domingo, 25 de dezembro de 2022

ARBORIZAÇÃO DO ARACAJU

 

Voltando a arborização do Aracaju.
(por Antonio Samarone)

Senhor Governador Belivaldo, o senhor ainda tem 15 dias no cargo e isso o senhor pode resolver.

Não vou requentar o tema da Orla na Sarney (Avenida Inácio Barbosa), a maior obra do seu governo. O tema já foi debatido, os erros apontados, fica para o próximo.

Não se plantou um árvore no calçadão novo de Vossa Excelência. Exceto meia dúzia de arbustos no trecho do Tecarmo. Mas deixemos também para o próximo.

Mas esse absurdo da foto o senhor ainda pode impedir:

Na interseção da rua Walter Bastos com o calçadão da Sarney, veja a foto, existe um rótula gigantesca. Aracaju esperava um bosque ajardinado, com arvores típicas da região: coqueiros, palmeiras, amendoeiras, aroeiras etc. Era o razoável!

Passei pelo local e percebi que estão botando britas. Isso mesmo, aquelas pedras quebradinhas. Pensei que era engano. Não! Está no projeto.

Governador, mande suspender! Consulte o Prefeito Edvaldo!

Se não estiver previsto no orçamento da obra, eu me encarrego de conseguir as mudas. E plantá-las. Sei que o senhor é muito ocupado para saber os detalhes. Mande conferir...

Espero uma boa notícia. Aracaju precisa de árvores, muitas árvores.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

NOVAS SAÚVAS

 Novas Saúvas.
(por Antonio Samarone)

Terminado o curso de medicina, me especializei em Saúde Pública. Foi difícil explicar a mamãe o que fazia um médico sanitarista. A salvação foi apontar a obra de Osvaldo Cruz: saúde pública é isso! Mamãe fez de conta que entendeu.

Se a pergunta fosse hoje, a resposta seria mais complicada. Os higienistas do meu tempo carregavam uma narrativa civilizadora. Havia um círculo vicioso pobreza/doença. Lembram-se do Zeca Tatu de Monteiro Lobato?

A maioria das pestes estavam relacionadas com as condições de vida, com a pobreza. Como acabar com a pobreza não estava nos planos, os sanitaristas sonhavam em acabar com as doenças.

Investia-se em dois planos: na mudança dos hábitos de higiene pessoal, através da educação sanitária; e no combate aos insetos transmissores, através das campanhas da Saúde Pública.

Um único mosquito, o Aedes aegypti, transmite quatro endemias graves. Oswaldo Cruz saiu como um louco matando esse mosquito. Uma luta inglória, os mosquitos se adaptaram aos venenos.

A nova Saúde Pública encontrou novos métodos: além das vacinas, o Instituto Butantã acaba de anunciar a descoberta de uma vacina eficaz contra a dengue, a fundação Bill Gates, patrocina um laboratório em Medellín, na Colômbia, que produz 30 milhões de mosquitos geneticamente modificados, por semana.

Explico, o Aedes para se reproduzir precisa de sangue, e cada humano tem cerca de cinco litros. Nesse banquete, o mosquito injeta o vírus.

As novas tecnologias apontam: vamos produzir mosquitos estéreis, que não precisam de sangue, e vamos jogá-los na natureza. Nessa concorrência legitima, logo, logo, os mosquitos naturais vão desaparecer.

Se anuncia, que outras doenças entrarão nessa lista. A Fundação Bill Gates quer produzir os mosquitos (são muitos) da malária, para espalhar na floresta amazônica, e produzir o amedrontador “barbeiro”, para soltar na Bahia e no Norte de Minas Gerais.

Os velhos sanitaristas diziam cheios de orgulho, que o fim da doença de Chagas dependia de residências higiênicas para todos, um amplo programa habitacional. Vivíamos num Brasil Rural. A doença de Chagas precisava do BNH e não do DDT.

Os insetos geneticamente modificados, desmontaram o discurso social da Saúde Pública. A Fundação Bill Gates quer acabar com as doenças sem mexer com a pobreza.

Os mosquitos também viraram mercadorias, com patentes e donos, comercializados nas bolsas de valores. A Big Pharma investe na introdução da inteligência artificial nos mosquitos. Um sonho, os mosquitos passarão a picar seletivamente, de acordo com o software.

Acho que os “maruins” aqui em casa já são dessas inteligentes. Nada explica a seletividade deles em me picar, sempre no tornozelo.

Imaginem, como explicar isso a mamãe.

Feliz Natal.

Antonio Samarone (por enquanto, médico sanitarista)

O BRASILEIRO CORDIAL

 O brasileiro cordial.
(por Antonio Samarone)

O tema central da Ilíada, obra fundadora da cultura ocidental, é a Ira desordenada de Aquiles e as consequências de sua cólera, inclusive para ele próprio.

Homero refere-se a Ira, um sentimento grandioso, próprio dos deuses e dos heróis. A Ira pode ser divina, santa, inspiradora. A Ira é filha da indignação.

O ódio é um sentimento pequeno, filho do ressentimento e da inveja, não suporta o perdão e a tolerância.

O que os grupos de WhatsApp de extrema direita exalam é ódio, um sentimento destrutivo, nascido de frustrações não resolvidas. O ódio é filho da intolerância. A narrativa do ódio é a violência, o segregacionismo e a ditadura.

Nenhuma ideia, apenas ódio.

Essa gente, até ontem, participou do Natal sem fome do Betinho, era contra o esquadrão da morte e a favor dos direitos humanos. Era tudo aparências, medo de expressar publicamente os meandros da alma?

Como esse ódio explodiu, e se transformou em militância política? Não sei! O certo, é que as redes sociais fortalecem essas ondas de ódio.

Pessoas pacatas, religiosas, bem-comportadas presencialmente, profissionais conceituados, quando se enturmam nos grupos de WhatsApp, liberam a alma, divulgam fakes, pregam a violência, clamam por ditaduras, são racistas e aporofóbicos, sem a menor cerimônia.

Acham que os que assim não pensam, são todos comunistas, até o Papa. O comunismo real ou fictício, continua sendo um fantasma ameaçador. Não sei se usam esse mote unificador dos odientos, por falta de argumentos, delírio, desinformação ou má fé.

Quando questionados sobre a pregação do ódio, defendem-se com o desgastado argumento que estão exercendo a liberdade de manifestação.

Trata-se de um fenômeno social aparentemente duradouro, que voltará ao poder. Um solo fértil para o fascismo.

Mesmo sendo Natal, não professo falsos otimismos.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

GENTE SERGIPANA - ROSITA DOS SANTOS

 Gente sergipana – Rosita dos Santos.
(por Antonio Samarone)

O doutor Afonso Figueiredo Góes, depois de 32 anos, teve um gesto sublime: liberou a sua empregada doméstica, Rosita dos Santos, para passar o Natal em casa.

Rosita é do Riachinho, interior de Ribeirópolis, veio trabalhar na casa do doutor aos 15 anos. Já era órfã de mãe. O doutor Afonso possui uma fazenda na região do Saco do Ribeiro. Por ser muito católico, entendeu que estava na hora de fazer uma caridade aquela órfã: trouxe a menina para ajudar em sua casa, em Aracaju.

A menina fazia de tudo: era babá, faxineira, lavava e passava. Foi ajudante de cozinha, pau para toda obra. Abrigava-se num quarto dos fundos, próximo ao canil.

Hoje Rosita está com 45 anos, passaram-se três décadas. Rosita sempre teve um sonho: conhecer o mar. Mesmo morando em Aracaju há 30 anos, nunca teve essa oportunidade.

Rosita ouviu na televisão que tinha direito a carteira assinada, entre outros direitos trabalhistas. Rosita nunca teve a coragem de tocar nesse assunto, com o protetor. O doutor Afonso a considerava da casa. Uma agregada. Rosita tinha casa, comida e umas roupinhas, para que mais? Que botasse as mãos para o Céu.

Se comenta, eu acho que não procede, que o doutor durante a pandemia, cadastrou Rosita no Auxílio Brasil, e tomou posse do seu cartão. Pensei, se for verdade, que pelo menos ele devolva o cartão da moça.

A intenção do doutor Afonso com essas “férias”, é que Rosita não retorne, fique por lá, pois a esposa, dona Roseane, resolveu mudar-se para um apartamento, defronte ao Parque da Sementeira. O novo lar não cabe Rosita.

Para fazer justiça, o doutor deu um dinheiro a Rosita, para ele iniciar uma nova vida. Ela não revela quanto. O mundo é grande e Deus não desampara ninguém, disse a dona Roseane.

Rosita só tem uma amiga em Aracaju, dona Carmelita, que trabalhou na república cebolinha. É nesse ponto que eu entro na história. Foi dona Cacá que me ligou, contando essa história corriqueira.

Rosita dos Santos não tem para onde ir, o pai já morreu, não tem irmãos, nem parentes nem aderentes, me contou dona Cacá. “Abrigá-la aqui em casa, eu não tenho condições” – Cacá.

Rosita é nova para se aposentar e velha para arrumar trabalho. Rosita tem quarenta e cinco anos, que parecem sessenta.

O drama é maior, Rosita precisa de um emprego que lhe forneça abrigo. Não aprendeu a cozinhar. Nunca frequentou uma escola, conhece os ônibus pela cor. O que sabe mesmo é lavar roupas, serviço que as máquinas fazem cada vez melhor.

O doutor Afonso é um homem de bem, viajou para Roma, foi assistir à missa do galo no Vaticano. É uma tradição dessa família religiosa, temente a Deus. O doutor, recentemente, doou uma certa quantia para as obras de caridade da Paróquia.

Pelo menos o Natal, Rosita passará na casa de Dona Carmelita, no Parque dos Faróis.

Feliz Natal.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

ARACAJU INSUSTENTÁVEL

 Aracaju insustentável.
(por Antonio Samarone)

Quando Inácio Barbosa decidiu transferir a capital de São Cristóvão, já existia uma comunidade de ceramistas na Colina, chamada Arraial de Santo Antonio do Riacho do Aracaju. Portanto, Aracaju era o nome desse riacho, por isso, escreve-se “do Aracaju”, e não “de Aracaju”.

O vocábulo Aracaju é de origem Tupi, segundo Teodoro Sampaio. Ará-acayú, Aracaju, significa “o cajueiro dos papagaios”. Existem outras versões, mas essa é a mais poética.

Aracaju já foi a sultanas das águas, de fato, somos cercados de rios (Sergipe, Poxim, Sal, Vaza Barris, Santa Maria etc.). Sergipe também é de origem Tupi, cyri-gy-pe, serygipe, seregipe, Sergipe, é o Rio dos Siris. Por isso somos “do Sergipe” e não “de Sergipe”.

