quinta-feira, 30 de novembro de 2023

PENSAR ITABAIANA (2)


 Pensar Itabaiana (2) .
Por Antonio Samarone.

A historiadora Thetis Nunes, defendia que a virada de Itabaiana de província agrícola para um próspero entreposto comercial, ocorreu no inicio da década de 1950, com a criação do Ginásio Murilo Braga e a chegada da BR – 235.

Antes, de relevante no campo educacional, Itabaiana só possuia o Grupo Escolar Guilermino Bezerra (1936/37).

Em 1953, saiu a primeira safra de formados no Ginásio Murilo Braga.

Em 1950, Itabaiana possuia uma população de 35.987 habitantes, sendo que 80% vivia na zona rural. Na cidade mesmo, moravam um pouco mais de 5 mil habitantes.

Antes de continuar a leitura, observe o mapa acima, encontrado nas publicações de José de Almeida Bispo.

O açude da Macela é de 1953.

O mapa diz quase tudo, da realidade urbana de Itabaiana. Rua estreitas, mal cuidadas, um casario pobre, dominado pelas “casas de rancho”, usadas pelos proprietários apenas nos dias de feiras e nas festas religiosas.

Somente em 1948, foi criada a Associação Atlética, o primeiro clube social da cidade. Lembro-me do conflito, quando a Atlética implantou os bailes com luz negra. Credo em cruz!

Em 1949, criou-se um Gremio Literário e Esportivo (GLEI), em Itabaiana.

A Paróquia de Santo Antonio estava sob o comando, desde 1939, do Padre udenista, Eraldo Barbosa. Ele ficou em Itabaiana até 1954 e iniciou a construção da Maternidade São José e do Cine Teatro Santo Antonio. ( o cinema do Padre).

Em 1955, assumiu a Paróquia de Itabaiana o Padre Arthur Moura Pererira, um cura de viés iluminista. Que no final, deixou a batina para se casar.

O envolvimento apaixonado do Padre Eraldo na política local, aliado de primeira hora de Euclídes Paes Mendona, apressou a sua transfêrencia de Itabaiana.

O historiador Carlos Mendonça, cita um panfleto distribuído pelo padre Eraldo, dias antes das eleições de 1954, nas missas da igreja de Itabaiana: (o fake news vem de longe).

“É pecado mortal votar com Jason Correia, Manoel Teles e Edélzio, porque estão com os comunistas e os divorcistas, Partidos condenados pela Igreja.” (os cadidatos citados no panfleto são do PSD, adversários de Euclides em Itabaiana).

Euclídes Paes Mendonça deve muito, políticamente, a militância do Padre Eraldo.

No inicio da década de 1950, predominava em Itabaiana a cultura das Sacristias. Fora, só a música, com a centenária Filarmônica e a fotografia de Miguel Teixeira, Joãozinho retratista e Percilio Andrade.

Em 1950, Itabaiana inaugurou um matadouro e um quartel de polícia. A Urbe começava a se enfeitar.

Entretanto, o fato maior foi político: Euclídes Paes Mendonça assumiu a Prefeitura e iniciou uma grande reforma urbana. Alargou ruas, abriu novas, pissarou as estradas vicinais, aterrou tanques e lagoas, distribuiu lotes para quem quisesse vir morar na cidade.

Euclídes trouxe postos de gasolina, agências de automoveis e construiu até um campo de aviação.

Nesse inicio de 1950, os primeiros caminhões começam a chegar em Itabaiana. A CIBRAZEM é de 1959. Em janeiro de 1957, chegou a luz elétrica de Paulo Afonso. Só sabe a importância, quem viveu no escuro, à luz do candeeiro.

Nesse períodos os tabaréus de Itabaiana dominaram as redes de supermercados (recém inventados) da Bahia, Paes Mendonça, de Pernambuco, o Bom Preço, e de Sergipe, com o G. Barbosa.

Albino Silva da Fonseca, tabaréu do Pé do Veado, montou as primeiras granjas, fogão á gás, água mineral, fábrica de biscoitos e a rádio Liberdade.

Não esqueci de Oviedo Teixeira, é que o espaço é curto.

Euclides preparou Itabaiana para a nova realidade econômica: a chegada do capital mercantil. Os artesões (sapateiros, alfaiates, marceneiros) quebraram, com a chegavam dos produtos industrilizados, em oferta na rede de lojas que brotavam.

A zona urbana, a cidade, dobrou a sua população entre os censos de 1950 e o de 1960. A cidade cresceu para 11 mil habitantes. Uma explosão demográfica.

No incio da década de 1950, o capitalismo, em sua forma mercantil (comércio e transportes), chegaram à Itabaiana.

Na década de 1950, se deu essa arrancada para a transformação de Itabaiana em polo comercial.

Euclides troxue até o macareme (1958), um canaval fora de época, sob influencia do frevo pernambucano, que depois virou a micarana, festa da música baiana.

No final de 1950, chegou o futebol de salão, na Praça da Feira.

Fefi, do Aranarinho Tem Tem, trouxe o Papai Noel para Itabaiana.

Papai Noel era um desconhecido dos meninos do Beco Novo. Eu vi Papai Noel pela primeira vez aos 14 anos, não achei graça.

O Bar Brasília de Zé de Herminio abriu as suas sete portas, com duas mesas de sinuca. Oferecia vitamina de banana e tody, com sanduíche de queijo do reino, para os remediados.

O radio sharp a pilha, envolvido em capa de couro, chegou à Itabaiana. Chegaram as calça lee e as de tergal, as camisas balloon e as volta ao mundo. Ainda não tinha os cabeludos.

