sábado, 31 de dezembro de 2016

COMO ACREDITAR QUE EM 2017 TEREMOS UM “FELIZ ANO NOVO”?


COMO ACREDITAR QUE EM 2017 TEREMOS UM “FELIZ ANO NOVO”?

Antonio Samarone.


Sou da geração que assistiu o fim da ditadura, foi às ruas pela anistia e pelas diretas; e sonhou com um Brasil livre. Em 1979, ano cheio de medos e incertezas, enchemos os olhos de lágrimas e cantamos com Elis Regina, o hino de João Bosco e Aldir Blanc. Caia a tarde feito um viaduto (o Paulo de Frontin), e as lembranças de Carlitos (Chaplin tinha morrido no natal de 1977), choravam Marias e Clarisses” (viúvas de Manuel Fiel Filho e Vladimir Herzog); e o bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil Prá noite do Brasil, (e que noite); contudo, sonhávamos com a volta do Betinho, Prestes e Brizola; que tinham partido num rabo de foguete; e pensávamos que aquela dor assim pungente não teria sido inutilmente. Vislumbrávamos a esperança, mesmo de sombrinha numa corda bamba. Era um choro alegre, uma aflição aliviada, pois o amanhã seria outro dia.
Hoje, estamos no limbo, não enxergamos a esperança. Dante Alighieri encontrou na porta do Inferno: "Lasciate ogni esperanza, ó voi que entrate" (Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança); exatamente, o inferno é o fim da esperança... Como desejar feliz 2017? Não acredito num acordo de leniência política e que o PT seja perdoado do envolvimento na ladroagem. Não vejo sinais de uma nova esquerda. A chamada direita não tem projeto para o Brasil onde o povo esteja incluído: nem com esse bando de malfeitores que usurpou o poder, testas de ferro do capital financeiro; nem com a social democracia brasileira de FHC, Serra, Alckmin e Aécio; muito menos com a turma do BBB (boi, bala e bíblia), liderados por Bolsonaro e Malafaia. A sociedade perdeu a confiança em saídas políticas...
Bertold Brecht cunhou uma sentença clássica: Infeliz a nação que precisa de heróis; em outras palavras, infeliz o povo que precisa de salvadores da pátria, de líderes, de libertadores; mas no Brasil estamos numa situação curiosa; e poderíamos completar a frase de Brecht: mais infeliz é a nação que precisa de heróis e eles não existem. Nem temos lideranças, nem instituições políticas com credibilidade. As vagas estão abertas para os tiranos... 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O MERCADO DA AUTOAJUDA



O MERCADO DA AUTOAJUDA

ANTONIO SAMARONE

A previsibilidade do futuro é um desejo atávico da alma humana. Em especial, antecipar-se sobre o futuro da nossa saúde, e as possibilidades em se evitar o sofrimento, as limitações e as enfermidades; o desejo universal em se adiar a velhice e morte. Antes recorria-se aos oráculos, adivinhos, bruxos e clarividentes, atualmente este sonho é confiado a ciência. Para ser mais preciso, confiado ao mercado da autoajuda (travestido de ciência). Infelizmente a vida humana continua imprevisível.
Conhecendo o desejo humano de conhecer o futuro, a medicina, valendo-se dos êxitos com algumas doenças transmissíveis, não perdeu tempo, criou a ilusão de que sabe como identificar e eliminar precocemente os riscos adoecer e morrer. Basta que cada um obedeça aos protocolos da medicalização, procure os médicos com frequência, faça os exames prescritos, tome os remédios necessários (para reduzir pressão, glicemia, colesterol, radicais livres), consuma os alimentos milagrosos (alguns previnem o câncer e retardam o envelhecimento), e frequentem as academias de culto ao corpo. Nota-se nesse campo o crescimento de uma indústria de autoajuda alimentar, liderado pelos nutricionistas.
Sei que você quer perguntar, e esse modo de vida não é saudável? Uma parte sim. Mas não significa que as doenças possam ser antecipadas e eliminadas previamente (salvo em casos específicos), na imensa maioria das situações não existe cientificamente essa comprovação. Trata-se de uma ideologia que atende a diversos interesses. Primeiro, amplia-se o mercado da medicina e do seu complexo industrial, que antes cuidava dos doentes e passa a cuidar dos vivos. Segundo, cria-se a ilusão que cada um pode definir a sua saúde, através do consumo de bens e serviços saudáveis, independente da qualidade da vida social. A doença, o sofrimento e a morte se transformam em punição para os que erram, aos que desobedecem e se rebelam contra as normas. O envelhecimento e a morte viram uma improbabilidade que pode acontecer com os outros. Nesse modelo a juventude é eterna, uma questão de cabeça. Foi essa concepção de saúde que se tornou um direito no pós segunda-guerra.

domingo, 20 de novembro de 2016

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte final)


Centenário de Euclides Paes Mendonça.

Antonio Samarone de Santana.

Na verdade, as profundas mudanças econômicas que estavam ocorrendo em Itabaiana, conforme apontamos nos dois artigos anteriores, permitiram o nascimento de uma nova liderança, Euclides Paes Mendonça, com um jeito diferente de fazer política, colocando o eleitor como uma mercadoria a ser disputada. Líder de ascensão rápida, quase apoteótica, favorecida pela chegada de Leandro Maciel ao poder Estadual.
A política se colocou como uma excelente aliada na guerra comercial emergente, na ocupação dos novos mercados, decorrentes da ligação rodoviária de Itabaiana com o resto do país. Euclides entrou na política para favorecer os seus negócios, melhorar a sua competitividade na guerra comercial, não é por acaso, que a frase principal de Euclides no discurso de posse na Prefeitura de Itabaiana, em sua primeira vitória eleitoral, foi: “agora quem passa contrabando sou eu”, refletindo suas principais motivações.
Em 1947, Euclides entrou na política e perdeu a eleição para Prefeito de Itabaiana para Jason Correia, apoiado por Manoel Teles; no pleito seguinte, em 1950, ele derrotou o próprio Manoel Teles, tornando-se Prefeito de Itabaiana. Nesse primeiro mandato ainda de baixo, pois o PSD governava o Estado. Em 1954 vem o apogeu, Euclides elegeu-se deputado estadual, o segundo mais votado do Estado, elegeu o Serapião Góis prefeito de Itabaiana, e a UDN chegou ao poder, através de Leandro Maciel. O crescimento do império político e econômico de Euclides disparou. Euclides estava de cima, como se dizia.
Em 1958, o já poderoso Euclides Mendonça voltou a prefeitura de Itabaiana, ganhando a eleição para um noviço na política, Dr. Pedro Garcia Moreno, o médico do povo. Aqui apareceu a primeira ameaça à hegemonia de Euclides na região do agreste central; seu irmão, Pedro Paes Mendonça que resolveu disputar o mandato de Deputado Estadual, e se elegeu pelo PSD; Euclides lançou José Sizino de Almeida para estadual e perdeu. Comentários que Sinhá, a esposa de Euclides, tenha votado no compadre e cunhado Pedro, circularam com ares de verdade.
A eleição de Pedro Paes Mendonça ascendeu uma discordância familiar, os dois eram empresários talentosos e ambicionavam expandir seus negócios. Pedro resolveu levantar a bandeira da autonomia da Moita Bonita, e ali estabelecer o seu Condado. A Moita era um pequeno arruado, bem menor que o Capunga, mas Pedro queria a Moita emancipada de Itabaiana. Como Deputado, começou a levantar essa bandeira. Euclides, Prefeito de Itabaiana, não gostava da proposta.
Em 1962, após 12 dominando a política de Itabaiana, 4 na oposição estadual e 8 com governos aliados da UDN (Leandro Maciel e Luiz Garcia), Euclides realizou o seu maior voo, elegeu-se Deputado Federal, elegeu o filho Deputado Estadual e José Sizino de Almeida Prefeito de Itabaiana, aparentemente, a trajetória estava apenas começando, já rico, poderoso, Deputado Federal; mas o destino pregou-lhe uma peça, a UDN perdeu o Governo do Estado, Seixas Dória é eleito pelo PSD.
Ao nível nacional o país vivia a ebulição das reformas de base, renuncia de Jânio, parlamentarismo, Jango, e desconheço qualquer posição de Euclides Paes Mendonça sobre qualquer coisa da grande política; em Sergipe, Seixas Dória prometia um governo de mudanças, também Euclides silenciava, suas preocupações centravam-se no domínio político de sua região e na expansão dos seus negócios. Minha tese, defendida ao longo deste ensaio, é que Euclides foi um grande empresário, e que usava a política apenas para fortalecer seus negócios. Na ocasião de sua morte, era o mais rico dos três irmãos famosos.
Como continuar sendo o Manda-Chuva do agreste se agora, com a eleição de um Governador do PSD, ele perdia o controle da polícia e do fisco? No quesito polícia, ele resolveu fortalecer a guarda municipal, e Itabaiana passou a ter duas policias uma da UDN e outra do PSD, isso não poderia dar certo, como não deu. Os adversários locais de Euclides começaram a criar asas. Manoel Teles voltou a ter os privilégios do fisco, Pedro, o irmão, se fortaleceu, viabilizando a emancipação da Moita Bonita, onde se tornou o seu primeiro prefeito. Tudo gerou muito atrito e muito foram os ódios acumulados.
É evidente, que o assassinato de um Coronel da Polícia, numa troca de tiros com a Guarda Municipal, foi um estopim para o que veria acontecer em seguida. Os principais inimigos políticos com relações envenenadas, inclusive o irmão, governo do Estado contra, policia militar ressentida com a morte de um Coronel, nessa conjuntura, os estudantes realizaram uma passeata reivindicando água, durante o evento, ocorrem desentendimentos entre Euclides e o filho, com os manifestantes, e os dois são assassinados, numa história contada e recontada por muitos.
Pouco depois do ocorrido, instalou-se uma ditadura no país, Seixas Dória foi cassado, Pedro Paes Mendonça aconselhado a ir embora, indo para Pernambuco, onde construiu a bem-sucedida rede de supermercado Bom Preço, Manoel Teles foi assassinado, como vingança pela morte de Euclides, os correligionários pessedistas envolvidos fugiram de Sergipe. Gentil Barbosa, sobrinho de Sinhá, comprou o armazém de Euclides em Itabaiana, e iniciou a construção da bem-sucedida rede G. Barbosa; e Mamede Paes Mendonça estabeleceu-se na Bahia, montando a famosa rede Paes Mendonça.
Acredito, que a história dos três irmãos famosos, os Paes Mendonça, Euclides (depois Gentil Barbosa), com a rede G. Barbosa; Pedro com a rede Bom Preço, em Pernambuco; Mamede, com a rede Paes Mendonça, na Bahia, constituíram-se num raro episódio da história econômica brasileira, de como três talentos empresariais saído de Serra do Machado, à época município de Itabaiana, (Ribeirópolis foi emancipado em 1936), nascidos uma sociedade agrícola tradicional, se constituem em três potências econômicas regionais; sendo que no caso de Euclides, teve uma correlação com a política pelo tempo de 13 anos.