O Cajueiro dos Papagaios poderia ser uma cidade voltada para o meio ambiente, para os rios, uma terra de cajueiros e de papagaios, uma terra acolhedora, sustentável, onde o turismo não dependesse de cenários religiosos artificiais de milagres, explorados pelo mercado. (ouvi essa bobagem na imprensa).

Ontem eu assisti a uma revoada de ararinhas às margens do Rio Santa Maria, no que resta de restingas e coqueirais preservados, entre as comunidades do Robalo e São José.

A foto é um registro.

Aracaju segue o caminho das demais cidades metropolitanas, voltada para o lucro do capital imobiliário. Estamos criando uma cidade insustentável, coberta de asfalto e concreto, poluída pelos meios de transporte. Os esgotos coletados pela DESO são jogados “in-natura”, na Praia Formosa.

É formosa, mas fede...

Aracaju é um paraíso para a especulação imobiliária e um inferno para a sustentabilidade. O mundo civilizado já deu meia volta, e nós ainda estamos indo na mesma direção. A cidade investe na infraestrutura que interessa ao capital.

Recomendo as autoridades urbanos, políticas e técnicas, e aos interessados em geral, a leitura de “Guerra dos Lugares”, um livro grandioso da professora Raquel Rolnik.

Gente, na Zona de Expansão (expansão de quem?), ainda restam oásis de natureza, onde ainda vicejam os cajueiros e os papagaios.

Até quando?

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

ENTÃO É NATAL


 Então é Natal...
(por Antonio Samarone)

Estava afastado do centro do Aracaju desde a pandemia. Sempre gostei do burburinho do centro, multidões para cima e para baixo, comprando lembrancinhas.

Hoje eu voltei. O centro do Aracaju estava vazio (veja a foto, as 9 horas).

Uma ou outra alma perdida, zanzando sem rumo. Um papai Noel dos comerciantes pousando para fotos com meninos pobres, na esquina da Igreja de São Salvador.

Não encontrei os velhos antigos, que ficavam passando a vida a limpo nas sombras das calçadas. Para onde foram? Quantos escaparam da pandemia e de outras mazelas, próprias da idade?

Os calçadões estão tomados por mocinhas oferendo empréstimos. Isso mesmo, dinheiro emprestado, pela hora da morte. A agiotagem prospera na dificuldade econômica.

Antes, os ambulantes compravam ouro, vendiam senhas para abreugrafia, chips de celular e bilhete de loteria. Hoje é dinheiro emprestado. Até sugeri as vendedoras: vão vender nos Shoppings, lá os consumidores têm mais dinheiro.

Elas riram: “lá eles tomam nos bancos, no crédito consignado.” Sem exageros, fui cercado por dezenas de moças me oferecendo dinheiro emprestado. Pela insistência, penso que elas me acharam com a cara de quem estava muito precisado.

Autoridades, o povo sergipano empobreceu muito, depois da pandemia. Bolsa família não resolve, é só um alívio para o desespero. Não adianta só encher os postes com luzinhas chinesas, que acendem e apagam sem parar. Não!

Gente, vamos iluminar as mentes com ideias. Sergipe precisa de projetos para criação de empregos. Muita gente qualificada profissionalmente está se virando no Uber. Um aplicativo dos quintos dos infernos que toma 40% da renda do trabalhador.

O Natal sem consumo é um indicador do desastre econômico em que nos metemos em Sergipe.

Os calçadões do centro do Aracaju são desérticos, nenhuma árvore, parece que esse ano, nem as arvores de Natal botaram nos calçadões.

Feliz Natal.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

DIA DE SANTA LUZIA

 Dia de Santa Luzia.
(por Antonio Samarone)

Hoje é o dia da padroeira da Barra dos Coqueiros, aliás, Ilha de Santa Luzia, defronte a Aracaju.

Santa Luzia de Siracusa também é a padroeira de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

O treze de dezembro desperta as minhas lembranças infantis: nesse dia, as devotas da Santa saiam de porta em porta, esmolando, com a sua imagem nos braços. Ninguém negava, a Santa é a protetora das nossas vistas.

Não sei se as devotas passarão hoje em meu condomínio, de todo jeito, já avisei na portaria para deixarem entrar.

No dia de Santa Luzia os camponeses colocavam pedrinhas de sal expostas ao tempo, se elas se juntassem, era sinal de um ano bom de chuvas. Hoje, os meteorologistas avisam pela jornal Nacional.

Recentemente fiz cirurgia de catarata com o renomado Max Rollemberg. Fiquei encantado com a sua clínica, onde a imagem de Santa Luzia encontra-se destacada nas salas e consultórios. Max é um humanista da velha e desprezada (pelo mercado) escola hipocratica.

No candomblé, Santa Luzia é o orixá Ewá (pronuncia-se “Euá”), que comanda a visão humana, os horizontes e o céu estrelado. Ela é a rainha do cosmos, a regente da neblina e dos nevoeiros.

Ewá é o orixá protetor da pureza e da virgindade, do inexplorado e do desconhecido, das florestas e dos rios.

Dante Alighieri era devoto de Santa Luzia. A Santa aparece na Divina Comédia com sendo a “graça”. Dante não enxergava o caminho certo, estava nas trevas, foi Santa Luzia que apontou os caminhos.

Santa Luzia, na iconografia católica, é uma Santa bonita de bochechas coradas, carregando uma folha de palmeira (imortalidade) e uma bandeja dourado com um par de olhos.

Essa imagem permeia as minhas lembranças atávicas.

Viva Santa Luzia.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

REDES DE DORMIR

 Redes de dormir, balanço e descanso.
(por Antonio Samarone)

Não conheci berço na infância. Fui criado dormindo na rede (“inis”) até os 13 anos. Até quando mamãe comprou a minha primeira e única cama, fornida, na feira de Itabaiana. Uma cama de braúna legítima. Não foi fácil me acostumar. Era uma cama com o colchão de junco, um capim macio que se vendia de porta em porta. Não sei por onde anda essa cama...

“No ronronar de uma rede/ há como um canto divino/ de uma mãe pobre e cansada/ balançando o seu menino”, mamãe recitava. Não sei com quem apreendeu.

A rede, dócil e macia, toma a forma do nosso corpo. A rede é acolhedora. Nos primeiros dias, dorme-se no meio, para a rede não ficar “pensa”. Falo da rede de dormir.

A rede do pobre nunca se acaba, quando fica velha, corta-se os cadilhos e vira lençol. As redes são eternas.

Eu brincava emborcando na rede, me escondendo de barriga para baixo. Tolinho, acha que ninguém me via. A minha irmã sentava-se em minhas costa, fazendo da rede um balanço.

A rede de balanço, que fica no alpendre, é de todos, inclusive das visitas. O ranger dos armadores se escutava de longe. A rede dos poderosos é quase um trono. Euclides Paes Mendonça recebia os correligionários deitado em sua rede, na varanda da casa.

O séquito ficava no entorno da rede. Euclides não permitia que se pegasse nem nos punhos nem nos cadilhos. Os mais puxa-sacos, balançavam a rede do Coronel com o movimento dos quadris. Encostava e dava um tanjo discreto.

Meu pai Elpídio e o meu tio, Antonio de Genoveva, vendiam redes nas feiras. Eu ainda conheço o cheiro de rede nova, sei avaliar a qualidade, onde foi fabricada.

O meu avô Totonho, depois de morto, teve o seu corpo transportado de rede, no galeio tradicional, do povoado Flechas até as proximidades da cidade, onde foi colocado no caixão e levado ao cemitério de Santo Antonio e Almas.

Quando os portugueses chegaram no Brasil, em 1500, encontraram a rede, está dito por Pero Vaz Caminha. Aliás, foi ele quem batizou a rede com esse nome.

Herdamos dos Tupinambás os banhos de rio, a rede de dormir e a farinha de mandioca (pirão, farofa, beiju, tapioca e puba).

Os índios em Sergipe não conheciam o mosquiteiro, dormiam em suas “inis”, com uma fogueira por perto. O fogo afastava os insetos, os inimigos noturnos, os fantasmas e os demônios. Os diabos dos índios tinham medo do fogo, imaginem se eles iam criar o inferno.

As índias fiavam e teciam as suas redes de algodão. Ainda alcancei a produção de redes domésticas. Depois as redes foram produzidas em fabriquetas, quase artesanais. Na década de 1950, Sergipe possuia15 dessa fabriquetas, hoje, que eu saiba, existem duas.

As redes de tecidos compactos e franjas de enfeite de rendas foi uma contribuição das portuguesas. E as redes finas, de luxo, geralmente brancas, de punhos robustos, as chamadas redes de varanda, vinham do Ceará.

Aliás, a rede (hamaca) era conhecida por todos os índios da atual América Latina. A maca descende da hamaca e o pai é espanhol. A rede de dormir nasceu no continente americano. A rede já serviu de transporte para os senhores de escravos, um tipo de liteira.

A queda de rede é fatal para os velhos. No geral, dorme-se em redes altas, para se evitar os bichos rastejantes, os ventos miasmáticos e poder se equilibrar em caso de queda. A queda em rede baixa, quem escapar, fica sem caminhar por um bom tempo.

“Para dormir numa rede/ cumpre logo prevenir/ não é chegar e se deitar/ nem é deitar-se e dormir/ Tem de procurar o jeito/ de se deitar enviesado/ pois não dando esse jeitinho/ não está, em regra, deitado/ E em se deitando, deixe sempre/ um certo espaço, porque/ vem o anjo da guarda/ deitar-se, e dormir ao seu lado.” – Adelmar Tavares.

“A rede nos acompanha desde o primeiro dia ao último – é berço, é leito nupcial, é cama de enfermo, é caixão de morto”. Rachel de Queiroz.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

NOVA PSIQUIATRIA

 Franco Basaglia (1924 – 1980).
(por Antonio Samarone)

Revisitando o psiquiatra italiano Franco Basaglia, percebe-se os descaminhos da psiquiatria orgânica atual sob o domínio da indústria farmacêutica. A necessidade do lucro impulsionou o consumo das drogas psicoativas. Para justificar “cientificamente” esse super consumo, a medicina produziu novos diagnósticos e, epidemiologicamente, os transtornos mentais dispararam.

A luta de Basaglia contra os grandes confinamentos em hospitais psiquiátricos, em libertar das grades dos manicômios milhares de vítimas, não contava com a dependência futura dessa gente às prateleiras das farmácias.

Os presos pela dependência medicamentosa são quimicamente privados da liberdade. A prisão deixou de ser física e passou a ser química.

O capitalismo produz mercadorias e cria as necessidades do seu consumo. Independe se as mercadorias são automóveis ou medicamentos.

A experiência de Basaglia na Itália foi importante para a luta antimanicomial no Brasil. Falo do início das Caps e da psiquiatria social – década de 1980.

No momento, a psiquiatria tomou outros rumos, tornando-se uma atividade hegemonizada pelo mercado, encoberta pela legitimidade de uma ciência encomendada.