O mundo LGBTqmais, limitava-se a João de Felipinho, Cidália e Uago. Depois explodiu.

Essa Itabaiana, do final da década de 1950, começava a sua modernização mercantil. Os tabaréus foram extintos. A divisão social entre praciantes e tabaréus perdeu o sentido. O capitalismo chega para todos.

Eu fui tabaréu de tamanco e ceroula. Nasci numa casa de rancho, no Beco do Ouvidor, vizinho tenda de Nivinha.

A escola pública me deu régua e compasso.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

PENSAR ITABAIANA (1)


 Pensar Itabaiana 

29 de novembro de 1949, há 74 anos, nasceu o Ginásio Murilo Braga. Nascia uma nova Itabaiana. Essa, que se transformou no maior polo de desenvolvimento de Sergipe. 

O Ginásio Murilo Braga e a BR - 235 (1953), foram as forças motrizes que iniciaram um novo ciclo econômico, onde saímos de uma fase agrícola, para a comercial, puxada pelos caminhões! 

Hoje, Itabaiana pensa novas alternativas!

sábado, 25 de novembro de 2023

CUBA LIBRE


 Cuba libre...
(por Antonio Samarone)

Aos 15 anos, a vida era simples. Eu desconhecia os livros. No Beco Novo, somente Beijo de Seu Bebé dos Passarinhos, poderia se considerar um leitor. As leituras de Benjamim pareciam pedantismo, para a nossa barbarie.

Quem me apresentou aos papiros, foram os amigos da Praça da Igreja. Meninos de classe média, que estudavam em Aracaju, ouviam a Radio Central de Moscou e a BBC de Londres.

Foi com eles que ouvi falar do comunismo e conheci uma delicia dos alimentos industrializados: o biscoito cream-cracker.

O pai de Tuca, comprava as latas de cream-cracker Aymoré, que eu conheci aos 15 anos, na casa dele. Escondi uns dois no bolso, para não passar por mentiroso no Beco Novo. Gente! Além dos bolachões de Zé Gordinho, existiam os brioches, cheguei me gabando.

Foi com os amigos ricos da Praça, que eu também conheci os livros. Como eu não queria ficar por baixo, passeie a frequentar a Biblioteca da Paróquia, que emprestava livros.

O meu primeiro choque, foi a leitura de Sidarta, de Hermann Hesse. Pura filosofia oriental. O personagem Sidarta, era amigo de Buda, o Sidarta Gautama. Sidarta era amigo de Jung, e fazia reveleçãoes desconcertantes. A felicidade estava na vida simples, em contato com a natureza.

Era preciso ouvir os rios. Nunca entendi, mas achava inteligente. Hoje entendo, que essas enchentes dos rios, invadindo cidades, desalojando gente, são os rios aborrecidos, por não serem escutados.

Antes de conhecer Marx, conheci Buda e a filosofia oriental.
Agora eu poderia entrar nas conversas com os amigos da Praça.

Dizia de boca cheia: eu estou lendo Sidarta. Como se sabe, Hermann Hesse teve grande influencia no movimento Hippie.

Eu nunca soube de Hippies em Itabaiana, mas tinha muitos simpatizantes cabeludos. Eu achava que quem usava calça Lee, as verdadeiras, compradas em São Paulo, eram hippies chick.

Duas coisas que os meninos da praça faziam, que nunca chegou para o meu bico: dançar e beber Cuba-libre.

Eu nasci com o complexo de desengonçado, nunca aprendi a dançar. E Cuba libre, uma mistura de Rum Montilla e Coca-Cola, estava fora do meu alcance.

Das coisas da Praça, ficaram os livros. Foram eles que me abriram às portas das Universidades.

Lembro-me vagamente que ainda li “O Lobo da Estepe”, uma denúncia da sociedade burguesa, mas não lembro-me de quase nada.

Li Hemann Hesse, escritor alemão, que recebeu o Nobel de Literatura em 1946, ainda na adolescência. Hoje, parece gabolice.

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

A VOLTA DA ALQUIMIA


 A volta da alquimia.
(por Antonio Samarone)

Fui a uma pequerna farmácia na Gameleira, em Aracaju, procurar por Elixir Paregórico. Nada, o rapaz nem sabia do que se tratava.

Depois decobri que se vende pela Internet.

Dor de barriga não dá uma vez só. Mamãe abusava do elixir peregórico. Esse milgroso remédio, não faltava em casa. A nossa dispensa era abastecida pelo Dr. Flodualdo, um prático em farmácia, que foi o meu pediatra. Não existia SUS.

Antes dos rémedios industrializados, os remédios vinham em forma de elixir, xaropes e laúdamos. Os remédios possuiam funções simbólicas e mágicas. Eram eficazes placebos.

Elixir Paregórico era uma tíntura de ópio camphorado, um fitoterápico, indicado para cólicas intestinais infantis, a famosa dor de barriga. A bula indicava 0,05 ml de tintura de Papaver somniferum L., equivalente a 0,05% ou 0,5mg de morfina [marcador]. Excipientes: ácido benzoico, canfora, essência de anis, álcool etílico e água purificada.

No grande Beco Novo, se cultivava a Papaver somniferum nos quintais, era chamada de dormideira. No quintal de dona Maezinha, a dormideira formava uma matagal.

Não se assustem, paregórico é sinônimo de calmante, no português arcaico. O ópio em pequenas doses é calmante.

O elixir paregórico é antigo, encontrado na farmacopeia de Londres, de 1721.

