quinta-feira, 31 de maio de 2018

SERGIPE, A ROMA DO CAPETA



Sergipe, a Roma do Capeta.

Você pode não acreditar, mas foi esse religioso da foto, José Juarez da Cunha, um caraibeiro franzino de Itabaiana, quem liderou o povo, na expulsão do Papa do diabo das terras sergipana. Um cruzado anônimo.

Relembrando: no final da década de 1970, apareceu em Sergipe o satanista Luiz Howartz. Alugou um escritório próximo a rodoviária velha, comprou um espaço na radio liberdade, e começou a difundir a filosofia luciferiana. Como o povo acredita em tudo, em pouco tempo a nova igreja estava lotada de fiéis.

Estimulado pelas adesões, Luiz Howartz decidiu construir uma catedral do diabo, no Parque dos Faróis, em Nossa Senhora do Socorro. Sergipe se tornaria a Roma do capeta. Sergipe foi notícia nacional.

Era uma ameaça real. O povo, liderado por seu Juarez da Água Branca (foto), inflado de superstição e de medo, saiu as ruas, com paus e pedras, para botar abaixo o templo do Capeta. O governador Augusto Franco sentindo a comoção popular, chamou o Papa em Palácio, perguntou quanto ele queria pela Catedral. Acertaram o preço, e o satanista foi indenizado. Com o rabo cheio de dinheiro, Luiz Howartz abandonou os fiéis e se mandou de Sergipe.

Quem pensa que o povo se livrou do capeta, tá enganado. Ele tá vivo e atuante, com outras roupagens. Novas catedrais serão construídas, com novos e velhos satanistas. Como diz um filosofo do pé da serra,  o paganismo venceu.

Antonio Samarone.

DOM LUCIANO CABRAL DUARTE


Fui ao sepultamento de Dom Luciano Duarte. O povo e as autoridades compareceram, não vi a classe média. 

Muita gente do interior, movida pelas lembranças dos sermões das missas da sete, aos domingos, transmitidas pela radio cultura.

Ouvi relatos comoventes, gente que lembrava dos temas, do tom de voz, do jeito de falar de Dom Luciano. 

Começava sempre com: naquele tempo... e Dom Luciano descrevia os relatos bíblicos em detalhes, explicava cada pormenor com erudição, e o povo entendia. 

Parecia que Dom Luciano tinha participado pessoalmente dos fatos, falava com intimidade, como se tivesse conhecido Herodes, Pilatos, Pedro, Paulo e quem sabe, até Jesus. 


E o povo não tinha a menor dúvida que ele conheceu jesus pessoalmente, encontro-o pelos caminhos da Palestina. Esse povo foi hoje despedir-se do seu Pastor. 


Quem nunca ouviu os sermões das missas da sete não foi, não tinha jovens...


Antonio Samarone.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

CENTENÁRIO DE JOÃO CARDOSO (1918 - 2018)

O Centenário de João Cardoso (1918 – 2018)

Numa manhã chuvosa, lá para os idos de 1981, recém-chegado da residência médica em Saúde Pública, (“sem parentes importantes e vindo do interior”), bati na porta do velho reitor João Cardoso. Fui recebido num pequeno apartamento, com fidalguia, generosidade e atenção, como se fosse um velho amigo. Tinha sido apenas seu aluno. Contei os meus sonhos e dificuldades, e ele me ouviu pacientemente. Em Aracaju há seis meses, morando de favor no Leite Neto, eu precisava trabalhar. Ali eu entendi o que me contavam sobre ele, um homem carinhoso com os angustiados.

Conheci o João Cardoso que na juventude tinha sido simpatizante do Partido Comunista. Torcedor do América, no Rio de janeiro. Um agnóstico convicto. Amigo íntimo dos arcebispos Dom José Vicente Távora e Dom Hélder Câmara. João Cardoso foi exemplo de equilíbrio e conciliação. Pediatra, especializado em puericultura, amigo irmão dos colegas José Machado de Souza e Sílvio Santana. João Cardoso era desprovido de ambições materiais.

Fui seu aluno de Saúde Pública, onde ouvi pela primeira vez um conceito abrangente de Saúde, e da sua relação com a economia. Ele pregava a racionalização da atenção à saúde pela via do planejamento. “A demanda é infinita e os recursos limitados. Administrar é definir prioridades”. Era essa a sua lição de João Cardoso. Um professor de cultura enciclopédica. Um erudito humilde. Em minha curiosidade juvenil, perguntei-lhe certa ocasião o que era homeopatia. Ouvi quase uma conferência com resposta. Reconheço a sua influência na escolha de minha especialização.