Pinel libertou os pacientes das prisões e os colocou em outra, nos manicômios. Basaglia os libertou dos manicômios e os empurrou para a prisão da dependência dos psicofármacos. Definitivamente, a história da psiquiatria não é a história dos doentes.

A experiência de Basaglia na gestão do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, traduzida em sua obra prima, “A Instituição Negada”, mexeu com a psiquiatria no mundo.

Basaglia exerceu grande influência no Brasil. Em 1979, no auge do hospitais psiquiátrico estatais (tipo Juqueri e Barbacena), do surgimento dos hospitais psiquiátricos privados, financiados pelo INAMPS, ele visitou o Brasil, atiçando o debate.

Franco Basaglia foi excomungado pelo mercado, deturpado, ridicularizado, para abrir as portas dessa psiquiatria americanizada, centrada na dependência dos psicofármacos. Nas escolas de medicina, se ensina até hoje que Franco Basaglia criou a anti-psiquiatria.

Concluir recentemente uma especialização em psiquiatria. Não ouvi falar em Franco Basaglia. O modelo de atenção atual da psiquiatria não me convenceu.

A ciência ensinada nos cursos de medicina afirmava que Basaglia negava a loucura, pregava a sua inexistência. Basaglia nunca negou a doença mental. “A loucura existe, é parte da condição humana. Como existe a razão, existe a desrazão. Certamente, uma das terapias mais importantes para combater a loucura é a liberdade.” – Basaglia.

A política de saúde mental do governo Bolsonaro destruiu a rede assistencial centrada nos CAPs e nas ações preventivas. Abriu espaço para as instituições controladas por políticos e evangélicos políticos. Na ausência de alternativas, essas instituições se tornaram o último refúgio para os dependentes. Os novos manicômios possuem as mesmas mazelas dos antigos.

Não estou acompanhando, nem imagino os caminhos da saúde mental no futuro governo Lula.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

COMO NASCEM OS APELIDOS

 Como nascem os apelidos?
(por Antonio Samarone)

Joãozinho Baú era o apelido de um sapateiro famoso em Itabaiana, o pai do jogador Gustinho, de Walter, do professor Bosco e de Miro.

De onde vem o baú?

Seu Joãozinho de Cícero era uma apaixonado torcedor do Confiança. Houve um período que o Confiança não ganhava para o Sergipe. Por um longo tempo! Se diz no futebol: criou-se um tabu, o Confiança nunca ganhava.

Num domingo de sorte, o Confiança venceu o Sergipe! Seu Joãozinho, tomou um banho, colocou a roupa nova e marchou para o Cinema Popular, de Zeca Mesquita. A todos que ia encontrando, seu Joãozinho esbravejava festivamente: “O Confiança quebrou o baú, o confiança quebrou o baú!”

Na maldade da molecada, pela troca de tabu por baú, Joãozinho de Cícero se tornou Joãozinho Baú. Virou nome de pia.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

O NOSSO QUARUP

 O nosso Quarup...
(por Antonio Samarone)

Nestes dias tem morrido muita gente, mais do que o de costume. Diariamente, o meu telefone toca antes das sete. Eu já sei, morreu um conhecido. Atendo apenas para saber quem foi e onde será o sepultamento.

Penso como o meu patrono na Academia Itabaianense de Letras, Alberto Carvalho: “não receio o envelhecimento físico, nem a morte. Tenho medo é do embrutecimento mental.”

Por que as mortes por certas doenças são mais aceitas que por outras? Quando se pergunta: o falecido morreu de quê? O anunciante responde de boca cheia: Infarto fulminante. Morrer do coração é quase um ato de heroísmo.

Ninguém se sente culpado por morrer do coração, é como se ele tivesse vontade própria. Para quando quer. Já outras doenças são indesejadas, estigmatizantes, até os nomes são ocultados.

Saudade dos tempos em que os velhos morriam de queda, catarro ou caganeira e a caduquice era romantizada. O meu avô Totonho, morreu de velho aos 53 anos.

Parece que a Peste da Covid-19 naturalizou a morte. Foram tantos conhecidos, que perdi a conta. A ausência dos velórios apressou os esquecimentos. A morte virou apenas uma notícia.

Eu já planto árvores que crescerão para os outros. Nesses dias vou comemorar a chegada dos anos, serão 68. Não tenho ilusões: segundo o IBGE, a expectativa de vida aos 70 anos é de apenas 13,9 anos. Isso em média, podendo ser um pouco mais ou um pouco menos.

Vamos arredondar: se a morte não me encontrar por aí, comemorarei mais dez aniversários. Gente, essa conta não é só minha, vale para todos...

Vamos celebrar o nosso ritual do Quarup, antes que seja tarde.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

DOUTOR SILVESTRE, O PATRIOTA

 Doutor Silvestre, o patriota.
(por Antonio Samarone)

Fui contemporâneo de Silvestre na faculdade. Em 1978, com o retorno das eleições para o Centro Acadêmico Augusto Leite, da medicina, Silvestre formou uma chapa para a disputa, de nome Eugenia. A chapa esquerdista chamava-se Construção. Eles perderam.

Antes, o centro acadêmico de medicina vivia sob intervenção. Possuía uma sede e oferecia dois serviços aos estudantes: uma cantina, terceirizada a Dona Zilda, uma pessoa atenciosa e simpática e uma mesa de ping-pong.

Silvestre foi um aluno médio, daqueles que estudam o necessário para passar. Tinha a fama de possuir o melhor caderno, copiava até o suspiro dos professores. A xerox da caderno de Silvestre era cobiçado nos tempos de provas.

No mais, nem cheirava nem fedia.

Silvestre era conhecido como o filho de... Fazia medicina por fazer, não precisaria da profissão para viver.

E assim ocorreu. Silvestre colou grau, como todos colam. Ao abrir o consultório, fechou definitivamente os livros. Deu fim até aos cadernos.

E foi vivendo uma vida tranquila, casou-se, teve filhos, comprou apartamento na Beira-Mar. Nunca se soube o que Silvestre pensava sobre nada. Ele nunca abriu a boca. Quando aparecia nas solenidades da categoria, era só sorrisos. O doutor Silvestre é que se chama “homem de bem”.

Para surpresa de todos, inclusive da esposa, Silvestre envolveu-se com a política. Odeia o comunismo, ama e confia no Mito. Até aí, sem novidades, isso é assim maioria, entre os colegas. Ele sempre foi assíduo nas manifestações dos camisas amarelas. Discreto, mas ia caracterizado e com uma bandeira do Brasil na mão.

Silvestre tem um orgulho: nunca comprou um livro. "Quem gosta papel é traça", repete ele como sendo um dito espirituoso. Odeio teorias, “meu negócio é a prática”. Pratica a medicina no tato, pede os exames, prescreve os remédios. Não lhe chamem para debates, conferências, congressos.

A medicina é para dr. Silvestre uma intuição científica. O consultório dele é cheio, só de particulares. Não aceita cheques, cartões e nem atende a convênios. A consulta custa 400 reais.

Após a vitória de Lula, no segundo turno, o que o dr. Silvestre desconfiava se confirmou: fraude eleitoral aberta, descarada. O STF está mancomunado com o comunismo. fraude só para Presidente. Se fosse um problema técnico das urnas a fraude seria coletiva, para todos os cargos. Não, a fraude foi política, só para Presidente.

O dr. Silvestre, fechou o movimentado consultório e acampou em frente ao 28 BC. Destaca-se pela bravura cívica. Canta todos os hinos, marcha em todas as marchas. Só vai em casa para trocar de roupa.

Dr. Silvestre quando chega na garagem do condômino, grita a todos pulmões: Selva! Mito! Passou a andar em passos de marcha militar. Corpo ereto, queixo alevantado, passos firmes e cronometrados. Presta continência na entrada e saída do elevador.

Sábado foi o seu aniversário de casamento, uma tradição na família, e ele me convidou. Uma festa animada, muitos amigos dos tempos de estudantes. Sardento levou o violão. Todos embasbacados com o tamanho do apartamento e a fartura da mesa.

Todos animados, essas festas da alta classe média. Vinhos caros, rapapés, e um jantar com bacalhau norueguês. Nada perto do churrasco temperado a ouro dos jogadores da seleção, mas um banquete para não se botar defeito.

Deu 9, 10, 11 horas, e nada do Dr. Silvestre. Cotinha a esposa, aflita, encabulada, não soltava o celular: “Silvestre, estamos aqui lhe esperando, você vem ou não?” E ele enrolando: estou chegando...

Deu 11 horas da noite e o jantar foi servido, mesmo sem o dr. Silvestre, o dono da casa. Silvestre estava à serviço da Pátria, acampado defronte ao 28 BC.

Cotinha, a esposa, ficou furiosa. “Não vou perdoar essa desfeita: era o aniversário de casamento. Silvestre é um dissimulado. Não tem religião, só não é ateu por covardia. Não cultua a família, só faz de conta. Do seu lema herdado de Mussolini, Deus, pátria e família, sobrou a pátria.”

O dr. Silvestre é um patriota!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

VELHOS AMIGOS

 Velhos amigos.
(por Antonio Samarone)

Não sei como os velhos suportavam a vida antes das redes sociais. As relações virtuais são mais amplas, consistentes e menos trabalhosas. Quando se tornam chatas, se deleta. Simplesmente.

Os amigos de carne e osso tomam o tempo, querendo contar as suas estórias, muitas vezes repetidas. Em geral, são falsos e invejosos. Não conte com os amigos, são poucos.

A solidão na velhice é uma opção. O tempo desvenda as almas. Nas casas de repousos (asilos), não existe diálogo entre os internados. As estórias do outro não interessam. Os velhos deixam de contar vantagens e não se interessam pelas vantagens dos outros.

Os amigos virtuais não cobram atenção, podemos deixar as narrativas escritas e não ficamos sabendo se foram lidas. Não precisa! Basta uma curtida, um “emoji” de aprovação, que a leitura fica dispensada. Se a opção for um comentário positivo (belo texto), a felicidade é completa.

"As mentiras sinceras interessam." Cazuza.

Os amigos virtuais são bichinhos de pelúcia, que podem ser descartados sem peso na consciência.

A vida virtual foi criada para suportamos a realidade na velhice, para continuarmos vivendo coletivamente, mesmo sozinhos.

Os valores, a personalidade, o caráter, os desejos, as crenças e as ilusões estão localizadas no córtex pré-frontal, o resto é cenário. Os apetites inconscientes e os desejos do “id” são amansados na velhice.

A família é o último refúgio de carinho, solidariedade e proteção. É a nossa melhor herança evolutiva.

O celular ligado a internet 5G é uma grande companhia, o melhor amigo, sempre disponível. A ante-sala do paraíso. O verdadeiro calor humano é virtual, subjetivo, uma função do cérebro.

