quinta-feira, 25 de abril de 2024

NISE DA SILVEIRA.

Nise da Silveira.
(por Antonio Samarone)

Quando a psiquiatria submetia o doente mental a violência do choque elétrico, dos choques de cardiozol, insulínico e a mutilação da lobotomia. Em 1946, Nise da Silveira, se refugiou no departamento de terapia ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro.

Nise tornou-se seguidora de Jung. Estudou em seu Instituto, em Zurique.

Nise da Silveira discordava da ciência psiquiátrica, que considerava o esquizofrênico destituído de afetividades. Nise foi presa em 1936, acusada de comunista. Solta em 1937, viveu clandestinamente no Nordeste, por sete anos.

Uma parte desse tempo, Nise viveu em Aracaju, quando o seu cunhado, Claudio Magalhães da Silveira (1938/40), foi o Diretor da Saúde Pública, no Governo do médico Eronildes Carvalho.

Como uma comunista veio se esconder em Sergipe, governado por um conservador? Eronides de Carvalho serviu ao exército no Rio Grande do Norte, onde conheceu Mário Magalhães da Silveira, irmão do Claudio, nomeado Diretor da Saúde Pública, em Sergipe.

Mario Magalhães da Silveira, o marido de Nise da Silveira, tornou-se um sanitarista famoso, criador do chamado “Sanitarismo Desenvolvimentista”. Mário foi o Secretário Geral da III Conferência Nacional de Saúde, em 1963. Os Magalhães da Silveira eram gente importante nas Alagoas.

São as contradições sergipanas. Eronides de Carvalho não só protegeu Lampião e o cangaço, escondeu também comunistas, durante o Estado Novo.

Nise conta uma história deliciosa: José Clemente Pereira, Ministro de Pedro II, presenteou o Hospício da Praia Vermelha, com 4 instrumentos musicais – uma rabeca, uma flauta, um clarinete e uma requinta – dizendo: “Para os doentes a fim de se distraírem ou talvez se curem.”

Quando presa na penitenciária da Frei Caneca, acusada de ter participado da Intentona de 1935, Nise conta outra história: Os comunistas ficavam misturados com os presos comuns. Nestor, preso por roubo, era quem servia cafezinho, numa bandeja. Quando abria o açucareiro, as formigas se espalhavam na bandeja. “Eu as afastei com as mãos e algumas morreram. Aí eu senti um olhar poderoso em cima de mim, era o olhar de Nestor. Ele me repreendeu: Elas são viventes como nós. Apreendi a lição: nunca mato bicho nenhum.”

Nise da Silveira foi uma benemérita da humanidade. Entrou na Faculdade de Medicina da Bahia, aos 15 anos, numa turma com 150 homens. Formou-se em 1926. Aconselho aos novos psiquiatras, da Era das drogas neurolépticas, a leitura do livro de Nise, “As Imagens do Inconsciente (1981).”

“A loucura é a pior forma de escravidão humana”. Nise ouviu de Spinoza, em sonho.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - WILSON ALMEIDA SANTANA


 Gente Sergipana – Wilson Almeida Santana.
(por Antonio Samarone)

A história dos caminhoneiros em Itabaiana teve um destaque: Wilson da Transportadora Sergipana. Foi quem chegou mais longe. A sua transportadora cobria o Brasil. Chegou a 18 filiais e mais de cem caminhões.

Wilson Almeida nasceu no Gandu, em 25 de junho de 1932, filho de Ulisses Vicente Santana e Ubalda Almeida Santana, camponeses empobrecidos. Parentes do famoso Clodoaldo, o da Copa de 1970.

No início da década de 1950, com apenas 18 anos, Wilson começou a levar farinha de mandioca para Salvador, fretando caminhões. Foi uma revolução na economia rural. Quem produzia farinha para o consumo local e abastecer Aracaju, passou a fornecer para Salvador. Mudou a escala.

Antes, a farinha era transportada em lombos de burros. O caminhão permitiu ampliar o mercado para a famosa farinha de Itabaiana. O dinheiro passou a circular na Zona Rural. A farinha pó do Rio das Pedras, fazia o papel da “maizena – amido de milho”. A qualidade de vida foi melhorando.

A iniciativa de Wilson o empurrou para o ramo de caminhões.