Economicamente, Itabaiana consolidou-se como um grande polo de comercio em Sergipe, permanecendo forte em armazéns e supermercados, mesmo esses setores tendo passado por um processo de internacionalização, e pelo setor de transporte, tornando-se a capital dos caminhoneiros. A competência comercial da cidade e dos seus filhos é reconhecida. As coisas são mais baratas em Itabaiana do que nas fábricas, e tudo com nota fiscal.  Exportamos ouro e castanha para o Brasil, sem ter nem cajueiros nem mina de ouro. Uma coisa é certa, continuamos produzindo a melhor farinha de mandioca do Brasil. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

HISTÓRIA DA VARÍOLA (BEXIGA) NO BRASIL.


HISTÓRIA DA VARÍOLA NO BRASIL 

ANTONIO SAMARONE DE SANTANA

A primeira referência a uma epidemia de varíola (bexiga) no Brasil, encontra-se numa carta de José de Anchieta a Diogo Laínez, segundo superior geral da Companhia de Jesus. São Vicente, 08 de Janeiro de 1556. Observem os assombrosos tratamentos disponíveis no século XVI.
A principal destas doenças hão sido varíolas, as quais ainda brandas e com as costumadas que não têm perigo e facilmente saram; mas ha outras que é coisa terrível: cobre-se todo o corpo dos pés á cabeça de uma lepra mortal que parece couro de cação e ocupa logo a garganta por dentro e a língua de maneira que com muita dificuldade se pode confessar e em três, quatro dias morrem; outros que vivem, mas fendendo-se todos e quebrasse-lhes a carne pedaço a pedaço com tanta podridão de matéria, que sai deles um terrível fedor, de maneira que lhe acodem as moscas como á carne morta e apodrecida sobre eles e lhe põem gusanos (bicho de mosca) que se não lhes socorressem, vivos os comeriam.
José de Anchieta revela na carta: estive acudindo a todos, sangrando dez, doze cada dia, que esta é a melhor medicina que achamos para aquela enfermidade, e era necessário correr suas casas cada dia uma ou mais vezes, a buscar deles que, ainda que passeis por suas casas, se não a revolveis toda e perguntais por cada pessoa em particular, não vos hão de dizer que estão enfermos. E o melhor é que em pago destas boas obras, alguns deles, como são de baixo e rude entendimento, diziam que as sangrias os matavam, e escondiam-se de nós outros. Os índios desconfiavam que sangrar o bexiguento (doente com varíola), não era um bom socorro.
Contudo, os índios escolhiam outra forma agressiva de tratamento: mandavam fazer umas covas longas á maneira de sepulturas, e depois de bem quentes com muito fogo, deixando-as cheias de brasas e atravessando paus por cima e muitas ervas, se estendiam ali tão cobertos de ar e tão vestidos como eles andam, e se assavam, os quais comumente depois morriam, e suas carnes, assim com aquele fogo exterior como com o interior da febre, pareciam assadas. Três destes que achei revolvendo as casas, como sempre fazia, que se começava a assar, e levantando-os por força do fogo, os sangrei e sararam pela bondade de Deus.

José de Anchieta continua descrevendo as vantagens de sua medicina: a outros que daquele pestilencial mal estavam mui mal e esfolei parte das pernas e quase todos os pés, cotando-lhes a pele corrupta com uma tesoura, ficando em carne viva, coisa lastimosa de ver, e lavando aquela corrupção com água quente, com o que pela bondade do Senhor sararam; de um em especial se me recorda que com as grandes dores não fazia senão gritar, e gastando já todo o corpo estava em ponto de morte, sem saber seus pais que lhe fazer, senão chorar-lhe, o qual, como lhe cortámos com uma tesoura toda aquela corrupção dos pés, e os deixámos esfolados, logo começou a se dar bem e cobrou a saúde.

sábado, 22 de outubro de 2016

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (Parte dois).

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte dois)