As emoções nascem na alma, na memória e na sensibilidade afetiva de cada um. Com a velhice, renasce a gratidão, doma-se o ego e a vaidade, aprofunda-se a certeza da morte e do esquecimento.

Tenho pouco tempo e muito a dizer. Cadê a coragem para contrariar? Espero que essa virtude chegue antes da demência. Freud está certo: “a natureza não tem compromissos com a felicidade.”

Buda achava que a felicidade era a ausência dos desejos. O capitalismo concorda, desde que, não se renuncie ao desejo de consumo.

“Que a luz eterna dos refletores brilhe sobre nós!”

Antonio Samarone (médico sanitarista)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O CÉU DAS CARNAÍBAS


 O Céu das Carnaíbas.
(por Antonio Samarone)

Conheci o professor José Paulino, em 1979, quando a União Nacional dos Estudantes (UNE) saía da ilegalidade. Baseado no Decreto-Lei 477, o AI-5 dos estudantes, a ditadura proibiu eleições para UNE.

Na Universidade Federal de Sergipe, o pró-reitor estudantil, José Paulino, solicitou as urnas da justiça eleitoral, e bancou a legalidade da eleição da UNE. Incentivou a ida dos estudantes ao Congresso da UNE em Salvador.

José Paulino foi o iniciador dos estudos sobre o participação de Sergipe na guerra de Canudos, inspirado na leitura da “Guerra do Fim do Mundo”, de Vargas Llosa.

Foi em Sergipe que Antonio Conselheiro iniciou a sua fase messiânica. Na edição de 22 de novembro de 1874, o jornal estanciano “O Rabudo”, noticiou a presença do Conselheiro em Sergipe. Conselheiro peregrinou por vários municípios. Em Itabaiana existe um monumento na rua da Pedreira (foto), marcando a passagem de Conselheiro.

Registra o jornal “O Rabudo, sobre Conselheiro”:

“Anda no caráter de missionário, pregando e ensinando a doutrina de Jesus Cristo. Suas prédicas consistem na proibição dos xales de merinó, botinas, pentes, e não se comer carne e coisas doces nas sextas e nos sábados.”

Conselheiro apareceu na cidade de Itabaiana em 1874. “Esmolava, seguiam-no os primeiros fiéis, um dos quais carregava o templo único, um oratório tosco, de cedro, encerrando a imagem de Cristo.” – citado por José Paulino.

Muitos sergipanos mal-aventurados seguiram o séquito de Conselheiro, defenderam o arraial, não se entregaram. A peregrinação messiânica começou em Itabaiana. O padroeiro de Canudos era Santo Antonio dos pobres, imagem levada de Itabaiana.

“Chamava-se Antonio e o povo o denominava Conselheiro. Passou por Sergipe, onde fez adeptos. Pedia esmola e só aceitava o que supunha necessário para a sua subsistência.” – Sílvio Romero.

Conselheiro arrebatou em sua caminhada rumo ao Belo Monte, centenas de sergipanos, sobretudo negros. O sangue dos sergipanos foi derramado em Canudos.

Quando criança, ouvia mamãe recitar uma trova, citado por Sílvio Romero:

“Do céu veio uma luz/ que Jesus Cristo mandou/ Santo Antonio Aparecido/ dos castigos nos livrou/ quem ouvir e não aprender/ quem souber e não ensinar/ no dia do Juízo/ a sua alma penará.”

Se as autoridades do turismo conhecessem a história de Sergipe, a Orla Por Sol não seria apenas uma bela paisagem. Foi na foz do Vaza Barris, onde os corpos mal enterrados durante a guerra de Canudos, em Belo Monte, foram parar em Aracaju, após a primeira enchente do rio.

Sem contar que a 2ª coluna, na IV Expedição da guerra. sob o comando do General Cláudio do Amaral Savaget, saiu do Aracaju. O escritor e intelectual sergipano Pedro Moraes, descreveu detalhadamente esta coluna, sob a ótica do exército.

O sergipano José Calazans desvendou a história de Canudos para o mundo, e o professor José Paulino, incluiu Sergipe.

Foi José Paulino que mobilizou estudantes e estudiosos sergipanos sobre Canudos. Cito de memória, entre os entusiasmados: Chico Buchinho e o jornalista Enock, irmão de João Brasileiro.

Perdemos um conselheirista, José Paulino da Silva (80 anos), pernambucano de Cachoeira de Taépe. Seminarista na Congregação Salesiana Dom Bosco, em Jaboatão. Em 1970, José Paulino ingressou na Universidade Federal de Sergipe.

Entre as várias contribuições de José Paulino, sem dúvidas, a maior, foi tirar do esquecimento, a participação de Sergipe na jornada de Antonio Conselheiro.

Descanse em paz, Zé Paulino, missão cumprida!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

QUAL É A CAPITAL MAIS VERDE DO BRASIL

Qual é a Capital mais verde do Brasil?
(por Antonio Samarone)

Em trabalho publicado sobre a cobertura vegetal das regiões centrais das 27 capitais brasileiras, os pesquisadores João Carlos Nucci e Mariane Félix da Rocha, da Universidade Federal Fluminense, concluíram:

"Brasília (DF) alcançou a primeira posição, com 31,83% de cobertura vegetal na área mapeada, e Aracaju (SE) ficou em último lugar, com 6,38% de cobertura vegetal, em sua área central."

Por que Aracaju ostenta essa lanterna vergonhosa? A um olhar desatento, Aracaju engana, pela cobertura dos manguezais remanescentes, nas franjas dos rios, riachos e marés.

O frondoso manguezal da Praia 13 de Julho, é um tributo da natureza ao mar de estrume humano ali lançados, pela DESO. É bonito, mas fede a ovo podre.

Por que não gostamos das arvores? Se diz em Aracaju, que elas quebram as calçadas e soltam as folhas. Não se trata apenas da ausência de prioridade política, é uma questão com raízes culturais profundas.

Não se chama as árvores pelo nome, quase não se conhece, é tudo pé de pau. É uma herança colonial.

Entra prefeito e sai prefeito, todo ano um programa de arborização é lançado, e nada funciona. O foguetório é grande, os resultados inexpressivos. A maior parte da mudas plantadas, não suportam a ausência de manutenção.

Parte do empresariado de eventos resiste a arborização do Parque da Sementeira. Querem um espaço de shows e eventos. O último plantio expressivo na Sementeira foi na primavera de 2005, com Marcelo Déda.

Quando se cobra um Jardim Botânico em Aracaju, setores da construção civil entram em pânico. “A terra urbana vale ouro, para se encher de mato”, me disse um desses influentes especuladores imobiliário.

Os terrenos vazios do Aracaju são de “engorda”, objeto da especulação.

O que ameniza é o que resta de Mata Atlântica, no Morro do Urubu e os remanescentes dos manguezais.

A questão ambiental é um entrave para o desenvolvimento do Aracaju. A arborização e a despoluição da bacia do Rio Sergipe, são pontos inadiáveis.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)


 

SERGIPE E A CANTIGA DA PERUA

 Sergipe e a cantiga da perua.
(Antonio Samarone)

Com a edição do AI-2 e do AI-3 (1966), a ditadura estabeleceu restrições ao STF, extinguiu os partidos políticos e tornou indiretas as eleições para governador e prefeito das capitais.

O último prefeito eleito de Aracaju foi Godofredo Diniz (1963) (foto).

Entre os prefeitos biônicos do Aracaju, surpreende a indicação de nomes fora da política: o economista Aloísio Campos (1968 – 71) e o médico Cleovansostenes Pereira de Aguiar (1971 – 74).

Em 1974, o governador José Rollemberg Leite vai longe, escolheu mais um técnico: o engenheiro civil recém formado, João Alves Filho, aos 30 anos. João Alves ainda era um desconhecido na política. Fez uma gestão que mudou a cara do Aracaju.

Em 1982, no restabelecimento das eleições diretas para Governador, ocorreu uma novidade política, fora das tradições de Sergipe. O Governador Augusto Franco, chefe político absoluto do estado, elegeria até um “poste” em sua sucessão, resolveu indicar o engenheiro João Alves como candidato, preterindo as peludas raposas políticas do PDS, antiga ARENA, seu grupo.

Augusto Franco, senhor de baraço e cutelo, escolheu um nome sem origem nos engenhos, negro, desconhecido, sem tradição familiar, para governar Sergipe.

Claro, teve eleições, mas naquele tempo o voto era em sua maioria encabrestado.

Naquela eleição de 1982, Augusto Franco teve mais votos para Deputado Federal que os candidatos a governador pela oposição somados, Gilvan Rocha (MDB) e Marcélio Bonfim (PT).

João Alves se elegeu e virou o maior líder político de Sergipe, no pós ditadura. Governou o estado por três vezes, a Prefeitura da capital por duas e chegou a Ministro.

Não tardou o rompimento de João Alves (PFL) com o PDS de Augusto Franco. No restabelecimento das eleições diretas para os Prefeitos das Capitais (1985), João se alia ao MDB de José Carlos Teixeira e Jackson Barreto.

Com essa aliança, José Carlos Teixeira virou o último prefeito biônico do Aracaju e Jackson Barreto o prefeito mais votado do Brasil.

Acho que o passagem de Augusto Franco pelo governo de Sergipe, precisa ser estudada. O último oligarca assumido, com cara e jeito de oligarca, mas que fez um governo acima dos últimos populistas que chefiaram o estado.

Ele ter escolhido João Alves em 1982, foi uma opção pela gestão e um freio na politicagem. Ou não? João Alves de administrador, logo virou político. O lema do seu primeiro governo foi “mãos à obra” e a prioridade o Projeto Chapéu de Couro.

Quem quiser saber os detalhes, a biografia de João Alves já foi escrita por Débora Pimentel, confreira da Academia de Medicina. Confesso que ainda não li.

Com a morte precoce de Marcelo Déda, Sergipe retomou a tradição do período populista (1945 – 64), o reino da politicagem.

Vamos aguardar a “nova geração” de Mitidieri.

Não começou bem. Soube por um Vereador influente, que o Prefeito do Aracaju está encontrando dificuldades na aprovação de um empréstimo do BRICs, necessário para o desenvolvimento da cidade. As dificuldades são picuinhas políticas e o grupo de Mitidieri é maioria na Câmara.

Sei que vão desmentir, que não é nada disso, etc. Mas onde há fumaça há fogo.

Sergipe precisa de gestões competentes.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO

 Você sabe com quem está falando?
(Por Antonio Samarone)

Romualdo (Ramu) é um liberal bem informado, democrata, tolerante à diversidade, acredita no livre mercado, no empreendedorismo e votou em Simone Tebet, no primeiro turno. No segundo, ele desconversa.

Para os padrões sergipanos, Ramu é um empresário bem sucedido, no ramo de padaria, delicatessen e posto de gasolina. Um crente do capitalismo.