O caminhão chegou cedo a Itabaiana, em 1928, com Esperidião Noronha. O crescimento foi lento, em 1945, existiam 18 veículos. Em 1952, com a chegada da BR – 235, mudou a realidade. A frota cresceu. O caminhão se transformou em um polo de desenvolvimento.

O caminhão trouxe as concessionárias, as oficinas, as fábricas de carrocerias e emprego para muita gente. O espirito competitivo dos Itabaianenses, de entregar as cargas na data combinada, foi um diferencial. Muitos, pagaram com a vida.

Em 1970, Itabaiana já possuía 373 caminhões.

Wilson Almeida foi casado com Maria Renildes Pimentel, filha de Zeca Titia, comerciante estabelecido no ramo de sapatarias. Seu Zeca foi quem levou a sandália de borracha (japonesa) para Itabaiana. Antes, era tamanco ou pés descalços.

Wilson e Renildes (foto), tiveram três filhos: Wilsinho, Ulisses e Wilma (falecida em acidente, na estrade de Maceió).

Wilson, com a esposa, faleceram precocemente de acidente de trânsito, próximo a Teófilo Otoni, em 28 de julho de 1983, aos 51 anos. Está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas.

Wilson da Sergipana, foi um homem generoso. Ficou rico ajudando a muita gente.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

domingo, 21 de abril de 2024

FERNÃO CARRILHO


 

Fernão Carrilho.
(por Antonio Samarone)

O Dr. Thomas, oftalmologista da escola de Hilton Rocha, é um amigo que deixei em Belo Horizonte (1980/81). Colega da residência médica, na UFMG.

Mantemos contatos frequentes, pelas redes sociais.

Ontem, ele enviou-me um vídeo de “Punta del Este”, onde está hospedado. A surpresa: o vídeo é sobre um cidadão do Carrilho, vendendo castanha assada e fazendo a propaganda em versos, no Uruguai.

A castanha do Carrilho ganhou o mundo. Hoje são 4 povoados: Carrilho, Tabocas, Dendezeiro e Lagoa do Forno. Itabaiana não produz a castanha “in natura”, precisa buscá-las no Ceará e Piauí. O comerciante vai comprá-las onde se produz e repassa para os pequenos empreendedores.

No Carrilho, a castanha in “in natura” é vendida aos empreendedores locais, por de 5 reis, o quilo. Um saco de 50 kg de castanha, bem trabalhadas, resultam em 10 kg de castanhas assadas. A trabalhadora que assa e quebra, recebe cem reais por cada saco de castanha assada.

Uma curiosidade, para amenizar o calor, esse trabalho de assamento é feito geralmente pela madrugada.

Como, sem grandes plantações de cajueiros, Itabaiana se tornou o maior produtor de castanhas assadas do Brasil? Um esclarecimento: castanha assada! A castanha do Ceará é cozida em altos-fornos e autoclaves. É outro produto.

A castanha assada do Carrilho é uma herança do antigo quilombo. A castanha é colocada em bandejas perfuradas, sobre o fogo, diretamente. Em minha infância, colocávamos em bandas latas furadas.

O segredo é o ponto. O assamento deve ser suspenso no momento certo. A castanha nem pode queimar, nem ficar crua. Deve ficar em ponto de permitir quebrá-las inteiras. Depois se faz o pelamento. Tira-se a casquinha. Esse processo é todo manual, feita por peritas seculares.

O Carrilho leva o nome de uma Entradista português, Fernão Carrilho, encarregado de destruir os quilombos de Sergipe, no século XVII. Carrilho foi comandante em Palmares e Presidente da Província do Maranhão.

Mas o sucesso do negócio da castanha assada do Carrilho, além da experiência de se assar a castanha, é preciso que se encontre mercado para vendá-las. A produção se realiza no consumo.

A viabilidade da produção da castanha, deve-se aos vendedores. Gente que sai de Itabaiana em meados de novembro, com uma Van carregada de castanha assada, e só retorna depois do carnaval.

Periquito, o vendedor que o meu amigo conheceu em Punta del Este, e fez o vídeo, faz parte dessa longa cadeia produtiva da castanha assada do Carrilho.

Não existe desemprego no Carrilho. Nem pedintes.