Antonio Samarone de Santana

Foi na conjuntura (apontada na parte um do texto), na transição entre o predomínio da atividade agrícola para o crescimento do comércio e do transporte, favorecidos pela chegada da estrade de rodagem, a BR-235, que Itabaiana ganhou um grande impulso de desenvolvimento. Aqueles homens treinados nos pequenos negócios nas feiras do Estado, com o corpo no campo numa produção camponesa e espírito voando para o mercantilismo. Gente simples, sempre poupando, levando vida franciscana, de pequenos gastos, poucos luxos, muito trabalho e muita avareza. O dinheiro era tudo, ganhar, investir e ganhar, o esquema clássico do capitalismo.
Euclides Paes Mendonça chegou a Itabaiana disposto a ganhar dinheiro, descobriu rápido que com o fim do Estado Novo, a política ia abrir espaços pelo voto, para quem tivesse ambição. O eleitor passou a valer alguma coisa e precisava ser conquistado, com mimos e afagos, ou com ameaças e retaliações. O chefe político não era mais o coronel da República Velha, um latifundiário com os seus vassalos e capangas, o voto precisava ser conquistado. O eleitor precisava mais que o cabresto para ser domado, além da proteção, precisava de outras regalias. O cumprimento, o aperto de mão e até do abraço, em época de eleição.
Euclides percebeu os novos tempos, bom comerciante, impetuoso, tendo prosperado na padaria, resolveu ampliar os seus negócios. Em 1944, comprou uma casa velha no Largo da Feira e construiu um grande armazém de secos e molhados, o precursor dos atuais supermercados. O estabelecimento prosperou e logo-logo se tornou o maior da cidade, em competição direta com o Armazém de Manoel Teles, mais antigo, e situado no mesmo logradouro.
Euclides Paes Mendonça, diante da necessidade de expansão dos negócios e do enriquecimento constatou que sem o contrabando, a velocidade de crescimento não seria a mesma. Não era difícil identificar que possuir força, poder, capacidade de ameaçar e do exercer a violência, era de grande utilidade, nesta fase de acumulação primitiva de um mercantilismo nascente. Era preciso controlar a exatoria (o fisco) e a polícia, e se possível, a justiça e a igreja, mas isso se veria depois. Estava clara a necessidade de envolvimento com a política.
Dos irmãos Mendonça, apenas Mamede Paes Mendonça não se envolveu diretamente com a política; Pedro Paes Mendonça foi Deputado Estadual e Prefeito de Moita Bonita. Gentil Barbosa, sobrinho de Sinhá Barbosa (esposa de Euclides), assumiu os armazéns de Euclides após a sua morte precoce (1963) e fundou o G. Barbosa, a maior rede de supermercado de Sergipe; em sociedade com o seu irmão, Noel Barbosa. Com a morte trágica de Euclides e inicio da ditadura em 1964, os irmãos Barbosa não se envolveram diretamente com a política. Albino Silva da Fonseca e Oviedo Teixeira, outro empresários de Itabaiana esse período, saíram da cidade, cresceram em Aracaju, estavam envolvidos até os cabelos com a política, cada um ao seu modo.
Em Itabaiana, só ficou Euclides Paes Mendonça, dos empresários bem sucedidos. Euclides chamou a atenção pelo o seu caráter expansivo e provocador, ousado, temperamental, sangue quente, que falava mais do que fazia, sensível às fofocas e os fuxicos da política. Euclides entrou na política visitando os eleitores de casa em casa, oferecendo vantagens para quem aderisse ao seu comando, ameaçando os resistentes, fazendo festas (leilões, micaremes e bailes), comprando votos e apoios, bagunçando a forma antiga de se fazer política em Itabaiana. Foi um furacão.
Na política, depois da atritada era dos pebas e cabaús, o Coronel Sebrão versus Itajay, da República Velha, Itabaiana passou pela ditadura do Estado Novo, com um recrudescimento da politicagem local. Sílvio Teixeira governou a cidade de 1935 a 1941 e Manoel Teles, de 1941 a 1946. Após a redemocratização de 1945, constituíram-se dois grupos fortes na política, de um lado o PSD, ligado aos proprietários rurais, liderado por Manoel Teles, Jason Correia e Toinho do Bar; e do outro a UDN, mais vinculado aos comerciantes, tendo a frente Otoniel Dórea, Esperidião Noronha e Boanerges Pinheiro.
Euclides entrou no grupo da UDN, começou quando o velho mundo pebas/cabaús tinha desmoronado, após o longo período de ditadura do Estado Novo. Quando Walter do Prado Franco, usineiro da cotinguiba, começou a organizar a UDN na redemocratização de pós 1945, teve dificuldades de encontrar uma liderança forte em Itabaiana. Euclides ocupou esse espaço. Manoel Teles, o interventor, figura entranhada no poder durante todo período ditatorial, chegando depois a ligações familiares, ficou com o PSD de Leite Neto. Manoel Teles era um homem contido, de pouca conversa, ciosos da sua condição de rico e chefe político. Não fazia gracinha para eleitor.

Os: O texto continua em outro momento...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte um)


CENTENÁRIO DE EUCLIDES PAES MENDONÇA (parte um)

Antonio Samarone de Santana.

A luta política em Itabaiana entre 1945 e 1964, tinha como pano de fundo uma guerra comercial pelo domínio do mercado Regional. A cidade voltada para a agricultura de subsistência e o pequeno comércio, com a chegada da BR-235 (1953), teve um surto de crescimento. O abastecimento das feiras municipais, sobretudo Aracaju, dependia do transporte no lombo de burros e saveiros; com a BR chega, o caminhão elevou a escala da economia. Os tropeiros viram caminhoneiros; e o pequeno feirante se fortaleceu. A base econômica de Itabaiana, Comércio e transporte, têm a sua origem com a chegada da BR-235.
Antes, camponeses e tropeiros dominavam a vida econômica do agreste sergipano. Uma particularidade, parte desses camponeses exercia algum tipo de comércio, como complemento da renda familiar. Era comum se possuir um sítio em Itabaiana e uma grade no mercado de Aracaju ou uma banca em qualquer feira de Sergipe, para se comercializar farinha, grãos, galinhas e ovos, e todo o tipo criação. Ganhamos fama de cidade celeiro, abastecendo a população de Aracaju e alhures de farinha, feijão, hortaliças e frutas.
Os tropeiros transportavam em lombo de burros as mercadorias dos sítios de Itabaiana até Roque Mendes, pequeno porto do Rio Sergipe, em Riachuelo, e através dos veleiros, chegava-se ao mercado do Aracaju. Os mesmos burros abasteciam as demais feiras de Sergipe, no retorno, trazia sal, açúcar, óleos, produtos industrializados em geral, para os armazéns locais de secos e molhados e pequenas bodegas.
Com a mudança na base econômica, a disputa política passou a ser pelo comando do comércio, dos armazéns de secos e molhados (futuros supermercados), dos centros de distribuição de mercadorias, numa cidade tida como celeiro. O poder político era decisivo para o sucesso econômico. A meta era controlar a exatoria e a polícia. Quem estava autorizado a passar o contrabando? Quem mandava prender e soltar e podia acobertar os malfeitores? Essa era a essência do poder no interior de Sergipe. Em Itabaiana, o embate político entre Manoel Francisco Teles (PSD) e Euclides Paes Mendonça (UDN) foi violento e apaixonado. A população dividiu-se de forma irreconciliável.   
Manoel Francisco Teles, nasceu a 11/11/1899, filho de José Francisco Teles e Dona Maria da Graça Bomfim, oriundo de família de baixa renda, começando a trabalhar logo cedo. Em 1937, monta sua primeira Casa Comercial, depois expandindo filial em Carira. Torna-se um pecuarista de porte médio, e com a herança pela morte do sogro, torna-se um homem rico. Casou-se com Maria Mendonça Teles (Dona Pequena), filha única do Tenente Honório Francisco de Mendonça. O casal teve apenas um filho, o Dr. Airton Mendonça Teles, nascido em 07 de outubro de 1924, formado em medicina em Salvador, em 1947. Manoel Francisco Teles foi assassinado em 31 de agosto de 1967, na porta de sua residência.
Euclides Paes Mendonça nasceu a 16 de novembro de 1916, filho de Eliziário Paes e Maria da Conceição Mendonça, no povoado Serra do Machado, à época, território de Itabaiana. Chegou à cidade por volta de 1941, aos 25 anos, maduro e já casado com Dona Sinhá, uma matriarca da importante família Barbosa, das Candeias. Encontrou uma cidade pobre, acanhada, habitações precárias, sem água e sem luz elétrica. A população residente no núcleo urbano não passava de cinco mil almas. A população, em sua ampla maioria, era rural.
Euclides teve dois irmãos famosos, Mamede Paes Mendonça (1915 – 1995), que veio com ele para Itabaiana, e montaram como sócio uma padaria, no Beco Novo, esquina com a Rua da Pedreira; e Pedro Paes Mendonça (1900 – 1978), optou por estabelecer um comércio em Ribeirópolis. Mamede depois construiu a rede de Supermercado Paes Mendonça, o maior da Bahia; e Pedro construiu a rede de Supermercado Bom Preço, a maior de Pernambuco. Convenhamos não é pouco. Nesse período onde o comércio de Itabaiana explodiu, Itabaiana deu ao Brasil Oviedo Teixeira, Gentil Barbosa, Noel Barbosa e Albino Silva da Fonseca, empresários de grande sucesso em Sergipe, e na região Nordeste. Ganhamos a fama de grandes comerciantes...  

OS: O texto continua em outro momento...

sábado, 24 de setembro de 2016

A ODONTOLOGIA EM SERGIPE

   



No alvorecer do Século XX exerciam a profissão de dentista em Aracaju os Drs Nóbrega, Genésio, Jovino Pinto, Aristide Napoleão de Carvalho (1901), Magalhães Carneiro e João Rollemberg Junior (1902), Estevam Magalhães (1903), Archiminio de Souza, Francisco Travasso (1904), Job Lins de Carvalho (1911), Pedro Amado, Tomaz Bastos, Laura Amazonas (foto), José Ribeiro Cardoso, Nyceu Dantas e Júlio Sampaio. Ofereciam aos seus pacientes os seguintes serviços: obturações a granito, platina e a ouro solila. Colocavam pivot e coroas de ouro. Faziam extrações simples e c ompulverisador de ether e cloroetila. As duas últimas denominavam “extração sem dor” e cobravam dez mil reis. Não empregavam para a extração de dentes as injeções de cocaína e os seus sais. Usavam corretamente as serras de aço ou de ferro, para separar os dentes, e os tártaros eram exytaídos com ferrinhosque eles mandavam fabricar. Empregavam sempre após as extrações o percloreto de ferro, e davam ao cliente para a lavagem da boca: água, vinagre e sal, e recomendavam o uso dessa formúla, durante o dia da extração.