Hoje, a medicina anunciou a descoberta da verdadeira panacéia, um elixir da longa vida, que não deixa de ser paregórico. Os derivados da maconha é uma antiga novidade, milenar, promete felicidade e bem estar para todos.

A medicina de mercado, onde a principal evidência é o lucro, rompe as barreiras dos preconceitos. O bem estar não tem preço.

Maconha nas farmacias é muita cara, só para os do andar de cima.


O meu corpo apresentou sinais de desobidiência, insiste em retornar velozmente ao pó. Busco uma saída!

Perdi a confiança em meu corpo. Ele é quem decide quando deve cair e onde. Muitas vezes força a barra, cai por que qualquer escorregão.

Ele começou a doer só de pirraça.

Eu não subo em escadas, nem por ordem judicial.

O corpo não é mais a abominável veste da alma, como aprendi em minhas aulas de catecismo. Para a ciência o corpo é tudo, corpo e alma. Como eu não aceito esse derrocada, o meu corpo começou a sabotar-me.

Isso mesmo, o meu catecismo foi o de Trento (1563). A igreja católica em Itabaiana, seguia os ritos da Contra-Reforma, até o Vaticano II. Por isso, ainda insisto que possuo uma alma, quem sabe, até um velho anjo da guarda aposentado.

Deixando claro: eu não sei se a minha alma é imortal. Espero que seja. Ainda é uma alma analógica.

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

terça-feira, 21 de novembro de 2023

O ÚLTIMO MELANCÓLICO


 

O último melancólico. (por Antonio Samarone)

O meu amigo Lindolfo, apareceu no boteco de Zé Buraqueiro, na feira do Augusto Franco, com o aspecto soturno, triste, humor sombrio, possuido por uma melancolia ancestral. Ele queria saber o que a medicina tinha a dizer.

Queria uma explicação centrada na bioquímica. Porra, eu parei na alquimia.

Sei lá! A medicina científica não cuida dessas doenças, que fogem à lógica molecular. A melancolia foi extinta há mais de meio século. Melancolia era um excesso da bile negra, no paradigma humoral.

Os humores continuam existindo, mas perderam importancia, o parafigma humoral foi suplantado.

Há muito, Hipocrates foi banido das escolas médica. Ensinam apenas que ele é o pai da medicina, e ninguém se arrisca a perguntar o porquê. E se um ou outro perguntar, não encontrará uma resposta razoável.

A medicina, depois da publicação de Giovanni Battista Morgagni (De sedibus et causis morborun – 1761), afirmando que as causas das doenças estavam nos órgãos, esqueceu das doenças dos humores.

Em 1856, Virchov estaleceu o paradigma celular (a doença está célula); em 1991, com a sintese do genoma humano, o paradigama passou a ser molecular, a doença está no DNA. Só que, explicar isso a Lindolfo foi inútil, acentuou a sua melancolia.

Melancolia é uma doença da alma, não possui sede em nenhum órgão. Melancolia não é depressão. Não adianta procurar evidências materiais.

Para não gerar mal entendidos, estou chamando de alma a psique humana, globalmente, a parte consciente e a parte inconsciente. A natureza expressou a alma na fisionomia, no semblante. A fala não consegue esconder.

Lindolfo está com um semblante melancolico clássico, um semblante encontrado nos livros de Galeno. Ocorre que a melancolia foi extinta. Ninguem pode padecer de uma enfermidade extinta.

O corpo fala, manifesta as emoções e as paixões, as intenções ocultas. O rosto é o espelho da alma. Entre os séculos XVI e XVIII, essa verdade foi amplamente aceita. Só que já estamos no século XXI.

Eu tenho convicção: Lindolfo está melancólico. A medicina baseada em crenças, não deixa dúvidas. A melancolia não é captada pelos exames complementares, mesmos os exames de imagens, mais sofisticados.

Os bons atores, que dominam a arte de representar, controlam a musculatura da face, manifestando emoções diversas, mesmo sem sentí-las. Manifestam frieza, mesmo em momentos de ódio extremo.

Esconder emoções, ou mesmo invertê-las, é uma capacidade inata, mas, com treinamentos, pode ser apreendida. A fisionomia humana é uma fonte profunda de informações.

Entretanto, Lindolfo é um emotivo, desconhece a arte de representação dos atores e dos políticos. Lindolfo revela abertamente o que sente, na fisionomia.  

Talvez, Lindolfo seja o último melancólico. Por isso, pagará o preço da incompreensão dos médicos e dos charlatães.

Precisamos escolher doenças mais atuais.

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

domingo, 19 de novembro de 2023

O INCONSCIENTE COLETIVO E A RELIGIOSIDADE

 

O inconsciente coletivo e a religiosidade.
(por Antonio Samarone).

O inconsciente em Freud é de natureza pessoal. Em Jung, além do pessoal, ele descobriu o inconsciente coletivo, socialmente herdado, passando de geração em geração. Os conteúdos do inconsciente coletivo são chamados de arquétipos.

Os arquétipos são imagens de tempos remotos, representações coletivas que não foram elaboradas pela consciencia. O acesso aos arquetipos passou a ser realizado pelo inconciente digital, os bigdatas, e influenciados pelos mesmos.

Esta é a razão da eficácia das fakenews. Mesmo sendo mensagens racionalmente falsas, elas são dirigidas ao inconsciente coletivo, às profundezas da psique humana, Uma manipulção imediata e direta.