O povoado possui água tratada, esgoto, luz elétrica, pavimentação asfáltica, casas de alvenaria bem cuidadas, praça urbanizada, com área de lazer para as crianças, escola e creche. Não se registra problemas de segurança pública, nem galinha se rouba.

Dorme-se de portas abertas!

Antonio Samarone. – médico sanitarista.

sábado, 20 de abril de 2024

ASSIM FALOU, SILVEIRINHA.


 Assim falou, Silveirinha.
(por Antonio Samarone)

O doutor Silveirinha, um miliciano de jaleco, vive com ares de vitória. Ele carrega a guerra na alma. Está preparando uma grande manifestação para a vinda de Bolsonaro a Sergipe. O Mito virá receber o segundo título de cidadania.

Silveirinha me esclareceu, não são os mesmos. Um título é de Cidadania Sergipana e o outro é de Cidadania de Sergipe.

O doutor Silveira, profetizou: “No Brasil, independente de quem esteja no Governo, os donos do Poder somos nós. Os do andar de cima. O terceiro governo Lula comprova essa tese.”

Fiquei pensando, nesse ponto, o doutor Silveirinha está certo.

O governo Lula não tem forças para enfrentar a extrema-direita. Faz concessões escandalosas ao mercado financeiro e ao neoliberalismo, para manter a governabilidade. Sem sucesso!

Por outro lado, sufoca a sua base de apoio. A classe C, que emergiu no segundo governo Lula, ainda não sentiu o aumento da sua capacidade de consumo. Os índices econômicos divulgados não se refletem em seu bolso.

A alma de Silveirinha já reencarnou fascista. Em outras gerações, ele foi um camisa negra de Mussolini. A novidade foi a adesão em massa da classe média, ressentida pela redução da renda, regalias e prestígios.

Retruquei a Silveirinha:

O PT não está enganando, o Partido nunca prometeu mudanças estruturais. A promessa foi café, almoço e janta. Só que a classe “C” quer mais, quer a picanha.

Vivemos uma escalada fascista no mundo. O neoliberalismo não tem mais o que oferecer a classe trabalhadora. A tecnologia é poupadora de mão-de-obra. Restam trabalhos precarizados. A democracia não é uma abstração. Sem alternativas, a burguesia adere ao fascismo: guerra, violência e exclusão.

O presidente da Argentina, com toda a extravagância, tem o apoio das classes dominantes portenhas. O Javier Milei está requerendo a entrada da Argentina na OTAN.

A polarização do mundo (EUA X China) marcha para a Guerra. O Brasil não manterá um pé em cada lado. O Império não vai abdicar do Brasil. A sucessão de Lula em 2026, com Trump no Governo dos EUA, será uma disputa internacionalizada. Esses ataques de Elon Musk são aperitivos.

Profetizou Silveirinha:

“Voltaremos ao poder, em 2026, pelo voto. Trump volta antes. Implantaremos a tolerância zero, aos modos da polícia de Tarcísio, em São Paulo. Os de baixo serão domados a ferro quente. Faremos julgamentos sumários nas periferias.”

Por outro lado, fazendo de conta que não enxerga a realidade, o PT tenta ser bonzinho, seduzir os que mandam, prometendo administrar o neoliberalismo, com uma face humana. As contradições são evidentes.

Eu desconheço alternativas viáveis pela esquerda. Está condenada a defender a ordem e tentar humanizar o capitalismo, como se fossem possíveis.

Os fatos apontam para a guerra, onde os dois lados possuem a bomba atômica. As pulsões destrutivas do ser humano, reveladas por Freud, estão a flor da pele.

"Os Impérios não caem por convencimento", ensina Silveirinha.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - FIO DE DEUS

Gente Sergipana – Fio de Deus.
(por Antonio Samarone).

Nunca soube o seu nome. Poucos sabem. Viveu assim em Itabaiana, prá lá e prá cá. Sempre sorridente e brincalhão. Hoje, com 76 anos, continua o mesmo.

Fio de Deus é a cara da felicidade. Nunca precisou cumprir o castigo divino, de ganhar o pão com o suor do rosto. Sobreviveu de biscates. Sempre contando vantagens. Com 1.30 de altura, se acha bonito, cheiroso, sabido e sortudo.

Nunca encontrei o Fio de Deus reclamando de nada. Se lamentando. A vida sempre foi um passeio celestial. Nunca invejou a vida dos outros.