LIGA SERGIPANA CONTRA O ANALFABETISMO



Liga Sergipana contra o Analfabetismo (centenário honroso)

Antonio Samarone de Santana

Em 18 de outubro de 1916, na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, sob a coordenação do governador do estado, General Oliveira Valadão, foi instalada a Liga Sergipana contra o Analfabetismo. A iniciativa visava eliminar o analfabetismo em Sergipe, 80% da população, até 1920, data da comemoração da sua independência. Muita pretensão.  
Ficou acertado que se criaria a primeira escola noturna, sob o patrocínio do governo, que daria o mobiliário e o material escolar; e que fosse organizado os estatutos da Liga, visando o imediato reconhecimento como de utilidade pública. O entusiasmo do empreendimento cívico permitiu que a nova entidade tivesse a adesão inicial de 414 associados, que deveriam pagar um mensalidade de $500. Tudo no começo é festa.
A Liga Sergipana contra o Analfabetismo começou a todo vapor. No ano seguinte, em 1917, criou a sua primeira escola sob o patrocínio do Dr. Theodoro Sampaio e sob a direção da entusiasta jovem Ítala Silva de Oliveira (a primeira mulher sergipana formada em medicina). A Liga foi dirigida por muitos anos pelo abnegado Almirante Amynthas Jorge (foto). Passados cem anos, segundo o IBGE, Sergipe ainda possui 18% de analfabetos, mas tenham certeza, não foi por falta de empenho da Liga.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

DA CIRURGIA EM SERGIPE


Da Cirurgia em Sergipe...

Antonio Samarone de Santana

Início do Século XX, Augusto Leite iniciava a medicina científica em Sergipe. Neste relatório, o grande cirurgião expõe de forma objetiva o estágio da medicina praticada. A sua leitura revela parte da nossa história. Vamos ao documento:

Exmo Sr. Presidente da Associação Aracajuana de Beneficência.
Em obediência a praxe estabelecida venho dar-vos conta dos serviços clínicos a meu cargo. Os leitos das enfermarias São Roque e São Sebastião estiveram sempre ocupados, registrando-se, pois, movimento idêntico aos anos anteriores.
Serviços de medicina
Registraram-se casos de sífilis, impaludismo, ancilostomíase, leishmaniose, cirrose atrófica, cardiopatias, tuberculose pulmonar, etc.
Serviços de cirurgia
O serviço de cirurgia toma dia a dia maior desenvolvimento, tendo crescido o número de operações praticadas este ano, algumas das quais em pessoas de posições distintas em nosso meio.
Infelizmente o Hospital Santa Isabel ainda não está aparelhado nem possui arsenal cirúrgico que possa atender plenamente os reclames do serviço. As acomodações para pensionistas devem ser melhoradas e ampliadas.
Apresento-vos a relação das operações que pratiquei, nela não incluindo dilatação de abcessos, debridamentos de adenites supuradas, curetagem e cauterização de ulceras, extirpação de cistos sebáceos e pequenos lipomas, etc.
Talha hipogástrica (pedras), talha hipogástrica grampo de ferro coberto de concreções (um mês na bexiga), talha hipogástrica provisória, prostatectomia (carcinoma), cura radical de hidrocele (inv. de vaginal), castração, amputação de pênis, circuncisão (fimose), debridamentos e circuncisão (para-fimose - 5), uretrotomia interna, uretrotomia externa, meatotomia, curetagem uterina (6), colpo perineorrafia, operação em um caso de atresia de vagina e de colo uterino (hematometria e volumoso hemetoselpix unilateral atingindo a cicatriz umbilical), operações de botões hemorroidários.
E mais...
 Operação de estreitamento de reto com extirpação de fístula perianal, extirpação de fístula perianal, extirpação do seio, gânglios axilares e músculo grande peitoral; amputação de coxa, amputação de perna, amputação de antebraço, amputação de dedo, amigdalotomia, extirpação de pólipo de nariz, extração de projetil (chumbo e bucha de corda velha) da coxa, extração de projetil (chumbo e bucha de corda velha) do braço, extração de corpo estranho de ouvido, extração de corpo estranho de região glútea, extirpação de gânglios do pescoço, extirpação de fibroma da parede abdominal com reconstituição do canal inguinal, extirpação de um grande lipoma da parede abdominal.
Laparotomias – 15
Para histerectomia (fibromioma), para ablação de anexos (salpingo ovarite dupla), para histerectomia de um caso de ausência de vagina, útero sem colo, e ausência dos anexos do lado direito, para ablação de cisto de ovário esquerdo, cura de hérnia umbilical e ligomentopexia, para histerectomia, para eventração, laparotomia exploradora, hérnia inguinal e laparotomia em um caso de ferimento com arma de fogo.
Destas 15 laparotomias quero destacar a que pratiquei em um caso de ferimento por arma de fogo atingindo o lobo esquerdo do fígado e o estomago. Resumo da observação: F. baixou ao hospital após quatro grandes hematêmeses. Feita a laparotomia constatei ferida no lobo esquerdo do fígado que precisou ser regularizada e convenientemente suturada. O estomago estava profundamente comprometido: a face anterior apresentava larga e irregular perfuração circundada por outras pequenas e a face posterior também apresentava um grande orifício no qual a bucha ficara retida, como se fosse uma rolha.
Não me inspirando confiança a parte da face anterior compreendida pelas grande e pequenas perfurações – tal o seu comprometimento, ressequei-a, fazendo assim larga abertura por onde me foi fácil examinar toda a mucosa gástrica, pontilhada de ferimentos pequenininhos e superficiais.
Regularizado o orifício da face posterior pratiquei a sutura de Lembert, tipo de sutura também adotado para o fechamento da abertura da face anterior. Drenei. O paciente teve alta, sem acidente.
Sempre contei, nos trabalhos de maior importância, com os valiosíssimos auxílios dos Drs. Aristides Fontes, Josaphat Brandão e Sylvio Leite. O Dr. Sílvio praticou com êxito duas histerectomias.
Devo declara-vos que dos operados no presente ano faleceram dois, um do cancro na próstata e o do ferimento no braço por arma de fogo, aquele de choque e este de tétano.
Saudações
Dr. Augusto Leite.

Aracaju, 10 de julho de 1917.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A NÊMESIS DA MEDICINA


A Nêmesis da Medicina
Antonio Samarone de Santana. 

Os meus amigos estão doentes, nenhum sadio. Uns com pressão alta, outros baixa, o colesterol aumentado, a glicemia nem se fala, outros roncam dormindo, quando não estão com insônia, queda de cabelo, orelha de abano, calvície; os poucos que nada sentem, estão rodando de clínica em clínica fazendo rastreamentos, exames e mais exames, para antecipar as indesejadas doenças; outros ocupados nas academias, caminhadas, preocupados em seguir uma dieta saudável, que muda semanalmente, a critério das últimas pesquisas. Sem contar no consumo de especiarias exóticas, meditações, yoga, cada uma com o seu milagre. A medicina comercial tenta convencer pessoas sadias que estão provavelmente doentes, e a pessoas um pouco doentes que estão em estado grave. Um grande negócio.

Essa corrida à imortalidade, prerrogativa das divindades, se fortaleceu com a expansão da ideologia da vida saudável, juventude eterna e felicidade ilimitada. O sofrimento saiu da ordem do dia. O estilo vida saudável passou a ser obrigatório. Exercícios permanentes, trocar carne por peixe, exagerar nas folhagens, beber moderadamente (vinhos), sexo seguro, zero stress, exames periódicos, pílulas de alho, entre outros axiomas, se seguidos religiosamente, pode-se afastar o espectro das doenças, da morte e da invalidez. A medicina tem sido cúmplice no fortalecimento dessa ilusão.  Com todo esse sacrifício, a morte continua soberana, injusta e inevitável.

As pessoas não aceitam a fragilidade e a imprevisibilidade da natureza humana, que implica em dores, sofrimentos e, infelizmente, na morte; os médicos são treinados para fazer “tudo” o que for possível por cada paciente; com isso o mercado da saúde expande-se sem dificuldade. O médico acredita saber bem mais do que o que sabe, pois isso lhe dar prestígio e poder; e os pacientes acreditam que os médicos podem curá-los e salvá-los da morte em qualquer circunstancia, numa expectativa de saúde ilimitada. Um grande paradoxo.