A recente canonização de Santa Dulce reascendeu os arquétipos da religiosidade em Itabaiana. O milagre foi lá. “As figuras do inconsciente coletivo sempre foram expressas através de imagens protetoras e curativas, e assim expelidas da psique para o espaço cósmico.” Jung

Santa Dulce se impõe, numa sociedade atavicamente religiosa. O arquetipo do milagre está no DNA e na alma. Acredita-se sem entender. A racionalidade humana é impotente para rejeitar os milagres, mesmo quando se diz, de boca para fora, que não se acredita.

A igreja católica, após o Vaticano II, eliminou vários símbolos dos cultos. A igreja quis impor uma racionalidade. O fim da missa tridentina fragilizou o catolicismo, pelo menos no Brasil. As missas foram esvaziadas. 
Entretanto, continuam fortes as manifestações de religiosidade coletiva: romarias, procissões, perigrinações, cultos de adoração em massa, etc. Os santúarios estão substituindo as catedrais, como local de fé.

Juazeiro do Norte e todo o Cariri continuam sendo movido pela fé em Padre Ciço. Um importante polo de desenvolvimento do Ceará.

Em breve, Itabaiana será um polo de atração religiosa, a cidade dos milagres. Os passos já estão sendo dados.

Como consequência, o “turismo” religioso será um novo polo de desenvolvimento. Com uma particularidade, a Serra também será redescoberta para o turismo ambiental.

O Parque dos Falcões ainda é pouco conhecido.

Nas proximidades da Serra será construído um monumental Santuário a Santa Dulce, o maior do Brasil. Além disso, será criado um pulmão verde, uma reserva de fato, talvez um Jardim Botânico.

O Parque Nacional da Serra de Itabaiana, uma idéia inconclusa, ainda precário, será finalmente posto em funcionamento, como Parque Nacional.

Itabaiana vive um surto de religiosidade, que parece consistente. Um energia brota do inconsciente coletivo daquela comunidade. O sintoma mais evidente é a força da filantropia, da eterna caridade.

A alma procura o Pai perdido. A tentativa de humanização do iluminismo não deu certo. O homem perdeu as raízes e retorna em busca do sagrado. A dessacralização da vida está sendo questionada.

O inconsciente coletivo não é percebido pela consciencia, individualmente, mas é herdado. Ele consiste em formas preexistentes, arquétipos, que só secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência.

Na consciencia pessoal temos a ilusão que somos nossos próprios senhores. Temos o comando. Quando ultrapassamos as fronteiras, percebemos que somos conduzidos.

Os arquetipos podem ser anjos ou demonios. Temos uma zona de sombra na psique. O arquétipo do milagre se manifesta com muita força em Itabaiana.

O turismo religioso será uma locomotiva, que criará um novo impulso à economia do Agreste sergipano.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

sábado, 18 de novembro de 2023

A BIENAL EM ITABAIANA

A Bienal de Itabaiana.
(por Antonio Samarone)

A Presidente da Academia Itabaianense de Letras, Josevanda Mendonça, vai anunciar hoje, mais uma Bienal, em dezembro de 2023. Não sei se a sexta ou a sétima. A Bienal de vem de longe, foi uma construção coletiva, sem donos.

Concordo com um confrade, que não quer ser citado, que a virada literária em Itabaiana, se deu em 28 de julho de 1973, quando o jovem, Vladimir Carvalho, atraiu para Itabaiana a nata da intelectualidade sergipana, para o lançamento de “Santas Almas de Itabaiana Grande”. Surgiu em Itabaiana uma nova Era, no misterioso mundo dos livros. (vejam a foto do lançamento)

Em 16 de outubro de 2009, na Associação Atlética, um criativo intelectual, que não quer ser citado, com o apoio de jovens empresários (Itnet, Colégio Alternativo, Revista Perfil e 93.1 FM), organizaram o “Mega Encontro Cultural”, com a ambição de tornar-se uma Bienal. Acho que esse encontro foi a Bienal I, portanto, estamos na Bienal VII. O intelectual, que não quer ser citado, foi o curador da Bienal I.

Nesse Mega Encontro, lembro-me de uma Conferencia de Antonio Porfirio, sobre o Cangaço, além de ter exposto várias peças do seu futuro Museu, no Alagadiço. A abertura ficou por conta de Luiz Antonio Barreto.

Em 29 de outubro de 2011, ainda na Associação Atlética, ocorreu a Bienal I (que já era a segunda), sob o comando do mesmo intelectual, a quem muito devemos. Não estou minimizando a importancia dos jovens empresários.

O evento cresceu, começou a aparecer donos, vaidades, como é normal nas coisas dos homens.

Em 01 de fevereiro de 2013, na Sede do Rotary, foi criada a Academia Itabaianense de Letras, sob a presidencia de Vlademir Carvalho. A Academia foi consolidação da explosão literária.

Em 19 de outubro de 2013, a Bienal II, passou a ser realizada na Associação Comercial. Foi um sucesso de público. Nessa Bienal houve um fato triste, que precisa ser reparado, com ampla divulgação e pedido de desculpas. Mas não será agora: as feridas ainda estão abertas.

A Bienal III, em 17 de outubro de 2015, continuou na Associação Comercial, e sob o comando do mesmo grupo de empresários. Uma novidade, a assesoria cultural passou para dois imortais, das Academias de Letras. O evento, cresceu e se consolidou.

A Bienal IV, 22 de outubro de 2017, e a Bienal V, 15 de setembro de 2019, passaram para o Shoppinh Peixoto. Continuou no mesmo formato. Comando dos empresérios e consultoria dos imortais citados.