Ramu é liberal na economia e nos costumes. Só teme o comunismo. Não enxerga esse “risco” no Brasil, mas teme o fantasma. “Nunca se sabe”, diz ele precavido.

Para quem gosta de enquadramento: Romualdo compõe o reduzido “centro democrático”. Não confundir com o nocivo “Centrão”. Não vê com simpatia as manifestações bisonhas dos camisas amarelas, muito menos o futuro governo Lula.

Ramu, acha que qualquer governo é um peso para a sociedade, que o poder resume-se em ordenar despesas, prender e soltar, nomear e demitir. “Os governos parasitam a sociedade.”

Em Sergipe, nunca existiu fronteiras entre o público e o privado. O bom governo é o que cisca para fora, ou seja, o que libera uma laminha para os correligionários. O que não come sozinho.

Nesse quadro, a elite provinciana tem mantido os seus interesses e a sua dominação.

A autoridade é demonstrada na carteirada, no jeitinho e no patrimonialismo: “você sabe com quem está falando?”. Para os amigos tudo, para os inimigos a lei.

Romualdo, me indicou um livro do seu conterrâneo, Pascoal Nabuco.

Em Sergipe, temos um capitalismo de compadres. Pascoal Nabuco, que conheceu os “meandros” do poder, destrincha essa realidade em seu livro “Visão Política de Sergipe (1946 a 2016)”. Esse compadrio vem de longe.

“A maior virtude do SUS é tratar igualmente a todos. A vez é de quem chegou primeiro, sem distinção. Em Sergipe, o apadrinhamento invade até os hospitais: sem conhecimentos, a sua vez demora, ou nunca chega.” Diz o irônico Romualdo.

Eu queria acrescentar à descrença no Estado de Ramu, uma inconfidência: em Sergipe, a chamada esquerda não foge desse quadro. O vicio patrimonialista é atávico, ancestral, incrustado na cultura.

Romualdo foi meu aluno, no Arquidiocesano do Padre Carvalho.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

TABA ÇAMGUE

 Taba Çamguê.
(por Antonio Samarone)

O Prefeito Adailton Souza, está inaugurando uma Praça no Povoado Zanguê, Zona Rural de Itabaiana. Uma gestão de excelência. Antes, praciante era sinônimo de quem morava na cidade. Hoje, o povo do Zanguê vira praciante. Terá a sua praça!

Os povoados em Itabaiana, além de praças, estão recebendo água encanada, esgoto, escola, posto de saúde e ruas pavimentadas. Em síntese: qualidade de vida.

Zanguê, segundo Sebrão Sobrinho, deriva do nome da tribo Çamguê. Poderia ter sido Sanguê, Banguê (já teve engenhos), Manguê (já foi mar), Ganguê (já foi tribo), mas os portugueses chamaram de Zanguê. Terra boa, sítios excelentes.

“Zanguê é um enorme boqueirão, por onde se despeja o poético Jacarecica em busca do rio Sergipe. Uma planície descensionária.” – Sebrão.

O Povoado Zanguê, no vale do Jacarecica, limita-se com o Bom Jardim ao Sul e com a Cova da Onça ao norte. Foi o berço do Arraial de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. Foi lá que construíram a Igreja Velha e onde hoje funciona a barragem do Jacaracica I, onde instalou-se a Agrovila.

“O rio Jacarecica nasce na fazenda Silvestre, no pé da Serra do Pinhão e faz barra no rio Sergipe, no engenho Santana, em Riachuelo.” – Sebrão.

No povoado Candeias, onde meu pai nasceu, o Jacarecica recebe o riacho Piripiri, de vários banhos.

Entre o Zanguê e às Candeias, estava o centro da produção agrícola: a farinha, inhame, aipim, batata, ovos, cebola e alho. Na franja do Malhador (grande malhada). Tudo levado pelos tropeiros até Roque Mendes, onde embarcava em veleiros para abastecer Aracaju.

A Capela do Zanguê foi obra de frades alemães, não sei de quando.

O Zanguê deu gente importante. O professor Cícero, pai de João de Deus e Fabiano. Seu Antonio de Anginho, o patriarca do Beco Novo, era de lá. A família de Zé Crinspim, alfaiate e escritor, também do Zanguê.

O filosofo Tonho Grampão, tem raízes no Zanguê.

O Zanguê, em minhas lembranças, foi o berço dos professores. Matiapoan, o celeiro dos intelectuais.

O povo do Zanguê se arranchava no Beco Novo. Na primeira infância, eu frequentava o Taboleiro dos Caboclos e a Fazenda Grande, caminhos do Zanguê.

Se eu tiver disposição, vou ver essa novidade urbana: uma praça para o lazer dos tabaréus no Zanguê.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - JOSÉ QUIROZ


 Gente Sergipana – Zé Queiroz (86 anos)
(Por Antonio Samarone)

A Academia Itabaianense de Letras homenageou com a sua principal comenda, José Queiroz da Costa. Queiroz é a encarnação da alma itabaianense.

Como é a natureza do itabaianense? Pode responder: do jeito de Zé Queiroz

Zé Queiroz é filho único de Antonio Sacristão e Dona Rosinha, neto de Seu Cazuza, um comerciante de tecidos, assassinado misteriosamente em praça pública. Nunca se descobriu o assassino.

Zé Queiroz já nasceu esperto, sempre foi protagonista. Foi ponta esquerda do Cantagalo, com o apelido de Zé Gatinha. Um jogador veloz.

Foi o orador da primeira turma do Ginásio Murilo Braga. Funcionário do Banco do Brasil, que já foi um excelente emprego.

Os feitos de Zé Queiroz são imensos. Itabaiana deve a ele o penta campeonato, os dois cinemas (Santo Antonio e Popular) e a rádio Princesa da Serra. O desenvolvimento de Itabaiana tem a digital de Zé Queiroz.

Foi Deputado Constituinte, nota dez. Nunca votou contra os trabalhadores. No entanto, a carreira política era incompatível com a sua personalidade. Queiroz nunca foi de conchavos e arrumações. Sempre disse o que pensava, e isso em política é quase um suicídio.

Contudo, a maior contribuição de Zé Queiroz para Itabaiana foi imaterial. Ele foi um exemplo de sucesso e a sua autoestima era contagiante. A alma itabaianense condicionou a personalidade de Queiroz, que realimentou o nosso jeito: uma gente independente, empreendedora, recheada de narrativas, ironias, espertezas e sabedorias.

O itabaianense é original, acha-se o centro do mundo. E talvez seja!

Queiroz foi um intransigente, nunca abriu mão, quando se considerava certo. Defendia o que pensava, com competência e de forma destemida. Nunca deu o braço a torcer.

Mesmo quando errava, no final dava certo.

Claro, Queiroz também tem os defeitos dos itabaianense, e outros, mas são os defeitos dos bem intencionados. É a nossa herança judaica. Não somos nem melhores, nem piores, apenas diferentes.

O itabaianense é um bairrista incorrigível, um provinciano pretensioso, que tem orgulho das próprias fragilidades. Zé Queiroz contribuiu muito para o fortalecimento dessa autoestima.

A alma Itabaianense herdou muito da competência e da auto estima de Zé Queiroz. Somos gratos!

Minhas homenagens a Zé Queiroz da Costa.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


ORA BOLAS...

 Ora bolas!
(por Antonio Samarone)

Hoje, o Brasil estreia em mais uma Copa do Mundo. A minha lembrança mais antiga é de 1962, o bi campeonato. Itabaiana, como qualquer aldeia, fez festa com o título. Ouvia-se os jogos pelo rádio. Eu só lembro das comemorações.

A bola da Copa 2022, “Al Rihla”, tem até chip, para que se possa acompanhar a sua trajetória. A bola é vigiada pela internet das coisas.

A partir de 1962, o futebol virou uma obsessão para os meninos pobres. Todos queríamos ser Pelé ou Garrincha. Só que Mané tinha as pernas tortas. A bola virou o sonho de todos.

Não falo da bola de couro curtido, sem chances. Em Itabaiana não se vendia essas bolas. Comprava-se a bexiga em São Paulo e Mestre Dé encouraçava. Revestia-a de couro de segunda. Quando molhava, a bola pesava uma tonelada. Após cada jogo, passava-se sebo na bola e esvaziava-se. O sebo para evitar o ressecamento e o esvaziamento para se evitar que a bola ficasse oval.

Os gomos da bola de couro eram costurados à mão, com uma sovela. No local do pito, colocava-se uma tampão. As bolas continuavam de couro até 1970, ano do tri. A bola de couro feita em Itabaiana era quase de pedra. Dura e pesada.

A molecada do Beco Novo jogava na rua com bolas de meias. Isso mesmo, enchia-se um meia usada de pano, amarrava-se a boca, e estava consumado o objeto de desejo.

Depois apareceram as bolas de borracha. As danadas pulavam sem parar, eram bolas vivas. Se essa bola atingisse as costas de uma atleta, a marca ficava por semanas. Se atingisse o rosto, era nocaute.

Apareceram as bolas de plástico, chamava-se bolas Pelé. Foi um avanço tecnológico. Leves e maneiras. As peladas eram jogadas com pés descalços e com a bola Pelé. Foi um paraíso para a molecada. O dono da bola tinha um privilégio, era sempre titular. Qualquer contrariedade, o dono ia embora com a bola.

Experimentei jogar com uma bola de couro aos 15 anos, no campo de Mané Barraca. Os irmão de Benjamim, que moravam em São Paulo, mandaram um bola de couro para ele. Passamos a adular Benjamim: “meu amigo, vamos Jogar, leve a bola!”

Nesse tempo já existiam bolas de couro industrializadas. Eram numeradas pelo tamanho: bola numero dois, três, quatro e cinco. As bolas número cinco ainda podiam ser oficiais e não oficias. A bola de couro de Benjamim era oficial, numero 5. Uma glória. A única bola de verdade estava Beco Novo.

Os meninos das outras ruas babavam de inveja. Isso, sem exagero, a baba escoria pelo canto da boca. Eu vi!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

A PRINCIPAL DOENÇA DE SERGIPE É A POLITICAGEM

 A principal doença de Sergipe é a politicagem.
(por Antonio Samarone)

Um estado pequeno, pobre, desigual, não suporta a sangria realizada pelos bandos partidários. O poder público, ironicamente chamado de “máquina”, foi tomado como butim, pelos vencedores da guerra eleitoral.

Historicamente, Sergipe passou do mando dos coronéis, para o reino dos “cabos eleitorais”. Um Império das raposas políticas. Os parcos recursos são leiloados entre eles.

Enquanto isso, Sergipe afunda no desemprego, na violência, na improvisação e no obscurantismo.