A vida foi medicalizada em seus pormenores. A saúde deixou de ser apenas uma condição desejada para o bem viver, e tornou-se o principal objetivo da vida. Vive-se para ter saúde. Nesse modelo, a velhice precisa ser escamoteada e a morte escondida. Um agravante, saúde não significa qualidade de vida, mas apenas uma mercadoria a ser consumida. Essa é a nêmesis da medicina. Nêmesis, na Grécia antiga, era a vingança divina que atingia os mortais, quando eles usurpavam as prerrogativas que os deuses reservaram para si. A nêmesis é a resposta da natureza a hybris, a presunção do indivíduo que busca adquirir os atributos dos deuses. 

sábado, 13 de agosto de 2016

A SAÚDE NÃO TEM PREÇO



A SAÚDE NÃO TEM PREÇO.
Antonio Samarone de Santana
Academia Sergipana de Medicina

A medicalização da vida tornou-se absoluta. O corpo, reduzido a sua esfera biológica, foi estatizado. Sob o manto da “saúde como um direito”, a vida passou a ser normatizada pelo discurso da biomedicina. Com o amparo da ciência, a biomedicina estabeleceu o império do saudável. O discurso conservador da biomedicina se contrapôs ao culto da promiscuidade, das drogas e o do sexo, nos permissivos anos 1960. Vejam os exageros nas campanhas antitabaco. Ser saudável, jovem, feliz, passou a ser uma obrigatoriedade, tornou-se um modo de vida. A saúde perfeita tornou-se uma utopia apolítica de nossa sociedade. Com o esvaziamento dos espaços públicos e das questões e divergências políticas, ter “saúde” tornou-se a razão principal do viver.
O domínio de uma moralidade da saúde e do corpo perfeito assume o status do “politicamente correto”. Uma moral do bem-comer (só alimentos naturais e saudáveis), de práticas sexuais seguras, do beber com parcimônia, do controlar o peso, a pressão, o açúcar no sangue, o colesterol, de manter a forma física, dos “screening”, o tônus muscular, a capacidade aeróbica; e de manter a eterna juventude. Tornar-se um verdadeiro “healtism”, um sujeito que se autocontrola, se autovigia e se autogoverna tornou-se uma missão.
O discurso de “risco” é pilar estruturante desse novo modo de vida. Uma suposta ciência fornece informações abundantes e descontroladas do que cada comportamento ou consumo fora do higienicamente prescrito pode antecipar as doenças e a morte. O homem tem uma necessidade atávica de antecipar o futuro. Os profetas, adivinhos, oráculos, médiuns, quiromantes, videntes, cartomantes, entre outros, já viveram de predições; hoje essa função foi entregue as ciências.  Recentemente, a medicina anunciou que o colesterol, em certos casos, precisa se controlado a partir do segundo ano de vida. O mapa genético promete uma medicina personalizada, onde cada um saberá ao nascer o destino do seu corpo e de suas enfermidades e mazelas.
O corpo como objeto de dominação politica, a despolitização da vida, a verdade única, a uniformização dos indivíduos regulados pela biomedicina, mesmo em sociedades tidas como liberais, é parte do projeto totalitário do fascismo. É o fim da história. Esse homem, culturalmente desconstituído, tem na atividade econômica e no consumo a outra razão de vida (tempo é dinheiro). A dessacralização da vida, vista como a libertação do homem, como a consolidação do humanismo, nos conduziu a massificação de indivíduos atomizados.

O Estado atual tomou a saúde e o corpo como objeto de intervenção, e fez desse ato uma estratégia de dominação. A saúde tornou-se a mercadoria mais desejada, nesse universo do consumo. A história registrou a estatização da alma, no caso de Roma, ao assumir o cristianismo como religião. Salvar as almas tornou-se objetivo do Império. Um duro combate ao paganismo foi posto em prática. A estatização do corpo é historicamente uma novidade.

terça-feira, 7 de junho de 2016

RIO VAZA BARRIS


A toponímia sergipana (como surgiu o nome do Rio Vaza Barris?).

Antonio Samarone

Ao tomar conhecimento da descoberta de Cabral (1500), O Rei de Portugal D. Manuel, organizou uma expedição oficial com três caravelas, comandada por Afonso Gonçalves, para fazer o reconhecimento do “Mundus Novus”. A expedição zarpou do Tejo em maio de 1501, e trouxe a bordo o florentino Américo Vespúcio, como cronista da viagem. Através de suas cartas tomou-se conhecimento da viagem. Depois de percorrer outros trechos do litoral brasileiro, a expedição chegou a Sergipe no inicio de outubro.
A expedição manuelina avistou o Rio Parapitinga dos tupinambás em 04 de outubro de 1501, e usando do critério hagiológico, ele foi imediatamente rebatizado como Rio São Francisco. Em seguida, a expedição é arrastada pelas correntes marítimas para uma perigosa enseada. Relata Vespúcio: chegados à costa, enfrentam os navios uma inopinada corrente que arrasta as águas para a praia, pondo em risco as embarcações. Naqueles dias longínquos de 1501, as caravelas tiveram que lutar com as forças da água e certamente tonéis de bordo se entrechocaram afrouxando juntas e barris vazaram os líquidos que haviam... A costa turbulenta, cuja curvatura dava lugar a uma espécie de enseada, foi apelidada pelos marujos de armada de Vazabarris, passando assim a cartografia (vaz a barril).
A expedição de 1501 batizou incialmente o rio Irapiranga dos tupinambás como rio Canafístula (mapas portugueses) ou Cassía (mapas italianos), Vaza Barris era apenas a denominação da enseada. Por razões obvias o rio Canafístula por ser o mais volumoso da enseada passa a receber depois o nome de Vaza Barris. Um dos produtos levados pela expedição de volta está a canafístula (uma fava medicinal usada na Europa), reforçando-se a versão que eles ficaram ancorados na enseda do Vaza Barris por cinco dias. A outra evidência é o longo tempo de percurso da expedição (26 dias) entre o Rio São Francisco e a Baia de Todos Santos. A Baia só foi batizada em 01 de novembro de 1501.
Nas instruções náuticas de 1907 para a marinha francesa, sobre as costas do Brasil, existe um alerta: Ao sul do São Francisco a costa inflete-se e forma uma vasta baia de Vazabarris, onde desaguam os Rios Cotinguíba, Vazabarris, etc. Esta baia é, no inverno, bastante perigosa: o vento e a corrente levam a Noroeste para o fundo da baia, onde se encontra senão uma praia deserta, sem nenhum porto nem abrigo, os navios impelidos para a praia dificilmente podem se safar.
A denominação seguinte dada pela expedição de 1501 é ao Rio Perera (Rio do Pereira), nome do capitão da caravela que o viu e nele penetrou. É o nosso Rio Cirigi (dos tupinambás), que se junta ao Rio Cotindiba (Cotinguíba) em sua foz. O Rio Cirigi é que vem dar nome ao Estado de Sergipe.
A expedição também batizou uma serra, avistada a uma distância de 8 a 10 léguas, de Serra de Sta. Maria de Gracia (Serra de Santa Maria da Graça), que posteriormente foi denominada Serra de Itabaiana.
Por último a expedição batizou o Rio Real, com duas versões para o nome. Uma como homenagem a data de nascimento de D. Manuel (25 de outubro), e a outra pela impressão que a largura da foz deixava, levando-se a impressão de tratar-se de um rio volumoso e de longo curso.
A principal fonte dessas notas é o livro de Moacyr Soares Pereira, “A Navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio”, publicado no Rio de Janeiro em 1984.