João Cardoso foi o primeiro reitor da UFS, entre 1968 e 1972. Logo após o AI -5 e o 477. Tempos sombrios. A pressão do comando militar do Leste foi intensa, para que ele expulsasse os estudantes considerados comunistas. E não eram poucos. Ele abriu a investigação e engavetou. Recebeu pressão para prejudicar alguns professores, entre eles Luiz Rabelo Leite, Gonçalo Rollemberg e Silvério Fontes, mas João Cardoso resistiu. Chegou a enfartar, por conta das pressões, mas não cedeu. Na prática, merecia o título de magnífico.

Entre os estudantes visados pelos militares citava-se João Augusto Gama da Silva, Wellington da Mota Paixão, Benedito de Figueiredo, Moacyr Soares da Mota, Abelardo Silva de Souza, Wellington Dantas Mangueira Marques, Jackson Barreto, Jonas da Silva Amaral, Antonio Jacintho Filho e Francisco Varela. Entre outros.

Nas comemorações de sete de setembro de 1970, no palanque do desfile militar em Aracaju, o General Abdon Sena, comandante da 6ª Região Militar, fez cobranças públicas ao reitor João Cardoso, chamando-o de ingênuo, e exigindo providências contra os subversivos, que segundo ele, infestava a universidade em Sergipe.

João Cardoso foi intimado a comparecer na Bahia, no prazo de quinze dias, levando a comprovação do cumprimento das exigências militares, para a expulsão dos subversivos. João decidiu que não se dobraria, marcou a audiência para dizer não, e deixou instruções com o advogado da UFS, Stefânio de Farias Alves: se até amanhã eu não entrar em contato, distribua uma nota com a imprensa dizendo que o reitor de Sergipe está preso.

No final da gestão como reitor, pela firmeza, habilidade e competência como exerceu a difícil missão, João Cardoso foi convidado pelo Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, para continuar no cargo, por mais um mandato. João Cardoso respondeu de pronto: - Ministro, não fica bem, nem para mim nem para o senhor. E agradeceu!

Entrei na UFS em 1974, não alcancei João Cardoso como reitor, mas recebi os cuidados de Antonia Edurvalina Nascimento. A assistente social dona Durvalina, que cuidava dos meninos pobres das repúblicas universitárias, nome pomposo para as casas que nos abrigava. Muitos conheceram João Cardoso através de Durvalina, sua auxiliar por muitos anos.

Muitos estudantes carentes se tornaram professores de biologia, física, química, matemática, por intermediação dela, no período que João Cardoso foi Secretário de Educação do Estado, no Governo de Paulo Barreto. Naquele tempo podia. Pela intervenção de Durvalina, eu me tornei professor do Arquidiocesano, o que viabilizou a minha permanência no curso de medicina.

João Cardoso do Nascimento Junior era um humanista por formação e caráter. Lembro-me que ele citava com frequência, em latim, uma frase famosa de Publius Terentius, insígnia do humanismo: “Homo sum: nihil humani a me alienum puto”. Por coincidência, frase também citada por Karl Marx e Machado de Assis. João Cardoso, envelheceu e morreu entre os livros.
Antonio Samarone.  

terça-feira, 22 de maio de 2018

COMO MORREM OS MÉDICOS



Como morrem os médicos?

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) publicou um estudo (2012) sobre a mortalidade dos médicos em São Paulo, entre 2.000 e 2.009. Entre os 2.927 óbitos no período, chama a atenção a distribuição por raças: 94,08% eram brancos, 3,49% amarelos, 1,66% pardos, 0,7% negros e 00,7% índios. A desigualdade racial é afrontosa.

Um dado assustador é o elevado índice de suicídio entre os médicos, dez vezes maior que no conjunto da população. Uma taxa de suicídio de 3,5 para cada 10 mil médicos; enquanto na população geral é de 3,8 para cada cem mil habitantes. A elevada taxa de suicídio é um dado mundial, na Inglaterra, as principais causas de morte entre os médicos são suicídios, cirrose hepática e acidentes. Em São Paulo, a mortalidade por cirrose é baixa entre os médicos. O trabalho estressante, depressão, uso de substâncias psicoativas e síndrome de Burnout são apontados pelo estudo como responsáveis pelos suicídios.