O “fenômeno” Valmir de Francisquinho foi a sua imagem de bom gestor, de ter consertado Itabaiana. Só pararam Valmir no tapetão. Outro bom gestor, Edvaldo Nogueira, foi afastado antes da disputa, pela fama de não cumprir “acordos”.

Entenderam? “Acordos” entre aspas...

O povo, ao seu modo, entendeu que está fora do orçamento público. No segundo turno, Rogério Carvalho não perdeu pelas alianças que fez. Não! Perdeu porque a versão disseminada, foi a dele ter destruído a saúde. Pegou! Rogério limitou-se a dizer que era o nome de Lula. Brigou por isso. O povo queria gestores.

A minha tese foi comprovada em Pernambuco. Raquel Lyra derrotou a neta de Arraes, apoiada por Lula, pela máquina e pelo PT, com a boa imagem de gestora. Ela foi Prefeita de Caruaru por duas vezes, com grande sucesso. Semelhante a experiência de Valmir em Itabaiana.

O governador eleito Fábio Mitidieri está cercado de comensais. O seu sucesso depende desse obstáculo. A chamada nova geração, tanto pode mudar e realizar um governo a serviço da sociedade, ou pode permanecer sob o domínio dos conchavos e acomodações.

Sergipe precisa de uma imprensa livre, pelo menos parcialmente. Se as análises políticas, de uma boa parte dos jornalistas, permanecerem previamente contra ou a favor, dependendo de quem pague a conta, dos interesses da politicagem, estamos perdidos.

Quem poderá se constituir como força política, a partir de 2023?

Enxergo 4 possibilidades:

1. O grupo no governo, liderado por Fábio Mitidieri, por razões óbvias;

2. Edvaldo Nogueira, prefeito da Capital, permanecendo como bom gestor;

3. Valmir de Francisquinho, líder no agreste, permanecendo a boa gestão em Itabaiana e mantendo a influencia nos demais municípios da região;

4. O PT, mesmos saindo fragilizado em Sergipe com a derrota eleitoral, vai governar o Brasil.

Não enxergo viabilidade política em Sergipe dos grupos bolsonaristas. A base de extrema direita é grande, mas muito heterogênea. E os líderes não pensam em Sergipe.

A superação desse azedume maniqueísta, do fanatismo, do fake news, do ódio e da violência depende da mudança dos paradigmas político. Os novos líderes precisam entender que o poder publico precisa de boa gestão, transparência e planejamento.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - MARIETA BARBOSA


 Gente Sergipana – Marieta Barbosa.

O Conselho Estadual de Educação prestou uma justa homenagem à professora Marieta Barbosa. Uma vida dedicada a educação.

Marieta sonhou mudar o mundo. Acreditou que o socialismo era uma utopia possível. Acreditou no fim das desigualdades sociais, da violência e da intolerância, sobretudo, acreditou que a educação era o caminho.

Não usou o talento e o conhecimento para amealhar fortuna. Não fez da educação um rendoso negócio. Empenhou-se em melhorar a escola pública.

Conheci Marieta Barbosa menina, aluna do saudoso Colégio Arquidiocesano, do monsenhor Carvalho. Em plena ditadura, esse colégio de padres era um exemplo de cidadania. Foi lá que abrigaram-se os alunos expulsos pelo governo militar dos colégios públicos, em Aracaju.

O monsenhor Carvalho acolhia a todos, era um educador moderno. Mesmo obediente a uma diocese conservadora, ele zelava pela liberdade no colégio. Foi lá que eu conheci Marieta, como professor de ciências e biologia.

Marieta, ainda menina, já era ativa, personalidade forte, nariz arrebitado e já envolvida num movimento de rebeldia juvenil dentro do colégio. Chegaram a publicar um jornalzinho.

Nasceu ali uma amizade de mais de meio século. Quando comecei namorar Betânia, minha esposa, por coincidência amiga de Marieta, a minha sogra só permitia as saídas, acompanhados de Marieta, que inspirava confiança nos mais velhos.

Marieta casou cedo! Pensamos: perdemos uma guerreira. Nada! Marieta continuou envolvida. Sempre comprometida em defesa dos excluídos. Vi os filhos de Marieta engatinharem (Lucas e Bruno).

Ontem, na solenidade, em seu discurso de alma aberta, ela revisitou a sua longa e profícua vida, recheada de realizações e emoções. Não vou cansá-los com a transcrição. Creio que o discurso tenha sido gravado e, em breve, se tornará público.

Ficamos emocionados com a firmeza de Marieta na solenidade. No momento, ela enfrenta uma tempestade ameaçadora à sua sobrevivência. Mesmo assim, não abriu mão da luta e dos sonhos.

Fronte erguida, diante dos familiares, amigos, admiradores e colegas de trabalho, Marieta teceu um hino à vida, dentro dos limite da condição humana.

Encerou dizendo que se soubesse cantar, a canção escolhida seria a de Violeta Parra: “Gracias a la vida/ Que me ha dado tanto/ Me ha dado la marcha/ De mis pies cansados/ Con ellos anduve/ Ciudades y charcos/ Playas y desiertos/ Montañas y llanos/ Y la casa tuya/ Tu calle y tu patio.”

Uma canção dos tempos da esperança.

Marieta Barbosa é um exemplo de humildade e grandeza. O meu respeito e admiração são eternos.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

GENTE SERGIPANA - REGES MEIRA

Gente Sergipana - Reges Almeida Meira (72 anos)
(por Antonio Samarone)

Natural de Itabaiana, nascido em 17 de novembro de 1950. Filho de Pedro da Jabá e dona Zuzu, neto de Joãozinho de Norato e dona Melinha.

Em 1957, por desavença política com Euclides Paes Mendonça, para evitar perseguições, Pedro da Jabá mudou-se com a família para Aracaju. Foi o passo decisivo, pois em Aracaju estabeleceu-se na Rua Santa Rosa e virou o rei da jabá, tornando-se o único importador no Estado.

Pedro da Jabá virou um homem rico, compôs uma geração de itabaianenses que dominou o comércio de Sergipe desde a década de 1950 (Pedro Paes Mendonça, Mamede Paes Mendonça, Gentil Barbosa, Oviedo Teixeira, Albino Silva da Fonseca; Noel Barbosa, Zé de João de Rola).

Reges Meira viveu uma adolescência de filhinho de papai, tendo de tudo. Isso não o fez descuidar dos estudos. Fez o primário no Colégio Dom José Thomaz; o ginásio no Jackson de Figueiredo e o científico no Ginásio de Aplicação.

Em 1970, Reges Meira entrou na Faculdade de Medicina de Sergipe, e para surpresa de Aracaju, ganhou um “dodge dart” amarelo de presente.

Nos primeiros períodos decidiu acompanhar o Dr. Oswaldo Leite no serviço de radioterapia. Aprendeu muito com a experiência do velho mestre. Quando se formou em 1975, Reges Meira foi fazer residência médica em radioterapia (3 anos), no Sírio Libanês em São Paulo, no serviço do renomado professor Mathias Octávio Roxo Nobre.

Após a residência médica, o Dr. Reges Meira foi administrar o serviço de radioterapia do Hospital de Cirurgia. Isso durou de 1977 à chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores. em 2009. O contrato do SUS com a radioterapia do Cirurgia foi rompido unilateralmente.

Reges Meira ficou sem condições de continuar exercendo as suas funções no hospital. Para sobreviver, foi fazer medicina no PSF de Campo do Brito, Frei Paulo e Carira.

Dr. Reges Meira foi Presidente da SOMESE.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

MÉDICOS E LOUCOS


 Médicos e Loucos.
(por Antonio Samarone)

A “loucura” do Dr. João Vieira Leite.

Um caso tenebroso da medicina, no início do século XX: o tratamento da “loucura” do Dr. João Vieira Leite, médico e Governador de Sergipe (por poucos dias).

O Dr. João Viera Leite é filho do Coronel Sisenando de Souza Vieira e D. Adelaide Leite Vieira, nascido no engenho São Félix, cidade de Santa Luzia do Itanhy, a 04 de setembro de 1867. Irmão do famoso médico Dr. Berílio Leite, que fez história na Estância.

Dr. João Vieira Leite colou grau em medicina pela Faculdade da Bahia, em 27 de outubro de 1890, defendendo a tese “Apreciação dos métodos operatórios gerais adotadas na operação cesariana”.

Em seu retorno à Sergipe, montou a sua clínica na praça da Matriz em Estância, sendo bastante aceito. Foi diretor e grande benfeitor do Hospital Amparo de Maria.

Entre seu retorno a Sergipe em 1890 e 1901, o Dr. João Vieira teve carreira meteórica como médico e como político. Um personagem destacado da vida sergipana.

Foi Intendente municipal em Estância (Prefeito), Deputado Estadual nas legislaturas 1894-95, 1896-97, Presidente da Assembleia Legislativa, e nessa condição, Governador de Sergipe por 44 dias, após a deposição de José Calazans (1894).

Até quando ocorreu uma grande tragédia: o Dr. João Vieira, ainda moço, com apenas 35 anos, começou a apresentar um comportamento “estranho”, “esquisito”, o que não demorou muito tempo para que a comunidade suspeitasse de que o facultativo estivesse ficando maluco. E nessa condição de louco, foi levado à força, pela família, para o Rio de Janeiro, em busca de tratamento.

O Dr. João Vieira resistiu a ida para o Rio de Janeiro. Não houve acordo. O ex-governador de Sergipe foi apeado numa camisa de força e, sob intensa violência, embarcado para a sua última viagem.

Durante a viagem, que durava de cinco a oito dias, o Dr. João Vieira foi enclausurado num apertado compartimento do “Vapor Manaus, da Cia. Esperança Marítima”, transformado em solitária. João Vieira reagiu a repressão insana.

Após muita violência, tortura física e mental, de bater-se insistentemente com cabeça nas paredes, de muita luta para liberta-se, muita automutilação. João Vieira, médico, governador de Sergipe, foi abatido pelas práticas psiquiátricas da época.

Em 21 de janeiro de 1902, nas proximidades do porto de Vitória, no Espírito Santo, antes de chegar ao seu destino no Rio de Janeiro, o Dr. João Vieira não resistiu aos sofrimentos e faleceu de forma absurda, resistindo à violência da internação e lutando por liberdade.

Dr. João Vieira Leite, um esquecido mártir da psiquiatria.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

ARACAJU, A SULTONA DAS ÁGUAS


Aracaju, a sultana das águas.
(por Antonio Samarone)

Aracaju tem uma história marcada pela rebeldia política.

Nas primeiras eleições depois da ditadura do Estado Novo (1945), Luiz Carlos Prestes foi o senador mais votado em Aracaju e o desconhecido Yedo Fiuza (PCB), o mais votado para Presidente da República.

Na década de 1960, Aracaju acordava todo 03 de janeiro com um foguetório. Era o aniversário do Cavaleiro da Esperança.