PS: incomodado com uma bobagem postada num portal de turismo de Aracaju, sobre a denominação do Rio Vaza Barris, resolvi ir procurar o que a história tinha para nos contar.

sábado, 14 de maio de 2016

CLAUDIO MAGALHÃES DA SILVEIRA


O pesquisador Etevaldo Amorim, das Alagoas, me clareou que o sanitarista Claudio Magalhães da Silveira (formado em 1932), diretor da Saúde Pública em Sergipe durante o Governo de Eronides Carvalho; e Mario Magalhães da Silveira (formado em 1926), no mesmo ano de sua esposa, Nise da Silveira, são pessoas diferentes, primos, os dois médicos sanitarista alagoanos. Faço aqui uma retificação de um artigo publicado anteriormente por mim. Porém, Mario Magalhães da Silveira, o esposo de Nise da Silveira, também ocupou o cargo de Diretor da Saúde Pública em Sergipe, só que durante o segundo Governo do General Augusto Maynard, e que Nise e Mario viveram em Sergipe no período em que estavam na clandestinidade durante o Estado Novo.
Etevaldo Amorim esclareceu: “Mário e Claudio eram irmãos. Os Magalhães da Silveira formaram uma família de grande prestígio em Alagoas: Clemente Magalhães da Silveira foi Senador Estadual; Luiz Silveira foi jornalista, fundador do Jornal de Alagoas; Faustino, pai de Nise, professor; José Magalhães da Silveira (pai de Claudio) era comerciante. Mas o mais famoso deles foi Bonifácio Magalhães da Silveira, o famoso “Major Bonifácio”. Figura de grande influência nos meios culturais e artísticos da época. A música Carapeba, composta por Luiz Bandeira e Julinho e interpretada por Luiz Gonzaga, falava nele:”
“Bonifácio, Major do povo
Velhinho novo a comandar
Carapeba por onde passa
Faz som de graça prá se brincar”.

PRIMEIRO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DE SERGIPE




Colônia Eronides Carvalho - Primeiro Hospital psiquiátrico de Sergipe localizava-se nas imediações do povoado Sobrado, em Socorro. (foto rara, do arquivo do pesquisador alagoano Etevaldo Amorim).

A passagem do médico Eronides Ferreira de Carvalho pelo Governo de Sergipe (1935 – 1941), foi proveitosa para a Saúde Pública. Organizou o Departamento Estadual de Saúde Pública, incorporando o Instituto Parreiras Horta, o Instituto de Química e Bromotalogia, os serviços de pronto socorro e de assistência dentária e escolar. Nomeou como Diretor da Saúde Pública, um sanitarista de renome nacional, Claudio Magalhães da Silveira. Contratou uma enfermeira diplomada pela Escola Ana Nery, do Rio de Janeiro, e montou uma bem treinada equipe de 12 visitadoras sanitárias.

Transformou uma antiga cadeia pública no Palácio Serigy (inaugurado em 27 de novembro de 1938), sendo considerado o melhor centro de saúde do Nordeste; construiu o primeiro hospital psiquiátrico, Colônia Eronides Carvalho; o leprosário, Colônia Lourenço Magalhães, com 76 leitos, iniciou a construção do hospital Sanatório (tuberculose) e do hospital Infantil (anexo ao hospital de Cirurgia).

Somente em meados de fevereiro de 1941 cerca de 45 doentes mentais deixaram as dependências da Penitenciária Modelo, onde até então eram enclausurados em Sergipe, e são transferidos para o Hospital Colonia, recentemente inaugurado na fazenda Santa Rosa. Em outras palavras, somente a partir de 1941 é que os doentes mentais em Sergipe passam a receber assistência médica, pois até essa data eram trancafiados na penitenciária junto com os criminosos. O fato gerou um grande acontecimento em Aracaju, a população saiu às ruas para acompanhar extasiados a novidade. Os doidos foram fotografados, para assinalar esse fato histórico.
 
Esse hospital colonia destinado ao atendimento dos alienados mentais estava localizado a cerca de 10 Km de Aracaju, na fazenda Santa Rosa, nas proximidades do atual povoado Sobrado, município de Socorro, estava estruturado para acomodar até 102 pacientes. Sua estrutura era formada por oito pavilhões, assim distribuídos: um pavilhão administrativo, onde funcionavam a diretoria, a secretaria, apartamento para o médico interno, laboratório, farmácia, biblioteca, gabinete dentário, de otorrinolaringologia, almoxarifado e sala para pequenas cirurgia; dois pavilhões para os calmos (masculino e feminino); dois pavilhões para os agitados; um pavilhão de refeitório; um pavilhão de rouparia e um outro para a capela e o necrotério.

Era considerada como uma cidade de portas abertas, uma psicolândia, onde estavam também previstas atividades esportivas e de lazer, introduzindo a proposta de ludoterapia. Para quem acabava de sair da cadeia pública tudo isso não deixava de ser uma grande novidade. Completando as ações hospitalares, também funcionava no Serigy um moderno ambulatório para o tratamento de doenças nervosas e mentais, e um escritório de higiene e profilaxia mental. Para a manutenção dessa estrutura foi criado um novo tributo: a taxa de assistência aos psicopatas.


Uma pena que a saúde pública em Sergipe dificilmente transformas as boas intenções em realidade. Com pouco tempo de funcionamento, a Colonia Eronides Carvalho estava com as paredes rachadas, pouco zelo na construção, e os doentes aguardando um local para a sua transferência. 

ANTONIO MILITÃO DE BRAGANÇA.




(OBSERVAÇÃO DE DOIS CASOS DE AMIGDALOTOMIA COM APLICAÇÃO DE COCAÍNA, pelo Dr. Antônio Militão de Bragança).

 Lendo em um dos números da Revista de Medicina, de Paris, a descrição de um caso de amigdalotomia praticada pelo Dr. Millard, no hospital de Beaujon, na qual empregou o ilustre médico a cocaína como anestésico, por minha vez lembrei-me de, oportunamente, estudar e apreciar os efeitos surpreendentes de tão precioso agente terapêutico. De posse desse alcalóide, proporcionando-me ultimamente a clínica dois doentes afetados de amigdalite crônica, operei a ambos e tive então ocasião de observar os resultados da anestesia cocaínica. O primeiro operado foi um menino de sete anos de idade, filho do do Sr. Capitão Antônio Luiz da Silva Tavares. A tonsila direita apresentava um volume extraordinário, ocupando quase todo o istmo da garganta. A esquerda estava ligeiramente hipertrofiada. Fiz, com intervalos de cinco minutos, quatro aplicações com um pincel embebido em uma solução de Cloridrato de Cocaína a 20% em toda a superfície de ambas as amígdalas e, seis minutos depois da última aplicação, a anestesia era completa. Imediatamente pratiquei a secção da tonsila direita, sendo a dor acusada pelo pequeno doente quase nula. O segundo operado foi um rapaz de quinze anos de idade, filho do Sr. Manoel José d’ Oliveira. Ambas as amígdalas estavam enormemente hipertrofiadas. Como no caso precedente, fiz as aplicações da mesma solução de Cloridrato de Cocaína. Anestesiadas as hipertrofiadas tonsilas, pratiquei sucessivamente a sua extirpação, não acusando o paciente a menor dor. Em ambos os casos servi-me do amigdalótomo de Loryenne. A observação do Dr Millard refere-se a uma rapariga de quinze anos de idade, cujas amígdalas estavam hipertrofiadas a tal ponto que se tocavam de cima a baixo, obstruindo completamente o istmo da garganta. Feitas as aplicações da solução anestésica, procedeu o ilustre médico do hospital de Beaujom a amigdalotomia, não demonstrando a doente o menor indício de sofrimento. Estas observações, feitas em pessoas de sexo e idade diferentes, provam exuberantemente as propriedades analgésicas da cocaína, deixando prever os resultados brilhantes que pode colher a cirurgia com o emprego desse alcalóide em muitas outras operações de garganta. Brevemente apreciarei a influência anestesiante da cocaína em algumas operações de olhos que tenho de praticar.

 _Pão de Açúcar(AL), 28 de setembro de 1885. (Publicado no jornal O TRABALHO, edição de 3 de outubro de 1885).  

_ (Republicado no Blog do pesquisador Etevaldo Amorim, em 27/11/2009).

ANTÔNIO MILITÃO DE BRAGANÇA Nasceu em 31 de julho de 1860 em Laranjeiras/SE, filho de Dr. Francisco Alberto de Bragança e Possidônia Maria de Santa Cruz Bragança. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 15 de dezembro de 1883, defendendo a tese “Paralisias Consecutivas às Moléstias Agudas”. Recém-formado, transferiu-se para o Rio de Janeiro por breve espaço de tempo e voltou para Laranjeiras onde montou consultório na Rua Direita. Informado da inexistência de médico em Pão de Açúcar/AL, transferiu-se para esta cidade ribeirinha, onde permaneceu por sete anos. Em 1892 regressou a Laranjeiras. É patrono da cadeira dois da Academia Sergipana de Medicina. Faleceu em 27 de março de 1949, em Aracaju/SE, com 89 anos. 

Foto: Hospital São João de Deus, em Laranjeiras.

domingo, 17 de abril de 2016

SÓ A ANTROPOFAGIA NOS UNE.