O estudo do CREMESP revela outro dado que merece discussão: as médicas morrem mais cedo que os médicos e tem como causa principal de óbitos as neoplasias. As médicas morreram em média com 59,2 anos; e os médicos com 69,1 anos, ou seja, contrariando os dados gerais no mundo, onde a vida média das mulheres é bem superior à dos homens. No estudo, 34,9% das médicas em São Paulo morreram de câncer, quase o dobro da mortalidade por câncer no Brasil. Esses dados necessitam de um aprofundamento estatístico, as amostras por sexo não são equivalentes no estudo, mesmo assim, o fato precisa ser colocado em pauta.

Por fim, o estudo demonstra que os médicos não vivenciam o modo de vida saudável que prescrevem para os seus pacientes. Casa de ferreiro, espeto de pau.
Antonio Samarone.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

DE VOLTA A ODISSEIA



De volta a Odisseia...

Nas brincadeiras dos meninos do Beco Novo, as partidas de futebol de rua, com bola de meia, eram disputadas como uma final de copa do mundo. Após cada vitória, o zagueiro Peba (Everaldo de Seu Justino), me saía com uma máxima:  - “mais uma vez a classe superou o ardor.”

Relendo a odisseia, constato que a única característica  que separava os deuses dos homens era a imortalidade. Eles viviam e sofriam das mesmas paixões. A diferença era que, aos mortais, só restava um forma de imortalidade: o heroísmo épico.

Os homens poderiam alcançar o heroísmo por duas formas: pela força bruta (como Aquiles e Héracles) ou pela astucia (como Odisseu); em outras palavras, ou pelo ardor ou pela classe, como enxergava o zagueiro Peba. Em minha Aldeia, pensávamos como Homero, sobre as possibilidades humanas.
Antonio Samarone.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

OS CAMINHOS DE SANTO ANTONIO FUJÃO



Os caminhos de Santo Antônio Fujão. Itabaiana retoma a sua história...

A Associação Sergipana de Peregrinos foi recebida pelo Arcebispo de Aracaju, Dom João José da Costa, visando a retomada dos caminhos de Santo Antonio Fujão, em Itabaiana. Registro a fineza, inteligência e cordialidade de Dom João, que além dos aspectos religiosos, ele foi muito sensível as questões culturais e históricas da empreitada.

Nesse primeiro ano, teremos a benção da imagem (obra de Zeus), pelo padre Marcos Rogério Vieira, no domingo, dia 10/06, as 10 horas da manhã, defronte a igreja matriz de Itabaiana. A imagem será colocada ao lado do pé de quixabeira. No dia 13/06, dia do padroeiro, as 6 horas da manhã, será rezada uma missa na igreja velha, Capela de Santo Antônio Fujão, pelo padre Edivaldo Santana, seguida de uma caminhada (procissão) até igreja matriz, e uma benção aos peregrinos, as 9 horas.

TODOS ESTÃO CONVIDADOS...

Antonio Samarone.  

sábado, 12 de maio de 2018

A ASSOMBROSA HISTÓRIA DA MEDICINA



A assombrosa história da medicina.

Na Era do Viagra, caiu no esquecimento as maluquices dos homens para fugir da impotência. Vapores de incensos, zimbro, linimento com almíscar e alambre, essências de terebintinas, tinturas de cantaridas e banhos aromáticos. A lista de afrodisíacos era interminável. Rezas e simpatias.  

Na década de 1920, ocorreu um milagre num hospital da cidade de Milford, no Kansas, EUA. O mundo deslumbrou-se com as descobertas do Dr. John Romulus Brinkley (foto), sobre a eficácia do estrato de testículo de bode para a cura da impotência. O Dr. Brinkley injetava o substrato do testículo do bode em testículos humanos, e os resultados eram divulgados como maravilhosos. O hospital possuía um laboratório para pesquisas científicas, publicava os resultados numa revista, e recolhia depoimentos de gente famosa, confirmando a cura.

O Dr. John R. Brinkley, se tornou o médico mais rico dos EUA. Cada cirurgia, que durava 15 minutos, custava 750 dólares. Finalmente, a terrível impotência tinha cura. A fama do Dr. Brinkley com a sua descoberta, traduzia-se no recebimento de três mil cartas por dia, em seu hospital.

Brinkley publicava artigos que pareciam científicos, divulgava índices elevados da eficácia (95%) de sua cirurgia, e difundia testemunhos dos pacientes satisfeitos. Uma perfeita ação de marketing. A cirurgia devolvia ao indivíduo o equilíbrio hormonal. Após décadas de êxitos fraudulentos, o Dr. Brinklay passou para a história da medicina, como um dos seus maiores charlatões.