Aracaju derrotou o PSD dos coronéis em 1954, com Leandro Maciel, elegeu José Conrado de Araújo Prefeito, em 1959.

Aracaju elegeu para o Senado, o médico Gilvan Rocha em 1974, o mineiro Eduardo Dutra em 1994 e o gaúcho Alessandro Vieira em 2018. Aracaju sempre votou livremente e quase sempre de forma rebelde.

Em 1985, Aracaju deu a Jackson Barreto a maior votação do Brasil, para Prefeito. Consagrou Marcelo Déda Prefeito pelo voto, em 2000.

Aracaju elegeu o pão-de-açucarense Edvaldo Nogueira Prefeito, por três vezes.

No segundo turno da ultima eleição, Aracaju voltou a surpreender: Elegeu Lula e derrotou o candidato a governador do PT. Não é fácil explicar a elevada votação de Fábio Mitidieri em Aracaju. Vários políticos apareceram querendo ser o pai da criança.

O senso comum atribuiu a vitória à máquina (estado e prefeitura). Não acredito! O eleitorado de Aracaju já votou várias vezes contra a máquina. Claro, a máquina pesa, mas não é suficiente.

O que sinto é que o envolvimento direto do atual prefeito de Aracaju, na linha de frente da campanha, legitimado pela boa gestão, teve um peso decisivo. Em Aracaju, mesmo os adversários, reconhecem a qualidade da gestão da cidade.

O que falta a Edvaldo de carisma, sobra em competência administrativa. Claro, a atual gestão precisa melhorar, se modernizar, abrir-se a participação da sociedade, colocar as questões ambientais e culturais na ordem das prioridades e redefinir a mobilidade.

O atual modelo de mobilidade vem da primeira gestão de João Alves (1978). São quase 50 anos.

Em Aracaju, a cultura é relevante, tem tradição, não pode ser um apêndice.

Aracaju é cercada por rios poluídos. Ou se enfrenta essa questão, ou a qualidade de vida e o turismo padecem. A praia formosa fede a enxofre, não suporta as toneladas de resíduos “in natura”, ali derramados.

A DESO cobra caro para tratar o esgoto, mas não cumpre com a sua responsabilidade.

Votei no primeiro turno em Valmir e no segundo em Rogério (PT). Entretanto, torço para que a nova geração que está chegando ao poder, nos livre dos traumas das últimas gestões.

Sergipe precisa de gestão de qualidade, para voltar a se desenvolver.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O JIHADISMO VERDE E AMARELO

 O jihadismo verde e amarelo.
(por Antonio Samarone)

As portas dos quartéis estão tomadas por pessoas pedindo um golpe, uma ditadura. Quem é essa gente? É um partido político, um sindicato, um movimento, uma seita?

Em que eles acreditam? Vão além da política? É uma nova seita, um culto? Claro, tem uma inspiração neofascista, mas isto só não explica tudo.

Por enquanto é um movimento de extrema direita, diferente do Ku Klux Klan e dos Supremacistas Brancos, nos EUA. No Brasil, eles se consideram “patriotas”, com tudo de negativo que o conceito significa. São “patriotas” dispostos a tudo: morrer ou matar pela causa. Qual é a causa?

São negacionistas? São os mesmos que negavam a vacina, o distanciamento social, defendiam o tratamento preventivo, rejeitavam as máscaras e que agora negam as eleições, os poderes constitucionais, o TSE e o STF? O que eles pensam?

Uma constatação: existe uma profunda dissonância cognitiva.

Eles acreditam em seus desejos, por mais absurdos que pareçam. É um negacionismo eleitoral, na mesma linha do negacionismo da vacina. Eles acreditam que o Alexandre de Moraes foi preso, que existe um golpe em andamento, que as forças armadas podem fechar o país e que estão chegando os contêineres com as armas. É o chamado terraplanismo.

A pergunta continua sem respostas: quem são os manifestantes que pedem abertamente uma ditadura? Quantos são e a quem representam? Ainda existe uma direita democrática, que aposta na democracia?

É uma direita religiosa de jihadistas tupiniquins, centrada nos princípios integralistas: “Deus, Pátria, Família e Liberdade?

É uma seita milenarista esperando um milagre, que algo grande está para acontecer. Na verdade, eles estão descolados da realidade.

Os símbolos fascistas entram aos poucos, como se fossem uma transgressão engraçada, uma rebeldia aceitável. A saudação romana já é praticada abertamente. Deixou de ser uma direita envergonhada, perdeu o pudor.

Chama a atenção, a ausência nas manifestações dos camisas amarelas, dos deputados e senadores recém eleitos. Ninguém aparece, nem os que fizeram discursos políticos radicalizados durante a campanha.

Eles não assumem a defesa de um golpe. O radicalismo era apenas eleitoral. Eles são muito apegados aos mandatos, têm pessoalmente o que perder.

Durante a campanha eleitoral, a disputa pela bandeira bolsonarista foi intensa. Cada um se apresentava como sendo os verdadeiros bolsonaristas.

Os políticos eleitos em Sergipe com a bandeira da extrema direita, estão em silêncio sobre as manifestações dos camisas amarelas. Não sabem se ganham ou perdem prestígio envolvendo-se na defesa do golpe.

As motociatas no interior do Brasil foram treinamentos para essas manifestações. Esse movimento nem é espontâneo, nem começou agora e está sendo regiamente financiado. Em Sergipe, todos sabem quem paga a conta do golpismo.

A questão não é só política, transcende, e mostra-se como um problema de Saúde Pública. Ninguém marcha, canta hinos militares, presta continência a um pneu, somente por insatisfação política. Assuma-se ou não, a histeria coletiva é visível.

A vitória de Lula ameniza politicamente, mas, além de não resolver a polarização tóxica, fortalece o subterrâneo das teorias conspiratórias. A extrema direita no Brasil é uma ideologia militante que tem bases na sociedade.

Lula fará um governo sequestrado pelo congresso, poder judiciário, tutela militar, mercado e mídias corporativa. A grande imprensa fará um jornalismo de guerra, contra o futuro governo.

Mesmo fazendo um governo moderado, Lula enfrentará uma resistência irracional dos camisas amarelas. O governo será sabotado!

A força de Lula é o seu prestígio internacional. As tarefas são o cumprimento imediato das promessas da campanha, o desarmamento das milícias e a desbolsonarização das instituições, sobretudo das forças de segurança.

Não se governa com o cutelo no pescoço.

Não existe acordo possível. O Brasil continuará dividido. A divergência principal ficou clara nessas manifestações: é entre democracia ou ditadura! Mesmo sendo uma democracia tutelada, desigual, limitada, não podemos aceitar a violência com forma de convivência.

Esses “patriotas” são os chamados “cidadãos de bem” que saíram do armário, é a antiga maioria silenciosa, que não aceitam a inclusão social. Eles acreditam que lutam pelo Brasil.

O paradigma dos patriotas é de alguém que pode morrer ou matar por suas crenças. O exemplo do meme do patriota abraçado ao para-brisa do caminhão é perfeita. Estes “patriotas” não irão desaparecer com a vitória de Lula.

A reivindicação de golpe pode ou não ser atendida agora. Os militares estão avaliando a viabilidade. Independente, a militância negacionista continuará, com novas pautas.

Concordo com a carta aberta de Boaventura de Souza Santos: o principal objetivo da extrema direita no Brasil é impedir que o Presidente Lula termine pacificamente o seu mandato.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

UMA CONVERSA INDIGESTA

 Uma conversa indigesta.
(por Antonio Samarone)

O Brasil envelhece rapidamente. Entre as consequências, a demência, isto é, a perda da memória, é a mais relevante. Em casos avançados, esquecemos quem somos, ou seja, a gente não se reconhece.

Entenderam? A gente experimenta a morte ainda em vida.

Não estamos preparados para o envelhecimento, a família não sabe cuidar dos seus dementes e o Sistema de Saúde não oferece cuidados para os velhos. O Brasil não reconhece o problema, não está em pauta.

Mesmo sem relação social, sem fala, sem vontades, sem reconhecimento, o carinho da família e dos cuidadores ainda é percebido. O afeto, o carinho, o respeito consola a alma, reduz o sofrimento, alivia a existência. A medicina apenas alivia os sofrimentos físicos, geralmente com efeitos colaterais.

O demente é o que se chamava antigamente de esclerosado. Um grave problema de Saúde Pública, mas não está na pauta. O problema é estigmatizante, ninguém assume, nem a vítima, nem a família.

Mesmo sem doenças, o próprio envelhecimento reduz a nossa memória, apequenando a capacidade cognitiva. O Alzheimer, uma doença incurável e que não existe prevenção, é a causa mais frequente das demências.

O Alzheimer pode durar até vinte anos. As pessoas mais cultas, mais inteligentes, apenas demoram a perceber a doença. Os outros é quem percebe, com a tradicional sentença: fulano não é mais o mesmo, está irreconhecível. Você também deixa de reconhecer os íntimos: quem é?

Não é fácil reconhecer que estamos precisando de ajuda, encontrar quem vai cuidar da gente, decidir se vale a pena continuar vivendo. Quem vai nos representar quando perdermos a autonomia, quando virarmos uma samambaia.

Alimentação saudável e exercícios físicos servem para prevenir todos os riscos, de todos os males, não evita a demência, mas retarda. Seremos dementes saudáveis. Mesmo sem outras doenças, o Alzheimer atrofia o cérebro e torna a vida inviável. É a morte a longo prazo.

Ia esquecendo, a teimosia, a meditação, novos aprendizados ajudam no enfrentamento das demências. Antes que vocês perguntem, o que diabo é meditação? Simples, é ficar um tempo sem pensar, experimentando as sensações, deixando a mente desocupada, para o descanso do cérebro.

Claro, se a gente mantém o cérebro em atividade, experimentando novos aprendizados (participar de um coral, aprender música, línguas estrangeiras, escovar os dentes com a mão esquerda, andar para trás), retarda as demências. Não impede, mas empurra com a barriga.

Participo de uma confraria que se reúne semanalmente, onde se pode contar a mesma historia varias vezes, nem você se lembra que já contou, nem outros se lembram que já ouviram. A reunião é um exercício para a memória.

A depressão, frequente na velhice, geralmente por crise existencial, apressa as demências. A gente descobre que os nossos sonhos não aconteceram e que o tempo está acabando. A passividade domina a vida. Reaja, vamos procurar fazer coisas novas. Mesmo tarefas prosaicas: um amigo está cuidando dos gatos de rua.

Sei que essa conversa incomoda muita gente, que prefere não abordar esses assuntos. Lamento, não podemos jogar os problemas embaixo do tapete.