A Bienal de Itabaiana passou a ser o maior evento literário de Sergipe. Talvez o único. Parte desse sucesso deve-se ao comando empresarial, pessoas de mente aberta e competentes administradores. Nem só de poesia vive o homem.

Em 2021, como se sabe, vivemos sob as ameaças da Peste da Covid. Não houve Bienal.

Passada a tempestade, desconheço as razões, o grupo de empresários que manteve e promoveu de forma competente a realização da Bienal, repassou a coordenação do evento, para a Presidente da Academia Itabaianense de Letras, Josevanda Mendonça.

Quem pensou ser o fim, errou. A força da Bienal é expressão da grandeza cultural de Itabaiana. A diligente Josevanda Mendonça, anuciará hoje a Bienal VI (ou VII), que ocorerrá em 15,16 e 17 de dezembro de 2023.

Desejo muito sucesso a Bienal VI (ou VII). A Bienal não tem donos. O seu sucesso precisa de todos: empresários, escritores, poetas e trovadores. Qualquer tentativa de exclusismos, será nociva.

Itabaiana vive um momento novo na Cultura. A Prefeitura de Itabaiana está aberta para colaborar, sem pretenções de protagonismo.

A Bienal continua em boas mãos.

Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

O NEGACIONISMO MÉDICO EM SERGIPE


 O negacionismo médico em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

José Lourenço de Magalães (1831 – 1905), sergipano de Estância, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1856. Foi um grande leprologista, reconhecido mundialmente, que perdeu fama e o prestígio, ao discordar de que a lepra é causada por uma bactéria.

Lourenço de Magalhães foi Presidente da Academia Nacional de Medicina no bienio 1895/96. Ele foi o único sergipano a presidir essa entidade médica bi centenária. Ele também exerceu a clínica oftalmologica.

Vamos a polêmica bacteriana.

A teoria bacteriana (Pasteur e Koch) encontrou grande resisitência entre os médicos brasileiros. A medicina brasileira é filha dos Mosteiros de Coimbra. Essa descedencia da medicina hipocrática grega é uma pretenção recente, sem fundamentos históricos.

Lourenço de Magalhães acreditava que fontes termais eram eficazes no tratamento da lepra ou mal de Lázaro. Ele defendia uma causa hereditária. Entre as medidas higiênicas para se evitar a lepra, estava previsto o impedimento da procriação.

A polêmica das causas da lepra alternava-se entre a transmissão hereditária e o contágio.

Causas da morfeia – Lourenço de Magalhães – “Dos estudos médicos o que ainda hoje menos satisfaz o espírito, é o concernente a etiologia das moléstias. Realmente, quando se penetra na etiologia das enfermidades, encontram-se tantos desvios, tantas são as sinuosidades, e tão confusamente se cortam e se cruzam as veredas, que afinal a inteligência para indecisa e desalentada.”

Historicamente, os médicos entendia-se mais ou menos, auxiliam-se e condescendem-se. Entretanto, no tocante a etiologia, a relação entre eles mudava de caráter, cada autor, pode-se dizer, seguia o seu Norte.

Citando Lourenço:

“É forçoso confessar que os estudos da etiologia das moléstias, nas circunstâncias em que o podemos fazer, tornar-se desagradável e penoso. A etiologia da lepra foi desde muito tempo, e será durante longos anos ainda, objeto de muitas divergências entre os diversos autores que a estudaram.”

Lourenço atribuía como causas da lepra: clima, umidade, condições telúricas, desenvolvimento espontâneo, contágio, sífilis, parasitismo, regime alimentar e herança. Rejeitava a etiologia bacteriológica como causa única.

O médico noruegues Gerard Hansen, encontrou nos tubérculos leprosos grandes elementos escuros que supõem serem aglomerações de pequenos corpos baciliformes, encerrados nas células, assim como numerosas bactérias. Entretanto, não encontrou bactérias no sangue fresco dos leprosos.

Lourenço conhecia a teoria parasitária, de que um agente específico seria o responsável pela etiologia da lepra. Mas discordava perguntando, basta haver encontrado uma parasita para ter-se o direito de denunciar como causa de qualquer moléstia?

Havia a crença que a causa alimentar era uma das causas lepra, em especial a carne de porco, considerada imunda por Moises, e proibida o seu consumo. Se acreditava que a carne de porco poderia causar a lepra. A proibição bíblica estendia-se a todos que vivem na água e não possuem nem escamas, nem barbatanas.

Lourenço acreditava que as causas da lepra eram o regime alimentar e a transmissão hereditária. Não acreditava nem no contágio, nem na etiologia bacteriana. Não assimilou a revolução bacteriana.

O crescimento da eficácia das medidas de saúde pública no combate as doenças prevalentes, usando estratégias centradas no novo paradigma etiológicos, enfraqueceu as teorias dominantes da causalidade. No caso da lepra, como o tratamento continuou sem eficácia até a segunda metade do século XX, a legitimação da causalidade etiológica ficou prejudicada.

Lourenço Magalhães escreveu sobre a morfeia (lepra) em 1882, quando em 1880, Hansen já havia identificado o bacilo causador da lepra. A doença depois virou Hanseníase.

Gerhard Henrick Armauer Hansen foi um médico bacteriologista e dermatologista norueguês, conhecido pela identificação do Mycobacterium leprae, como o agente causador da lepra (1880).

Foi um golpe mortal na ciência de José Lourenço de Magalhães.

Aliás, a mudança de lepra para hanseníese foi uma homenagem a descoberta por Hansen da Mycobacterium leprae, como a causa da doença. O sergipano Lourenço de Magalhães, morreu negando a causa bacteriana da Lepra.