Em Itabaiana, se dizia que Sabará de Mariquinha, tido e havido com garanhão, não deixava de cheirar o “pó de quiba de bode”, em forma de rapé. Se funcionava eu não sei, pelo menos a barbicha de pai de chiqueiro era imponente em sua queixada.
Antônio Samarone.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

O CAIXÃO DE COBRAS DE BATATINHA.



O caixão de cobras de Batatinha.

Um figura poderosa rondava os sertões de Sergipe: o curador de cobras. Eu conheci Batatinha, baixinho, gordo, com a cara de enrolado e misterioso. Se dizia irmão de Zé Bezerra do circo. Batatinha sempre aparecia com o seu caixão de cobras. Tinha a fama de ser um bom curador, tanto de pessoas, como de propriedades. Se batatinha fizesse o seu ritual em qualquer fazenda, as cobras fugiriam. Nunca soube para onde iam, mas eu acreditava. Os descrentes diziam que no caixão só tinha cobras sem venenos: caninana, sucuri, falsa coral e jiboia pequena.

Se alguém fosse mordido, por jararaca, cascavel, coral, ou outras víboras, Batatinha fazia pequenas escoriações, e sugava a peçonha. Depois prescrevia fortes evacuantes: o jaborandi como sudorífico e a ipeca como vomitivo. Se dizia, que se o caboclo não morresse em três dias, estava salvo. Na verdade, Batatinha vivia das tradições, a eficácia dos seus rituais era nula. Mas pajé já nasce pajé, e ele gozava de credibilidade.

Depois de crescido, fiquei sabendo que Vital Brazil (foto), já em 1894, tinha criado o soro antiofídico, contra os venenos das cobras brasileiras. O soro é único recurso eficaz contra as picadas dos bichos peçonhentos. Ele descobriu ainda que o soro deve ser específico para cada cobra. Em 1917, o mineiro Vital Brazil, doou a patente da sua descoberta ao governo brasileiro. Quando conheci Vital Brazil, troquei de herói.
Antonio Samarone.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

O FASTIO ACABOU?



O fastio acabou?

Um dos graves problemas da saúde nas crianças era o fastio (falta de apetite, anorexia). O menino ficava sem querer comer, fastioso, as mucosas embranquecidas, cuspindo muito, bucho crescendo, e de vez em quando comendo um torrãozinho de barro. O sinal de alerta estava ligado. As mães tomavam as providências médicas: um remédio de verme (uvilon), um purgativo (óleo de rícino) e um fortificante (emulsão de Scott). Em poucos dias o papudinho estava aos pulos.

Os meninos de hoje comem feito umas onças. Enchem a pança de refrigerantes, biscoito recheado, cheetos, alimentos industrializados, e a obesidade não tarda a aparecer. É tudo rosado (parecendo bebê Johnson), sem dente podre, nem perebas. As mães só pensam em dietas. Nunca mais encontrei um menino comendo barro. O fastio acabou?
Antonio Samarone.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

DOIS PROBLEMAS URGENTES



Dois problemas urgentes.

O luxuoso Hotel Palace, obra do governo Luiz Garcia, inaugurado em 24/06/1962, com grande festa. Era Aracaju se modernizando, preparando-se para receber os visitantes. A maravilha possuía 71 apartamentos, vista panorâmica e serviço internacional. Abandonado há décadas, está só esperando a tragédia.  

O Edifício Estado de Sergipe (Maria Feliciana), obra do governo Lourival Batista, inaugurado no inicio de 1970. À época, era o mais alto do Nordeste, com 28 andares, 200 salas e 96 metros de altura. Construído pela Norberto Odebrecht. Era Sergipe mostrando a sua “grandeza”. Claro, uma bobagem. Com a saída da Saúde para o Taj Mahal, o Maria Feliciana é atualmente uma agência do BANESE. Outro a espera de uma tragédia.

Sei que nenhuma providência será tomada no momento, o Estado está desgovernado. Mas teremos eleições, e espero que os candidatos prometam a implosão imediata dos dois monstrengos.
Antonio Samarone.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

MEU PEDIATRA.



Meu Pediatra...

