sábado, 12 de setembro de 2015

ACADEMIA BECO NOVENSE DE LETRAS



Academia Beco Novense de Letras.

Antonio Samarone de Santana.

Até os idos de 1960, a Rua do Beco Novo era o centro cultural de Itabaiana. Entre outras esquisitices, a rua tinha o seu ateu, José Nogueira da Silva, conhecido por Araponga. Menino de pouca conversa, obstinado, autodidata; deixou a escola ao concluir o primário, por não suportar as pancadas da professora Branquinha. A mestra usava e abusava da sabatina, errou qualquer besteira, à palmatória comia no centro. Sem contar os castigos cruéis e humilhantes. Muitos mijavam nas calças, com as suas ações disciplinadora. Araponga desistiu.
Aos 16 anos, Araponga já era um bom sapateiro, apreendeu o oficio com o Pai. Poderia ter parado por aí, casar, criar família, levar uma vida simples, como tantos. Mas ele queria voar, descobriu que igreja católica tinha uma biblioteca, e que emprestava livros de graça. Meteu as caras. Não desconfiava o que iria encontrar. Uma biblioteca católica em Itabaiana, antes do Concílio Vaticano II, certamente estaria repleta de uma literatura religiosa, a vida dos santos, a imitação de cristo, a bíblia, os evangelhos; mas, por tentação de Satanás, Araponga pegou o primeiro livro na estante errada, era um livro de Voltaire. E foi a sua perdição, encasquetou com a filosofia, e não parou mais.
Até hoje me pergunto, o que aquela literatura iluminista estava fazendo na biblioteca do padre? Suponho, hoje, que sendo o padre muito ocupado com a salvação do rebanho, nunca tivera tempo de examinar o acervo literário da sua Paróquia. O certo é que os livros do padre empurraram Araponga para o ateísmo. Araponga leu Rousseau, Descarte, Diderot, alguns discursos do incorruptível Maximilien François Marie Isidore de Robespierre, leu os miseráveis aos 17 anos; percorreu a filosofia alemã, foi aos russos, leu Tolstói e Dostoievsk; não esqueceu de Machado de Assis, e foi um apaixonado por Lima Barreto. E o que ficou disso tudo? Quase nada, tudo muito embaralhado. Araponga continua sapateiro, pobre, ateu, mas guardou um sonho: ser imortal numa Academia de Letras, à semelhança da Académie française, fundada por Richelieu em 1635.
Sempre foi um sonho improvável. Contudo, o mundo gira. Araponga ficou sabendo que estão criando academias de letras em todos os cantos e recantos desse velho Sergipe, soube também, que os critérios para se tornar um escritor, um poeta, pintor, escultor, foram relaxados. Ser artista agora ficou fácil. A arte e o talento nunca existiram. Ou dito de outra forma, todos somos talentosos, o que dar no mesmo. A alta cultura sempre foi uma tapeação das elites. Entre um clássico de Eça de Queiroz e um livro de causos mal escrito, publicado às pressas, a diferença passa a ser uma questão de gosto, tem quem goste de um e quem goste do outro. Tudo é relativo.
No início do ano, Araponga recebeu a visita de um amigo, imortal das novas academias, que conhecendo o seu sonho, não se acanhou em aconselha-lo: - companheiro, por que não publica aquele poema em homenagem a revolução de 31 de março, que você declamou alguns versos na escola de dona Branquinha? Araponga nem lembrava, mas retrucou: - quem sou eu, pobre sapateiro, onde vou encontrar recursos para pagar a edição de um livro? A não ser que eu poste em meu perfil no Facebook. Será se é válido para eu tentar uma vaga numa Academia? O amigo disse que não sabia, e a conversa foi encerrada.
Foram cutucar a onça, Araponga despertou. Agora quer porque quer ser imortal. Postou o poema no Facebook, com boa aceitação: 136 curtidas, 36 comentários (todos a favor) e 11 compartilhamentos. A poesia de Araponga ganhou o mundo. Já participou de um sarau em Aracaju, e recebeu a promessa de um político, que vai arrumar um patrocínio para que a poesia de Araponga vá ao papel. As coisas estão encaminhadas. Araponga está percorrendo escolas, asilos, reuniões de Rotary, quermesse de paróquias, e qualquer espaço onde ele possa declamar a sua arte. Contudo, ainda não alcançou o principal objetivo: ocupar uma cadeira numa academia de letras. E a missão está complicada. Já existem academias nos 75 municípios de Sergipe, academias em alguns povoados, e ele até agora não foi lembrado. Ficar esperando que um ou outro bata as botas, para ele disputar uma cadeira, não é um caminho fácil. A fila é grande, muitos fazendeiros, políticos, gente graúda, todos querendo. Ser imortal em Sergipe é uma glória muito desejada.
Foi diante da crise, da escassez de vagas para a imortalidade, que Araponga encontrou uma saída genial, resolveu criar uma Academia de Letras no Beco Novo, e por que não? Ele será de cara o fundador e presidente; arrumar membros e patronos, com os novos critérios também não será problemas. Não precisa de sede própria, vai se reunir na sede do Rotary, no próprio Beco Novo. Os bodegueiros da rua, ao tomarem conhecimento da iniciativa cultural, já fizeram uma vaquinha, e vão pagar as despesas com edital, livro de ata, registro em cartório, e outros entraves burocráticos. O sonho de Araponga vai se transformar em realidade.

Eu, mesmo já sendo imortal por duas vezes, como natural do Beco Novo, até por uma questão de patriotismo, já aceitei o convite. Betinho, Beijo, Bem-te-vi, Demir de Valdice, Rosa, Nego Véio, Val e Regis de Euclides Barraca, as filhas de Bonito, Salomão, Pindoba, Peba de Justino, Chumbrega, Cabo João Mole, Sampaio, Miguel Fagundes, Rosalvo do Cabo Quirino, gente do Beco Novo é o que não falta, para ter o direito a imortalidade. Araponga, ainda quer ser original, está propondo que a “Academia Beco Novense de Letras, vá além, não seja apenas de letras, e seja a primeira, uma “Academia Beco Novense de Letras, Números e Sinais de Pontuação. Vamos à luta.