O negacionismo é uma enfermidade ideológia que também ataca os médicos, mesmo os mais ilustres.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

terça-feira, 14 de novembro de 2023

OS MILAGRES DA MÚSICA


 Os milagres da música.
(por Antonio Samarone)

Itabaiana relizará hoje, (14 de novembro), as 20 horas, no anfiteatro da Praça Chiara Lubich, o terceiro Festival Itabaianense da Canção.

Itabaiana festejará a entrada do feriado da República, com música, sensibilidade e alegria.

A música acompanha a história em Itabaiana, desde 1745.

Itabaiana primeiro foi um Arraial (1606), depois a Freguesia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana (1675), e finalmente Villa, em 1697, como nos ensinou Vladimir Carvalho.

Itabaiana foi Aldeia por trezentos anos. Só virou cidade no final do Dezenove, em agosto de 1888.

Até a primeira metade do século XX, Itabaiana foi uma cidade rural, sufocada pela pobreza. O grupo escolar só chegou em 1936. Ganhou o status de celeiro de Sergipe.

Com a chegada da BR-235 (com Getúlio Vargas) e do Ginásio Murilo Braga (com José Rollemberg Leite), inicio da década de 1950, explodiram os transportes e o comércio. Itabaiana se transformou num empório, um entreposto comercial. Passou a correr dinheiro e atraiu muita gente. A guerra comercial comandou a política.

A cultura limitava-se as festas religiosas. Fora da igreja nada, ou quase nada. A cultura em Itabaiana tem alicerces religiosos. A cultura vivia sob a tutela da igreja.

Com a chegada do capitalismo mercantil, a Igreja reduziu a sua influência cultural. No Século XXI, Itabaiana se tornou a maior cidade do Interior de Sergipe e está deixando de ser somente um empório comercial.

A cultura procura os seus espaços: a Academia de letras, universidades, feira de livros, Bienal, Festival da Canção, associação de peregrinos, grupos de ciclistas, orquestra sinfônica, teatro, dança, artes plásticas, imprensa atuante, etc.

Itabaiana é a cidade dos milagres. A centenária religiosidade renasceu, com a canonização de Santa Dulce dos Pobres. O principal milagre comprovado, ocorreu em Itabaiana.

O turismo religioso será o próximo passo, no caminho do desenvolovimento. Na verdade, o turismo eco religiosos desponta, se impõe, será uma nova locomotiva. A Serra, o Parque dos Falcões, a Ermida e, em breve, um Santuário deslumbrante. Por enquanto.

A Cultura constroi as narrativas dentro das tradições. Religiosidade não se cria por decreto nem planejamento governamental. Em Itabaiana, a religiosidade está na alma atávica do povo.

No último censo, Itabaiana foi a 27ª cidade brasileira com menos ateus, menos de 3%. Mesmo assim, muitos desses ateus declarados não são praticantes. Quando o sapato aperta, eles são os primeiros a clamarem por Deus.

O núcleo essencial da Cultura é o ornamental. A Cultura está situada além da funcionalidade e da utilidade. Hoje, 14 de setembro, Itabaiana realizará o seu Terceiro Festival da Canção. A terra da música estará em festa.

A música é ultimo vestígio da memória dos pacientes com Alzheimer. Quando o esquecimento avança, a música resiste. Os dementes, em estágio terminal, ainda balançam retimadamente o corpo, ao som de musicas lembradas.

A música em Itabaiana nasceu na sacristia e no coro da igraja.

A desconhecida alma humana, reconhe e acolhe a música. Os hinos louvam a paz e a guerra, a vida e a morte, o amor e o ódio, a salvação e a perdição. A música cura e enferma, alegra e entristece, induz a mania e a melancolia.

Somos uma terra com duas Filarmônicas. Uma delas, a Nossa Senhora da Conceição, possui uma Orquestra Sinfônica, composta por músicos locais, a maioria ex alunos. Sem querer ostentar, a Filarmonica Nossa Senhora da Conceição foi fundado em 1745, no seio da igreja.

O Festival da Canção será um momemnto do ócio contemplativo do belo, um momento de escuta. A Itabaiana que não descansa e não dorme, vai parar, para apreciar os seus artistas, os seus menestreis e os seus compositores.

A Cultura nasce e se cria nas festas, nos momentos de ócio e contemplação.

Antonio Samarone – Secretário da Cultura de Itabaiana.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

OS COMPLEXADOS


 Os Complexados.
(por Antonio Samarone)

Freud é um gênio pouco lido e muito citado. Entre os conceitos freudianos o Complexo de Édipo é o mais lembrado, chegando a se tornar popular em Itabaiana. Eu explico. Pegaram o Complexo e esqueceram o Édipo.

Em psicologia, complexos eram aspectos emocionais reprimidos, capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes ou mesmo sintomas de neuroses.

Como vocês sabem, as neuroses sairam de moda, foram desmembradas em cento e tantos transtornos mentais.

Em Itabaiana de minha infancia, deram um uso universal aos complexos. Qualquer desajuste psicológico ou comportamental, qualquer desvio de conduta, o sujeito era logo taxado de complexado.

Fulano é um complexado, bradavam nas esquinas e nas bodegas. Freud explica!

Existiam os complexos de pobre, feio, baixo, gordo, corno, burro, e por aí a fora. Um dos piores xingamentos era ser chamado de complexado.

Não conheci ninguém em minha infância que, vez por outra, não tivesse recebido essa pecha. Fulano tem complexo de pobre, sicrano tem complexo de feio, cada um tinha o seu.