Em Itabaiana, o boticário Flodualdo Costa Lima era uma equipe de Saúde. Era o médico, o enfermeiro, o psicólogo e o farmacêutico da comunidade do Beco Novo. Era um prático talentoso. Sou da metade do século passado, onde não se cogitava o acesso dos mais pobres a medicina. Pediatra, nunca ouvi falar. “Como Deus não desampara ninguém”, minha mãe se virava, para que a gente não morresse a míngua.

Qualquer mazela, bicho do pé, lombriga, fastio, perebas, dor de ouvido, queimadura, picada de marimbondo, erisipela, frieira, sarna, catarro, caganeira, impinge, piolho, amarelão, até prolapso da tripa gaiteira, mamãe não se acanhava, corria para Seu Flodualdo. Até braço quebrado ele encanava. Um homem fino, atencioso, e que sempre resolvia. Nunca fez cara feia, e nunca cobrou um centavo. Até porque se cobrasse a gente não tinha. De vez em quando, mamãe cevava uma franga, para dar de presente.

O boticário Flodualdo foi o meu pediatra. Ele atendia pelos fundos de sua casa, na rua Monsenhor Constantino, num quartinho que cheirava a remédios. Foi a minha Unidade Básica de Saúde (UBS). Mamãe ficava de tocaia, mandava a gente ficar na esquina esperando a chegada do nosso socorro. Chegou, mamãe corria com a filharada. Na verdade, ele atendia nas horas de folga do seu trabalho. Não tenho como agradecer o acolhimento do seu Flodualdo. Nunca dizia, hoje eu não posso.

Flodualdo Costa Lima (1913 – 1997), natural de Aracaju, filho de Aurelina da Silva Costa e Miguel Arcanjo de Lima, foi auxiliar do Dr. Carlos Firpo. Casado com a professora Hermelina, e pai de 13 filhos (que se sabe). Um benemérito da saúde pública, de quem guardo excelentes recordações.
Antonio Samarone.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

A MORTE DO FERREIRO (MEU BISAVÔ)



A morte do ferreiro (meu bisavô)...

Numa terça-feira nublada, 17 de agosto de 1926, o velho ferreiro Bernardino Francisco de Oliveira, viúvo de dois casamentos (Maria Rosa de Jesus e Maria Wenceslau do Sacramento), 68 anos, pai de imensa prole (Felismina, Antonio Francisco (Totonho), Francisco Antônio, Selvina, Ana, Neves, Josefa e Maria (Lília), Agnelo, Maria (Neném) e Firmina); largou-se da Sambaíba, em Itabaiana, para comprar ferro em Maruim, matéria prima da sua secular profissão.

Já chegando ao destino, por volta das 9:40 da manhã, no povoado Caititu, entre Riachuelo e Maruim, KM 337 da ferrovia, o burro em que Bernardinho ia montado, assustou-se com o trem de passageiros nº 72, da “Companhia Ferro-Viária Éste Brasileiro”, que vinha de Propriá com destino a Aracaju. O trem era conduzido por um maquinista experiente, Caetano Antônio de Jesus, que ao avistar a aflição, danou-se a apitar e puxar o freio de emergência.

A tragédia se anunciava, o velho Bernardino não conseguiu tirar a sua montaria da linha do trem, o animal agitado não obedecia às rédeas; o maquinista impotente, o local era uma curva em declive, próxima a um pontilhão. Tudo muito rápido. A verdade é que o velho ferreiro não saltou do burro, talvez o amor ao animal, um burro castanho de estimação, empurrou os dois para o mesmo destino.
Em frações de minutos o ferreiro e o animal estavam esmagados sob peso da locomotiva. 

A massa ensanguentada, irreconhecível, foi recolhida com a pá de carvão, e colocada num saco, depositada num salão de chão batido, do imóvel que servia de parada do trem em Caititu. Ao final da tarde, os corpos foram transportados para o Departamento de Assistência Pública, na rua de Boquim, em Aracaju, para serem periciados.

Os Drs. Carlos Moraes de Menezes e Mário de Macedo Costa, levaram mais tempo para separar as partes do ferreiro, que para a devida necropsia. O estado de mutilação do corpo de Bernardino chocou a província. A emissão do laudo pericial foi acompanhada pelo Senhor Doutor Chefe de Polícia do Estado, Álvaro Fontes da Silva (é como está no laudo cadavérico). Bernadino Francisco de Oliveira nasceu em 11 de maio de 1858, e faleceu em 17 de agosto de 1926. Está sepultado no cemitério Santa Izabel, em Aracaju.
Antonio Samarone.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

MORTALIDADE MATERNA EM SERGIPE.