Antonio Samarone.

Hoje é o dia de uma batalha sem ganhadores. A sociedade brasileira dividida, eivada de ódios, aprofundará as divergências de raiz, das origens da nossa formação nacional. Nunca tivemos uma guerra de secessão. Contudo, colonizadores e nativos, nobres e plebeus, senhores e escravos, ricos e pobres, elite e povo, nunca resolveram as suas desavenças e contradições. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Relembrando o velho manifesto de Oswald de Andrade.
Faz 460 anos que a nau Nossa Senhora da Ajuda encalhou na foz do Vaza Barris, Praias de Sergipe d’el Rey, onde os tupinambás devoraram, no maior ritual antropofágico da nossa história, o Bispo Dom Pero Fernandes Sardinha, um letrado formado em Sorbone, que não reconhecia os índios como filhos de Deus; o Provedor-Mor Antônio Cardoso de Barros, e toda a tripulação, formada por 90 colonizadores brancos, entre os quais, nobres e fidalgos portugueses. A padroeira de Itaporanga é uma homenagem à nau naufragada. As escolas ensinam erradamente que o naufrágio ocorreu na Foz do Rio Coruripe, e os índios foram os caetés. Por via das dúvidas, as duas nações, caetés e tupinambás foram exterminadas.   
Em 1557, a regente de Portugal, Catarina de Áustria, numa cruel sentença, declarou guerra justa e perpétua aos índios caetés e tupinambás e aos seus descendentes, independente de sexo e idade, por considerá-los culpado pelo sacrifício do Bispo. Se alguns escapassem deveriam ser escravizados. Essa sentença foi uma marca da nossa história e é cumprida até hoje. Nas revoltas populares derrotadas, nunca se perdoou os revoltosos após a rendição, geralmente são dizimados e as suas cabeças cortadas e expostas em vias públicas. Foi assim em Palmares, Canudos e tantas outras.
Os dois embates fundadores da relação povo/elite no Brasil, o nós/eles, ocorreram na bacia do Vaza Barris. O ritual de antropofagia na foz do Vaza, onde o Bispo Sardinha e comitiva foram degustados pelos tupinambás; e a guerra de Canudos, em Belo Monte, comunidade erguida nas baixadas férteis do Vaza Barris, em suas nascentes, lá para as bandas do Uauá. Relembrando Euclides da Cunha: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.” Como se não bastasse, desenterraram o cadáver de Conselheiro, para que a cabeça fosse cortada e levada como um troféu de guerra.
Essa relação pouco mudou. A sentença da Rainha Catarina continua vigorando, basta observarmos o que ainda ocorre com pobres e pretos quando tidos como suspeitos por supostos crimes ou mal feitos. Essa inclusão social ainda não ocorreu. Uma parte da sociedade, (os “caboclos que querem ser ingleses”), acredita que os males do Brasil decorrem da matéria prima que formatou o povo, da mestiçagem atávica; acredita que nunca seremos uma Nação desenvolvida, que passaremos da “barbárie a decadência, sem passarmos pela civilização”, como disse Lévi-Strauss. O desejo desta turma é sair do Brasil.
A outra parte da sociedade, não conseguiu até o momento encontrar um caminho para integração. Devorar o seu inimigo, significa a incorporação das suas virtudes e bravuras, num secular ritual antropofágico. Que cesse a convivência autoritária e violenta, onde o homicídio é um crime banalizado, e grupos em confrontos visam à eliminação mútua, pelo menos simbolicamente.

Essa separação povo/elite é profunda no Brasil, atávica, explorada irresponsavelmente pelo marqueteiro do PT nas últimas eleições, e que se mostrou mentirosa na hora de governar. Nem existem saídas com a exclusão social, nem com o poder público corroído pela corrupção e pelo parasitismo. Seja qual for o resultado da votação do impeachment, nada mudará por esses caminhos. Os grupos políticos em disputa não representam as ruas, são faces da mesma moeda, desde o Império. Não estão preocupadas com o Brasil. Acho que o alerta recente de uma canção popular que circula nas redes sociais, vale para todos. “O morro mandou dizer, que se a senzala descer, ninguém vai segurar”. 

quarta-feira, 30 de março de 2016

NASCE UMA ESPERANÇA NO SUS EM SERGIPE.



Antonio Samarone de Santana.
Academia Sergipana de Medicina.


A interiorização das ações de saúde e saneamento (PIASS), na gestão de José Machado de Souza, final da década de 1970, foi à última experiência consistente de saúde pública, no âmbito da Secretária Estadual de Saúde.
A saúde em Sergipe, nos últimos 30 anos, teve a infelicidade de ser conduzida sob a égide dos interesses partidários e eleitoreiros, em três longas e penosas experiências. Ao final de cada gestão, não se avançava na qualidade dos serviços prestados a população, contudo, o gestor elegia-se o deputado federal mais votado e tornava-se uma liderança política.
Na última dessas aventuras, curiosamente durante o “governo das mudanças”, o modo petista de governar desmontou a rede básica; aparelhou o controle social, desmobilizou os servidores, com o uso do critério de adesão política para a escolha das chefias e gerências; levou a relação com os servidores para estado de beligerância permanente; e operou os recursos financeiros de forma perdulária. O próprio governador Marcelo Déda, num momento de desespero, foi levado a assumir pessoalmente as responsabilidades com a Saúde.
Com a posse de Jackson Barreto uma surpresa, a gestão da saúde foi entregue a um “outsider”, um engenheiro agrônomo, Zezinho Sobral. Sem a pretensão de realizar uma reforma sanitária, sem verdades prévias, humildemente, procurou os trabalhadores da saúde para pedir apoio e trabalhar em parceria, ocupou as gerencias com técnicos, pois freios no descontrole financeiro, desmontou os comitês políticos, botou o pé na estrada, e foi tentar consertar o que parece não ter mais jeito.  
Claro, muita coisa continua funcionando mal, o atendimento continua precário, falta isso, falta aquilo, mas muita coisa já melhorou. Não é fácil montar uma rede de serviços descentes a partir da situação encontrada. A bagaceira era grande. Contudo, os ventos começaram a soprar noutra direção.

Zezinho Sobral precisou deixar a Secretaria, e aí surgiram as especulações: quem seria o substituto? Para a minha surpresa e contentamento, o Governador anunciou hoje o nome de Conceição Mendonça, uma enfermeira, sem padrinhos políticos, sem sobrenome famoso; uma técnica, legitimada pela competência e compromisso com a coisa pública, sem ambição de ser chefe politico, sem ambição de enriquecimento, uma devota do serviço público, uma servidora do Sistema Único de Saúde (SUS). Quem sabe não seja esse o caminho? A Saúde que não deu certo em mãos dos coronéis da política pode ter encontrado o seu caminho na gestão profissionalizada, técnica, centrada no planejamento e no fim dos desperdícios com o dinheiro público. 

sábado, 5 de março de 2016

SECRETARIA DA SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL EM SERGIPE (MEMÓRIA).

                          
Antonio Samarone de Santana.

O Governador Seixas Dória indicou como Diretor do então Departamento de Saúde Pública o Dr. Alexandre Menezes, Sanitarista pernambucano radicado em Sergipe, que entre suas metas incluía a transformação do Departamento, vinculado a Secretária de Educação, numa Secretária independente. O golpe militar de 1964 frustrou esse plano.

O Governador Celso de Carvalho, em 16 de outubro de 1964, sancionou a lei nº 1.289, criando a Secretaria da Saúde e Assistência Social, indicando como primeiro Secretário, o médico sanitarista Walter Cardoso, intelectual experiente e de boa formação. O Dr. Walter tomou posse no dia 22 de outubro, às 10 horas da manhã, chamando a atenção para a falta de saneamento, e para os elevados índices de diarreia infantil no estado, definido suas metas.

As prioridades estavam mudando, a Saúde que no Brasil era sinônimo de Saúde Pública, passava a abrigar as ações de assistência social. A nova Secretária possuía serviços de profilaxia da lepra, da tuberculose, um serviço de amparo a maternidade e a infância, e o serviço de assistência aos psicopatas. Chama a atenção o fato de que em Sergipe, a assistência social é anterior a assistência médica entre os serviços ofertados pela instituição sanitária.

A lei trás uma obrigatoriedade interessante: Art. 4º - O Cargo de Secretário de Saúde e Assistência Social, de imediata confiança e livre escolha do Governador do Estado, será exercido, em comissão, por medico de preferência especialistas em Saúde Públicas, com os direitos, vantagens e prerrogativas dos demais Secretários de Estado.  