Freud saiu de moda também em Itabaiana.

Procurei saber quem são os atuais complexados, e ninguém sabe mais o que é isso. O complexo desapareceu sem tratamento e sem deixar vestígios, ou, sei lá, mudou de nome. Deve ser um desses transtornos nomeados pela psiquiatria de mercado.

Andei procurando, sem encontrar, os complexados atuais. Nada, nem um! Perguntei aos colegas psiquiatras: tem aparecido muitos complexados em seus consultórios? Nunca mais, eles responderam. Hoje temos TOC, TAG, TBP e TDAH, e muito mais. Os complexados sumiram.

Freud caiu em desgraça no Brasil, mesmo entre os psicalistas.

Saiu uma pesquisa numa revista da USP, mostrando que sete, em cada dez psicalistas, desconhecem Freud. Nunca leram nada do mestre no original, apenas por divulgadores. Se Freud suspeitasse desse abandono, não teria inventado a psicoanálise.

O pensamento freudiano não acredita que a natureza tenha algum compromisso com a felecidade humana. Foi o suficiente para ser banido e até difamado.

Hoje, o sofrimento perdeu o sentido.

A psiquiatria de mercado tem compromissos com a indústria farmacêutica, que promete uma felicidade química.

Freud tornou-se um genio estudado apenas por filosofos e cientistas socias, pelos mais eruditos.

Nos cursos de medicina, Freud é um estranho.

Acho que já fui complexado. Por sorte, Freud também foi esquecido em Itabaiana.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

NADA A DECLARAR

 Nada a declarar.
(por Antonio Samarone)

Perdí um comprovinciano, aos 75 anos. Ele tirou a própria vida. O ocorrido encontra-se sob segredo familiar. Não se fala nisso.

Ele nunca aspirou a vida eterna, pelo menos de boca para fora. O tempo sempre foi o seu carrasco.

Segundo Albert Camus, só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia.

Lembrei-me desse bilhete, deixado por um suicida famoso:

“A todos!

De minha morte não acusem ninguém, por favor, não façam fofocas. O defunto odiava isso. Mãe, irmãs e companheiros, me desculpem, este não é o melhor método (não recomendo a ninguém), mas não tenho saída.”

Lília, ame-me.

Como dizem: caso encerrado. O barco do amor espatifou-se na rotina. Acertei as contas com a vida. Inútil a lista de dores, desgraças e mágoas mútuas. Felicidade para quem fica.”

Bilhete deixado por Maiakóvski, em 14 de abril de 1930, aos 37 anos. Entretanto, existe uma versão bolchevique, que diz que ele foi barbaramente suicidado. Não sei!

Deus não dorme!

O meu amigo, provinciano e anônimo, não deixou bilhetes, que sempre se espera dos suicidas.

Não se comenta nem a modalidade do suicidio. Certamente, não foi por enforcamento. A forca saiu de moda. Hoje predominam os suícidios químicos.

Fui ao seu sepultamento. Um velório silencioso. A pergunta clássica nos sepultamentos: “morreu de que, não foi ouvida.

Eu entendi o seu gesto: acho que foi um suicídio filosófico, desses descritos por Camus.

Espero que o meu amigo tenha econtrado um lugar de paz e a tão desejada felicidade. Ele não foi em busca do descanso eterno.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

UM ESCRITOR ANALFABETO.

 Um Escritor Analfabeto.
(por Antonio Samarone)

A indústria editorial em Sergipe passa por um surto de prosperidade. Nunca se publicou tantos livros, mais de duzentos nos últimos noventa dias. Só em Itabaiana, setenta.

O poeta e psicanalista Adelino Graça, já pediu que não lhe convidem mais para lançamentos. Eu cheguei a ir a sete lançamentos numa noite.

A crítica literária é coisa do passado. Em Sergipe, o último crítico consistente faleceu antes da Covid.

O inusitado foi o lançamento do primeiro livro de Zé de Sobó, intitulado “Sinais dos Tempo”. O novo escritor, José da Silva Santos (Zé de Sobó), 37 anos, natural do Batula, nunca pôs os pés numa escola. É analfabeto de pai e mãe.

O mundo já conhecia compositores surdos (Beethoven); cantores gagos (Nelson Gonçalves); escultores sem braços (Aleijadinho em Ouro Preto), mas escritor analfabeto esse é o primeiro. Eita povo inteligente.

Zé de Sobó já foi convidado para o programa de Pascoal, na Aperipê.

Os Departamentos de letras das universidades entraram em pânico: pode ser o fim das letras. Um doutor em informática simplificou: bobagem, um bom aplicativo transforma a fala em escrita, e ainda faz a correção ortográfica.

Os espíritas acreditam que Zé de Sobó é um médium e está apenas psicografando.

Outra hipótese: Zé Sobó ja nasceu com o chip da inteligencia artificial embutido no fiofó. Tudo é possível.

Se o sujeito que recebe o dr. Fritz pode curar; por que o que incorpora um escritor não pode escrever? Já um amigo jornalista foi irônico: grande novidade, o que mais existe é escritor analfabeto. Eu não sei explicar.

A verdade é que Zé de Sobó adorou a novidade e já pensa em se tornar um escritor profissional. Finalmente, surgiu uma oportunidade em deixar o cabo da enxada.

Na Era da pós verdade, nada mais natural que a pós literatura. A escrita já deu a sua contribuição a cultura. A pós escrita promete queimar as gramáticas. Um aborrecimento a menos.