Ninguém duvide da idade de Fio de Deus, a foto é uma prova. Ser torcedor do Vasco, comprova a sua velhice. O último menino a começar torcer pelo Vasco, fazem mais de 30 anos.

Ele é filho de Dona Gemelice, a maior doceira do Canto Escuro. Os seus manuês de puba e aipim, eram disputados. Ainda sinto o gosto de cada tirinha. Defino se um bolo presta, pela lembrança gustativa dos seus manuês!

Para os mais novos: os manuês são os pais dos bolos, bem mais saborosos. Possuem uma casca molinha, levemente tostadas, que não sei descrever o sabor. Sei que são deliciosas.

Conheço Fio de Deus desde menino. Nunca soube de nenhuma perversidade e nenhum desvio. Nunca mexeu no alheio, nem arrumou inimigos. Se a seleção para entrar no Céu for justa, ele entra.

Ontem o encontrei na Feira. Dei um abraço, perguntei por Terto, o irmão. Dona Gemelice já faleceu. Ele continua se achando uma lindeza.

Fio de Deus, ostenta uma felicidade deslumbrante.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

INCLUSÃO CULTURAL


 Inclusão Cultural.
(por Antonio Samarone)

“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.” – Titãs

A coordenação do programa “Cinema na Rua”, vai mudar o foco. Levará o Cinema para as pessoas acolhidas da Casa Santa Dulce, em Itabaiana.

São pessoas acolhidas pela caridade. Gente sofrida, desamparada, que ganharam um lar, assistência, carinho e proteção. Elas merecem a sétima arte, com direito a pipoca e refrigerante. O filme, eles estão escolhendo.

O “Cinema na Rua, dessa vez, será nessa Casa de misericórdias, na terça-feira, dia 23, as 14 horas. Estão convidados.

Sei que muitos não irão acreditar: Itabaiana não tem morador de rua. Um ou outro, recém-chegado, será acolhido. Essa é a nossa maior glória.

A Irmandade de Misericórdia, vinda de Portugal, ainda no século XVI, possuía sete compromissos: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os enfermos e encarcerados, abrigar os desamparados, resgatar os cativos e enterrar os mortos.

A Casa Santa Dulce, em Itabaiana, acresceu o acesso à cultura e a arte.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - BEROZO



 Gente Sergipana – Berozo.
(por Antonio Samarone)

Com a proximidade do centenário da chegada do caminhão em Itabaiana, resolvemos recuperar parte da memória dos caminhoneiros. Gente que empenhou a vida, na construção da cidade.

Josino Tavares dos Santos (Berozo), (91 anos), nasceu no Batula, em 23/09/1933, filho de José Álvaro dos Santos e Dona Josefa Tavares dos Santos.

Berozo começou tangendo carro de Boi. Ainda menor, foi motorista ajudante de Tonho de Chagas, e se meteu na Rio Bahia (1950). O caminhão ganhava força em Itabaiana. Timbeu, Toinho do Bar, Jason Correia, Osias Lima, Heleno Bacalhau, Irineu Gravata, entre outros.

Em pouco tempo, Berozo guiava um FNM, do cunhado, Wilson da Sergipana. Como o trabalho era informal, na saída, ele recebeu como indenização um F8, americano. Em sua casa, no povoado Pai André, ele mantém uma Scania 112, como objeto de estimação.

Segundo ele, aos 91 anos, continua na ativa no volante. Garantiu, que na próxima festa de Santo Antonio, estará na carreata da dos motoristas.

Beroso está com a memória e cognição perfeitas, fala sobre tudo, sobretudo política.

Berozo foi motorista do Coronel Euclides Paes Mendonça, com quem mantinha uma relação de muita proximidade.

O apelido Berozo, foi obra de Dedé Cachaça, delegado de quarteirão, um personagem folclórico em Itabaiana.

Berozo é casado com Dona Ubaldina Almeida Santos, e pai de sete filhos, dos quais, dois caminhoneiros. Berozo é tio do Jurista e Professor Dr. Alvino Filho.

Seu Josino Tavares, no anonimato, trabalhou dignamente, arduamente, singrando as rodovias desse país. Um brasileiro que transportou riquezas e pessoas, com uma dedicação sacerdotal.

Antonio Samarone – (médico sanitarista)