Leite para realizar os trabalhos clínicos. 885 doentes foram atendidos pela loja maçônica, com 19 óbitos.
Importante também foi à participação da Associação Comercial, responsável pelas ruas Divina Pastora, Bonfim, Socorro, Vitória, Desaperta, Topo e Ignácio de Loyola. A entidade comercial contratou os serviços clínicos do Dr. Álvaro Teles de Menezes e atendeu a um total de 795 doentes. O Posto de Santo Antônio atendeu 1.200 doentes e ficou sob a responsabilidade do padre Abílio Mendes, de Garcia Rosa e Silvério Fontes e os serviços clínicos entregues à farmacêutica Cesartina Regis. Participaram também no combate à epidemia a Cruz Vermelha (320 doentes), Hospital Santa Isabel (50 doentes), quartel do 41.º Batalhão de Caçadores (352 doentes), fábrica Confiança (382 doentes), fábrica Sergipe Industrial (763 doentes), Escola de Aprendizes de Marinheiros (72 doentes), quartel de polícia (77 doentes), cadeia pública (83 doentes), Compagnie des Chemins de Fer (123 doentes) e Lazareto Público (32 doentes).
O atendimento consistia, basicamente, na distribuição de medicamentos entre a população indigente, distribuição de alimentos ou dinheiro, desinfecção das casas onde ocorriam óbitos e na remoção dos cadáveres. O tratamento usado para enfrentar a gripe era um purgativo, óleo de rícino ou água laxativa vienense, um antitérmico, cápsula de aspirina, pyramidon ou antipyrina, e um xarope de alcatrão. Para desinfetar as casas usava-se creolina, alcatrão e gás sulfuroso, como também se queimavam alcatrão nas ruas e praças.
“Em noite de 03 de dezembro de 1918, ordenei que se queimasse alcatrão nas praças Tobias Barreto e na do mercado, bem como nas ruas de Estância, Laranjeiras, São Cristóvão, Tôpo, São José, Estrada Nova, Alecrim, Geru, Divina Pastora, Bonfim, Victória e São João.”[iv]
Como demonstração da importância do atendimento prestado pela sociedade civil em Aracaju durante a epidemia, a Diretoria de Higiene, ou seja, o Poder Público, atendeu 2.790 doentes, enquanto as organizações não governamentais atenderam 4.488, ou seja, quase o dobro do Estado.
Durante os três meses que a pandemia assolou Sergipe. O número de casos registrados e o número de óbitos da epidemia de gripe espanhola, segundo o relatório de 1919, do Presidente Pereira Lobo, foram de 25.910 casos, com 997 óbitos em todo o Estado; sendo que somente em Aracaju aconteceram 7.974 casos, com 229 óbitos.
Esses dados foram contestados, inclusive pelo próprio chefe do combate, Dr. Eronides de Carvalho, que afirmava em seu relatório que o número de casos foi bem superior, devido a duas razões principais: os serviços de registros não eram merecedores de fé e só eram registrados os casos que se verificavam em indigentes que precisaram do socorro público.
O que ficou demonstrado é que Sergipe, pelo menos até o ano de 1919, ainda não tinha como enfrentar as epidemias. As ações eram improvisadas. Nesse caso da gripe espanhola toda rede escolar foi fechada, como várias outras instituições coletivas. O que ficava cada vez mais claro era a necessidade de uma ampla reforma dos serviços de higiene e saúde pública.



[i] Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, pelo Presidente do Estado, Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo.
[ii] Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, pelo Presidente do Estado, Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo.
[iii] Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1919, pelo Presidente do Estado, Coronel Dr. José Joaquim Pereira Lobo.
[iv] Relatório do Chefe do Combate à Espanhola em Sergipe, Dr. Eronides de Carvalho, publicado no jornal “O Estado de Sergipe”, edições a partir de 08 de fevereiro de 1918.