Na 6ª Bienal de Itabaiana (15,16,17 de dezembro), Zé de Sobó está preparando o lançamento de um livro de poesia. A novidade é aguadada com ansiedade, pela legião de poetas sergipanos, já consagrados.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

A INSONIA E OUTROS GRILOS

 A Insônia e outros grilos.
(por Antonio Samarone)

Sou um insone genético, herdei essa mazela de papai.

Tenho dificuldade em adormecer, um sono entrecortado e acordo cedo. Isso, ao longo do tempo, me fez odiar o sono. Durmo por necessidade extrema. Não gosto de dormir.

Não é sem motivos, que a morte é chamada eufemisticamente de sono eterno. É por isso, que eu não quero negócios com a morte. “Eu cá e ela lá”. Como se chama esse vício fonético?

A insônia é o sintoma mais comum das doenças mentais. No meu caso, não identifico outros sofrimentos mentais graves associados. A insônia não pode responsabilizar outras patologias (depressão, ansiedade, fobias, dependência química, transtorno bipolar). Nada, a minha Insônia vem só, ousada, agressiva e insolente.

Uma insônia metida a besta.

Uma curiosidade macabra: os insones e os bêbados são os que mais dormem ao volante.

De vez em quando sofro de apneia obstrutiva, me acordo apavorado, achando que daquela vez eu não escapo. Nesses casos, passo o resto da madrugada aflito, com uma ansiedade injustificada. Nada me acomoda, o jeito é sofrer calado.

O risco de morte descontrola o corpo, em especial o aparelho digestivo, com defecação iminente e bruta.

Os livros apontam alterações do sono que estimulam a minha curiosidade: sonambulismo, catalepsia, soniloquia, narcolepsia, bruxismo, enurese, pernas inquietas e pesadelos. A minha insônia é monótona, sem maiores atrações.

Aprendi a conviver com a insônia, ignorando-a. Nada de remédios, terapias, contar carneirinhos, nada, apenas uso o tempo acordado no que gosto. Sinto que a insônia fica incomodada, querendo a minha atenção. Que vá à merda!

A insônia precisa saber que as doenças vão e voltam. Por exemplo, em minha infância, eu conhecia uma centena de gagos. Hoje, nem um. O Gaguinho que conheço é apenas apelido, nunca foi gago.

O que houve com a confusa gagueira? Acabou! O mesmo pode acontecer com a insônia, mesmo sem qualquer ação da Saúde Pública.

Entre os males modernos e sem tratamento, a insônia só disputa com a obesidade.

Esse texto é o meu último, sobre a insônia. Ela não ficará sabendo, ainda não possui redes sociais. Espero que ninguém fuxique.

Matei Morfeu!

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

DAS MÃOS AOS TALHARES

 Das mãos aos talheres.
(por Antonio Samarone)

Fernando descende de camponeses pobres. A mãe, pequena sitiante das Flechas. O pai, pataqueiro das Candeias. Fernando já nasceu na Villa, em casa de Rancho, no Beco do Ouvidor (atual Monsenhor Constantino).

Fernando não se lembra de garfos em sua casa. Desde cedo, comeu com as mãos. Degustou a papa infantil, através do dedo indicador da mãe, em forma de gancho. Comer de colher, só depois de grandinho. Se fazia os bolos de feijão com as mãos, para molhar no molho de pimenta.

Etiqueta à mesa era desconhecida.

As crianças não cabiam na pequena mesa, posta ao lado do fogão de lenha. O único móvel era um guarda louça, infestado de baratas. Além dos pratos, guardava-se também os alimentos.

Os copos eram três velhas canecas de estanho, as mesmas que se mergulhavam nos potes d’água.

Fernando não seguiu a carreira eclesiástica por conta dos guardanapos. Já matriculado no Seminário de Carpina, a família recebeu a relação dos itens obrigatórios do enxoval, que deveria levar. Entre as exigências, estavam 12 guardanapos de pano. Ninguém sabia do que se tratava, nem os vizinhos.

Guardanapos, até o nome era desconhecido.

A mãe de Fernando suspendeu a viagem. Seu filho era pobre, mas não precisava passar aquela vergonha: chegar no Seminário sem os tais guardanapos. Roma, pode ter perdido um Cardeal.

As únicas regras de boas maneiras obedecidas eram não ser guloso (arado), nem ximão. A comida era pouca. A mãe de Fernando castigava que comesse carne pura. Ximar era invejar a comida alheia. Fernando sempre baixava o olhar diante de uma mesa de comidas, nas casas alheias, para não parecer estar ximando.

Fernando era elogiado por todos, por não ser ximão. Mesmo quando perguntavam se ele queria, ele, morrendo de vontade, com água na boca, nunca aceitava.

Aos 16 anos, quando Fernando conheceu a primeira churrascaria rodízio, achou uma suprema estupidez. Pensou, vou comer tanta carne, que vou dar um grande prejuízo aos donos. Quase morre empanzinado.

Na casa de Fernando, a carne, quando tinha, era um luxo.

Uma regra invertida: as mãos de Fernando só eram lavadas depois das refeições, para se retirar o excesso de graxa. Lavar as mãos antes das refeições, ele nunca sentiu a menor necessidade.

Hoje, Fernando está sofisticado: come pinha e chupa pitomba de garfo. Tentou até comer Carapeba, sem usar as mãos. Foi um desastre, desperdiçou a metade do peixe.

Uma confissão: Fernando não sabe ainda comer com os pauzinhos chineses, nem fez o curso de vinhos, dos novos ricos.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.