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE CINCO)

Hospital Santa Izabel (Parte Cinco)

Antonio Samarone de Santana

A política de Olympio Campos, Presidente do Estado, na questão do hospital, como já vimos, era repassá-lo para uma instituição filantrópica. Para legalizar a passagem foi aprovada a lei n.º 391, de 23 de outubro de 1900, em que o seu artigo 1.o autoriza o Governo a entregar o Hospital de Caridade de Aracaju a uma instituição de caridade que se dispuser a administrá-lo. De acordo com essa lei, em seu artigo 3.o, os bens do hospital não seriam transferidos (“são inalienáveis os bens que constituem o patrimônio do Hospital”).

Para atender ao previsto na lei n. º 391, foi criada a “Associação Aracajuana de Beneficência”, para assumir a administração do hospital, que passará a ser chamado de Santa Isabel, assim permanecendo até os dias de hoje.

Os estatutos da “Associação Aracajuana de Beneficência” foram aprovados pelos decretos 497 e 498 de 30 de março e 19 de abril de 1901, respectivamente. O primeiro presidente da Associação foi o senhor Joseph Dória Netto. No momento da fundação, a associação possuía cerca de 105 sócios regulares. Como encarregado clínico do hospital permaneceu o Dr. José Moreira de Magalhães.

No momento da transferência, o Hospital possuía 60 leitos e o seguinte patrimônio: apólices do Governo da União, no valor de 6:500$000 réis; letras do Banco da Bahia, no valor de 6:000$000 réis; casa do mercado; edifício do talho de carne verde; edifício do hospital; dois cemitérios (Santa Isabel e Cruz Vermelha), um prédio na rua Aurora e terrenos na rua São Benedito.

Entretanto, no primeiro momento, o patrimônio do Hospital de Caridade não pertencia à Associação Aracajuana de Beneficência. Somente com a lei n. º 486, de 14 de outubro de 1904, no Governo de Josino Menezes, é que os bens do antigo Hospital de Caridade foram transferidos para a Associação.

A evolução do Hospital Santa Isabel se deu muito lentamente. Em 1908, o seu corpo clínico havia aumentado para três médicos, os Drs. Aristides Fontes, Cândido Costa Pinto e, uma novidade, um médico dos olhos, o Dr. Edilberto de Souza Campos, que, em 07 de janeiro de 1908, interna o primeiro paciente com esse tipo de moléstia no referido hospital. O hospital possuía ainda um capelão, o vigário Antídio Telles de Menezes, e os serviços de administração e enfermagem haviam sido entregues às “Irmãs do Santíssimo Sacramento”, e, em particular, à Irmã Gregorina, que irá assumir uma posição de destaque nessa instituição de caridade.

O funcionamento do hospital continuava dentro da ótica de muita caridade e pouca ciência. Em 1908, na enfermaria das mulheres, cujo encarregado era o Dr. Aristides Fontes, foram internadas 217 pacientes, das quais 34 faleceram. Uma mortalidade de mais de quinze por cento. O Dr. Cândido Costa Pinto encarregado das enfermarias São Sebastião e São Roque, descreve de forma sucinta as condições em que trabalhava:

“Estas enfermarias foram freqüentadas por 631 doentes, dos quais 50 faleceram, sendo que muitos deles entraram agonizantes, saindo a maioria absoluta curada e os demais muito melhorados. É pena dizer-se que muitos doentes tem ainda horror a uma casa de caridade, a ponto de que logo que sentem alguma melhora nos seus padecimentos insistirem por sua alta, a despeito de repetidos conselhos, e outros há que não querem sujeitar-se a certas operações que trazem com certeza completa cura.”

Com a chegada à Presidência da Associação Aracajuana de Beneficência do senhor Simeão Telles de Menezes Sobral, o hospital Santa Isabel receberá um grande alento. Uma das medidas foi o convite para que o Dr. Augusto Leite fizesse parte do corpo clínico daquela casa. Em 10 de janeiro de 1913, o Dr. Augusto assume suas tarefas no Santa Isabel, ao lado do Dr. Francisco de Barros Pimentel Franco, e em julho, apresenta as primeiras críticas ao funcionamento do hospital:

“Bem situado, conquanto de acesso difícil, o hospital Santa Isabel ainda não apresenta as condições higiênicas necessárias à realização perfeita do seu elevado fim”.
“Conta à enfermaria São Roque com 38 leitos, onde se alinham, numa convivência lamentável, casos os mais diversos de medicina e de cirurgia”.

Eram péssimas as instalações do Hospital Santa Isabel:

“Não possuía autoclave. Possuía apenas alguns instrumentos cirúrgicos, alguns vidros de ventosas e um termocautério de Pasquelin. Os doentes eram distribuídos, segundo o sexo, pelas duas enfermarias, indiferente, doente de moléstia aguda ou crônica, infecciosa ou não. Ocupavam camas ou esteiras. Não havia lugar especial para crianças. A sala de operações era a mesma sala de curativos.”

A luta de Augusto Leite para transformar o Santa Isabel num hospital adequado à nova medicina, incorporando os princípios da bacteriologia, da patologia e das análises laboratoriais, teve algum resultado.

O Dr. Augusto Leite precisou criar as condições para o desenvolvimento da clínica cirúrgica naquela casa. Desalojou as freiras dos seus aposentos e o diretor do seu gabinete, criando uma sala cirúrgica e uma pequena enfermaria para seus doentes, organizando o primeiro serviço de clínica cirúrgica de Sergipe.

“Operava no Hospital Santa Isabel, escandalosamente protegido pela providência. Não tínhamos laboratório, não tínhamos tensiômetro, nem eletrocardiograma, nem enfermaria idônea. Em começo, o nosso anestésico era o clorofórmio, proibido hoje de entrar nas salas de operações”.

O Dr. Augusto Leite, em junho de 1913, viaja para a Europa, passando seis meses em Paris, onde irá fazer um curso de “técnica operatória” e aperfeiçoar-se em clínica cirúrgica. Nessa sua primeira viagem a Paris o Dr. Augusto Leite ainda faz cursos de Partos (com Wallich e Cauvelaire), citoscopia (com Papin), olhos (com Lapersonne), otorrinolaringologia (com Sebileau) e moléstias da nutrição (com Marcel e Henri Labbé). Com o seu retomo é que começa o funcionamento da clínica cirúrgica do hospital Santa Isabel.

“A 9 de novembro de 1914, com material cirúrgico e de esterilização trazido por ele mesmo da Europa, o Dr. Augusto Leite expôs à luz do dia a cavidade abdominal de uma doente, para dela retirar um fibromioma uterino. Até então, nunca, ninguém em Sergipe abrira um ventre em operação cirúrgica. Estava, finalmente, inaugurado o ciclo da grande cirurgia no estado.”

Com todas as dificuldades, entre novembro de 1914 e outubro de 1926, o Dr. Augusto Leite realizou nesse hospital 408 laparotomias, 19 tireoidectomias, 61 talhas hipogástricas e 11 esplenectomias.
Augusto Leite desenvolveu seu trabalho cirúrgico auxiliado, inicialmente, pelos Drs. Aristides Fontes, Josaphat Brandão e por seu irmão, Sylvio César Leite. Curiosamente, foi com esse irmão que iniciou suas atividades como operador, ainda como estudante, quando passava as férias em Sergipe. O seu irmão, Dr. Sílvio César Leite, já era clínico conceituado do município de Riachuelo:

“Sílvio Leite era médico de sólida cultura humanista, bom clínico, e de esplêndida formação moral. Exerceu sobre mim, grande influência. Aprendi muito, com ele. Ajudava-o em operações comuns, naquele tempo. Permitia por outro lado, que eu também operasse, sob suas vistas”.

Antes da chegada do Dr. Augusto Leite a Sergipe, em 03 de maio de 1909, a prática médica andava distante do caminho que iria percorrer no século XX. Por esse tempo praticava-se em Sergipe apenas pequenas cirurgias e, de vez em quando, um ou outro médico aventurava-se numa amputação. Entretanto, mesmo antes de fazer parte do corpo clínico do Hospital Santa Isabel, o Dr. Augusto Leite já exercitava cirurgia em domicílio.


“Comecei a operar em Aracaju, antes de entrar para o Santa Isabel. Operava nas residências dos doentes. Operei muito. Até mastectomias largas cheguei a praticar em domicílios. Fiz partos em casebres de palha, à luz de querosene.”