Mortalidade materna.

A deficiência dos serviços médicos em Sergipe, no alvorecer do século XX, pode ser exemplificada com o episódio do falecimento em Palácio, em 13/12/1907, durante trabalho de parto, de dona Capitolina Alves de Melo, segunda esposa do Desembargador Guilherme de Souza Campos, então Governador do Estado (1905/08).

O parto foi acompanhado pelos experientes doutores Cândido da Costa Pinto e José Moreira de Magalhães, que chegaram à conclusão, de que somente um procedimento cirúrgico (Cesariana) salvaria a paciente. Mesmo tendo sido sobre “operação cesariana” a tese de doutoramento do doutor Costa Pinto, o mesmo nunca tinha tido a oportunidade de realizá-la. Costa Pinto, dois anos antes, tinha sido considerado por Oswaldo Cruz, em passagem por Sergipe, o melhor médico do estado.

Em Sergipe, no início do século XX, ainda não existiam condições para a realização de tal procedimento cirurgico. Nenhum médico estava preparado para realizar uma cesariana, e a esposa do Governador morreu de parto.
 
Antonio Samarone.

terça-feira, 1 de maio de 2018

MANOEL BOMFIM



MANOEL BOMFIM (Academia dos Esquecidos)

Intelectual e escritor sergipano, pouco lembrado em Sergipe. Um rebelde, que construiu um contra discurso aos conservadores. Combatido por Sílvio Romero e Oliveira Viana. O nacionalismo foi o traço marcante da obra de Manoel Bomfim. Combateu as teorias racistas de sua época, da supremacia de raças e a da eugenia. Insurgiu-se contra o bacharelismo rico de axioma e formulas mortas, o saber livresco, sobretudo das classes dirigentes da América Latina.  

Manoel Bonfim nasceu em 8 de agosto de 1868 em Aracaju/SE, filho de Paulino José do Bomfim e Maria Joaquina do Bomfim. Formou-se em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro em 1890, defendendo a tese “Das Nefrites”. Em 1891, foi nomeado médico da Secretaria de Polícia, tornando-se tenente-cirurgião da Brigada Policial do Distrito Federal. Considerado por Darcy Ribeiro, como o fundador a antropologia brasileira.

Em viagem a Paris (1902), desenvolveu seus estudos em Psicologia, tendo frequentado o Laboratório de Psicologia anexo à Clínica Jouffroy, em Saint'Anne. Neste período, Bomfim estudou com George Duma e Alfred Binet, com quem planejou a instalação do primeiro Laboratório de Psicologia Brasileiro, instalado em 1906 no Pedagogium, do qual foi diretor por quinze anos. De volta ao Brasil, foi nomeado diretor da Instrução Pública.

Autor de várias obras: América Latina: Males de Origem; O Brasil na América; O Brasil na História e O Brasil Nação: Realidade da Soberania Brasileira. Redator do República, Educação e Ensino, fundou a Universal. Colaborou na Notícia, Tribuna, Jornal do Commercio, Illustração Brasileira, O Paiz. Escreveu: Parecer sobre as águas do rio Poxim, Compendio de Zoologia, Alucinações auditivas dos perseguidos, Olavo Bilac, O ciúme, A obra do germanismo, Noções de Psychologia.

Segundo Thetis Nunes, Bomfim era um “Estudioso apaixonado dos problemas brasileiro, ao diagnosticar os seus males, ele foi além de Sílvio Romero. Imbuído da sociologia de Gabriel Tarde, de um biologismo, as vezes exagerado, também conheceu os teóricos marxista como se percebe através das citações de Engels, Marx, Lenine e Jaurès, entre outros.”

Bomfim defendia que os males do atraso brasileiro não era consequência de nossa composição étnica, climática ou de uma hipotética inferioridade de raça devido à mestiçagem. Em sua compreensão, para o Brasil se tornar um país democrático e progressista era necessário investir na educação.

Deputado federal por Sergipe (1907) e Secretário de Educação do Distrito Federal. Em 1918, foi condecorado pelo rei da Bélgica com a Ordem de Leopoldo. Existe uma excelente biografia do intelectual sergipano: O Rebelde Esquecido, Tempo Vida e Obra de Manoel Bomfim, de Ronaldo Conde Aguiar. Manoel Bomfim, faleceu em 21 de abril de 1932, no Rio de Janeiro/RJ, com 63 anos.

Antonio Samarone.