“Se você não concordar, não posso me desculpar, não canto para enganar, vou pegar a minha viola e vou tocar em outro lugar.” – Vandré.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

UMA CONVERSA INDIGESTA


Uma conversa indigesta.
(por Antonio Samarone)

O Brasil envelhece rapidamente. Entre as consequências, a demência, isto é, a perda da memória, é a mais relevante. Em casos avançados, esquecemos quem somos, ou seja, a gente não se reconhece.

Entenderam? A gente experimenta a morte ainda em vida.

Não estamos preparados para o envelhecimento, a família não sabe cuidar dos seus dementes e o Sistema de Saúde não oferece cuidados para os velhos. O Brasil não reconhece o problema, não está em pauta.

Mesmo sem relação social, sem fala, sem vontades, sem reconhecimento, o carinho da família e dos cuidadores ainda é percebido. O afeto, o carinho, o respeito consola a alma, reduz o sofrimento, alivia a existência. A medicina apenas alivia os sofrimentos físicos, geralmente com efeitos colaterais.

O demente é o que se chamava antigamente de esclerosado. Um grave problema de Saúde Pública, mas não está na pauta. O problema é estigmatizante, ninguém assume, nem a vítima, nem a família.

Mesmo sem doenças, o próprio envelhecimento reduz a nossa memória, apequenando a capacidade cognitiva. O Alzheimer, uma doença incurável e que não existe prevenção, é a causa mais frequente das demências.

O Alzheimer pode durar até vinte anos. As pessoas mais cultas, mais inteligentes, apenas demoram a perceber a doença. Os outros é quem percebe, com a tradicional sentença: fulano não é mais o mesmo, está irreconhecível. Você também deixa de reconhecer os íntimos: quem é?

Não é fácil reconhecer que estamos precisando de ajuda, encontrar quem vai cuidar da gente, decidir se vale a pena continuar vivendo. Quem vai nos representar quando perdermos a autonomia, quando virarmos uma samambaia.

Alimentação saudável e exercícios físicos servem para prevenir todos os riscos, de todos os males, não evita a demência, mas retarda. Seremos dementes saudáveis. Mesmo sem outras doenças, o Alzheimer atrofia o cérebro e torna a vida inviável. É a morte a longo prazo.

Ia esquecendo, a teimosia, a meditação, novos aprendizados ajudam no enfrentamento das demências. Antes que vocês perguntem, o que diabo é meditação? Simples, é ficar um tempo sem pensar, experimentando as sensações, deixando a mente desocupada, para o descanso do cérebro.

Claro, se a gente mantém o cérebro em atividade, experimentando novos aprendizados (participar de um coral, aprender música, línguas estrangeiras, escovar os dentes com a mão esquerda, andar para trás), retarda as demências. Não impede, mas empurra com a barriga.

Participo de uma confraria que se reúne semanalmente, onde se pode contar a mesma historia varias vezes, nem você se lembra que já contou, nem outros se lembram que já ouviram. A reunião é um exercício para a memória.

A depressão, frequente na velhice, geralmente por crise existencial, apressa as demências. A gente descobre que os nossos sonhos não aconteceram e que o tempo está acabando. A passividade domina a vida. Reaja, vamos procurar fazer coisas novas. Mesmo tarefas prosaicas: um amigo está cuidando dos gatos de rua.

Sei que essa conversa incomoda muita gente, que prefere não abordar esses assuntos. Lamento, não podemos jogar os problemas embaixo do tapete.

“Se você não concordar, não posso me desculpar, não canto para enganar, vou pegar a minha viola e vou tocar em outro lugar.” – Vandré.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - MOZART FONSECA


 Mozart Fonseca de Oliveira (94 anos) – Gente Sergipana.
(Por Antonio Samarone)

Mozart é um Itabaianense de quatro costado, filho do rábula Antonio Agostinho e sobrinho de João Pereira, único ceboleiro que alcançou o generalato no Exército brasileiro.

Casado com Lourdes Oliveira, minha professora de desenho no Murilo Braga. Tínhamos aulas de música e desenho no Ginásio. Não aprendi por desleixo, más as professoras eram competentes.

Seu Mozart foi um comerciante bem-sucedido nos ramos de padaria e autopeças. Ele sucedeu a Aurelino Paes Mendonça na padaria e depois vendeu a Heleno Bacalhau. Seu Mozart apresentou um programa cultural na rádio Princesa da Serra, por muitos anos.

Mozart Fonseca um homem polido, culto e portador da virtude da paciência.

Mozart Fonseca foi o eterno Presidente da Associação Olímpica de Itabaiana nos tempos de glória, na época do penta campeonato. Zé Queiroz e Mozart Fonseca comandavam o tricolor as serra, nos anos de vitórias.

Seu Mozart é um fidalgo, um gentleman, coisa rara em Itabaiana, uma terra de rústicos e gente cascuda.

Ontem, Seu Mozart compareceu à reunião da Confraria de Itabaiana. Memória perfeita, bom humor, uma presença que nos envaidece.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

QUE A TERRA LHE SEJA LEVE

 Que a terra lhe seja leve!
(Antonio Samarone)

A velhice chegou para o professor Antunes. Não adiantou esconder a idade, pintar os cabelos, fazer plásticas, comida natural, Yoga, meditação, não sair das academias, se achar com o “espírito Jovem”.

O choque foi grande, Antunes não se preparou para a morte e ela bateu a sua porta sem anunciar. O espelho começou mostra-lhe as rugas, pelancas e olhos fundos. Uma dor chata nas costas, tosse e expectoração sanguinolenta.

Procurou um amigo médico, colega da noite, e a suspeita foi terrível: “Antunes, tudo indica que o seu caso é grave, procure um oncologista.” E não deu outra, a biopsia constatou: câncer de pulmão.

Antunes desabou emocionalmente. Sempre soube que se morria, mas nunca suspeitou que fosse com ele. Não gostava nem de tocar nesse assunto.

Antunes sonhava em morrer de repente, para não sofrer e nem dar trabalho aos outros. Ocorre que somente 10% dos humanos recebem essa dádiva. Os 90% restante, morrem sofrendo e dando trabalho, muito trabalho.

O professor Antunes ensinava matemática na rede pública. Nunca casou, envelheceu borboletão. Não foi o que você pensou, Antunes gostava de gente, sua relação de amigos, ex alunos, colegas de profissão era numerosa.

Antunes só não era chegado aos parentes, gente pobre, que ele antevia apenas interesses e falsidades. Queriam se aproveitar da sua boa vida, apartamento pago, nome limpo na praça. Acho até que tinha um carrinho de passeio.

Antunes morava no Augusto Franco, um bairro perto de tudo e cheio de atrativos sociais. Eu conheci o professor Antunes no bar de Zé Buraqueiro, na feira do Augusto Franco. Torcedor do Confiança e do Vasco.

Antunes pertencia a legião dos festeiros superficiais, um homem de baladas. A farra não precisa de motivação, basta o tempo livre. Sempre seguiu atrás de qualquer trio elétrico.

Antunes não sabia que morrer no Brasil era um castigo duplo. A assistência aos pacientes terminais é uma das piores do mundo, agrava os sofrimentos. Mesmo o que sujeito tenha como comprar os serviços, eles não são bons.

A fralda aproxima os destinos entre ricos e pobres.

O maior sofrimento de Antunes foram os 97 dias agonizando, sofrendo, sem esperança, só esperando a hora. Antunes foi internado para morrer num hospital mais ou menos. Com prestigio e apadrinhamento, conseguiu um leito pago pelo IPES.

Entretanto, sem minimizar o sofrimento físico, o emocional foi maior: Antunes não recebeu nenhuma visita nos 97 dias de martírio, ninguém teve tempo de visitá-lo. Nem mesmos aqueles chatos, que vão visitar só para sair alarmando que o acamado está mau, sair dizendo o fulano morre a qualquer hora.

Antunes, por coincidência, morreu no sábado do Pré-Caju.

Antunes não recebeu um padre, um pastor, uma freira, parentes (esses ele não queria), amigos, nada! Antunes morreu só, dando muito trabalho e não recebendo os cuidados merecidos por qualquer cristão.

Visitar os doentes é uma obrigação cristã esquecida, quase em desuso! Só os moribundos importantes conseguem essa graça. Parece que a Pandemia afastou as visitas.

No velório até que apareceu gente, mas de nada adiantava. Os comentários eram unânimes: morreu tão jovem! Na verdade, Antunes parecia jovem, mas já se aproximava dos 70 anos. Não se soube de nenhuma lágrima, não foi pranteado.

Antunes foi sepultado no São João Batista, numa tarde calorenta. Quando o coveiro fechou a sepultura, com a massa do cimento ainda mole, perguntou o nome completo do defunto para registrar, ninguém sabia ao certo, uns diziam que era Antunes Santos outros que era Antunes Souza.

Na dúvida, ficou registrado: “aqui jaz professor Antunes.”

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

GENTE SERGIPANA - GUSTINHO

Gente Sergipana – Gustinho
(por Antonio Samarone)

No inicio da década de 1960, Gustinho, Tavinho e Chupeta engraxavam sapatos no canteiro defronte a Prefeitura de Itabaiana. Meninos pobres e travessos, que tinham em comum o talento para o futebol.

Gustinho, José Augusto Bispo dos Santos, tinha o futebol no DNA. Sobrinho de dois craques consagrados, Debinha e Evangelista. Apenas Gustinho, fez carreira bem sucedida no futebol.

O pai de Gustinho, Joãozinho Baú, era um mestre sapateiro, especialista em bolas de futebol e chuteiras. Antes das chuteiras Olé, o chique era calçar uma chuteira da lavra de Joãozinho Baú.

Gustinho nasceu em Itabaiana, em 09 de março de 1949.

Gustinho foi um artista da bola. Nunca frequentou escolinhas, nasceu sabendo. Aperfeiçoou nas peladas de rua. Foi titular do meio de campo do Itabaiana por mais de 20 anos, tem parte na glória do futebol itabaianense.

Gustinho, Zequinha e Bené formaram o melhor meio de campo da historia do futebol sergipano. Tudo bem, concordo que Ailton, Zé Pequeno e Naninho disputam essa mesma glória.

Além de boleiro, Gustinho é um grandes contador de histórias. Dos que eu alcancei em Itabaiana, Gustinho, Fred de Etelvino e Terêncio de Vieira Lima foram os campeões das resenhas, dos causos, das piadas, das gozações, das ironias, sarcasmos e irreverências. São formadores da cultura itabaianense.

Gustinho é um grande “showmen”!

Onde Gustinho senta, logo junta gente para ouvi-lo. Ele é a memória humorística da comunidade. Sabe contar causos, imita vozes, gestos e chistes. Gustinho é um mestre em narrativas orais, na cultura falada.

Por sorte, recentemente encontrei-o em Itabaiana e parei para ouvi-lo. Rapidinho, recordei histórias antigas e ouvi novas. Ele continua criativo e engraçado.

Minha homenagem ao talentoso Gustinho, um poeta da bola e um craque da prosa.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)