domingo, 28 de fevereiro de 2021

O DESPREZO PELO BELO, EM ARACAJU.


O Desprezo pelo Belo, em Aracaju.
(por Antonio Samarone)

Aracaju foi construída numa região pantanosa. Foi preciso um grande aterro e a ação humana para o embelezamento. Foi assim nos primeiros tempos. E Aracaju, foi ficando bonita.

O Prefeito Godofredo Diniz contratou os serviços do urbanista Wladimir Preiss, de São Paulo, para arborização e jardinagem da capital sergipana. Mais recentemente, um outro Prefeito mandou decepar centenas de árvores. Estavam atrapalhando os ônibus.

O engenheiro alemão Hermann Otto Wilhelm Arendt Von Altenesch, viveu pouco tempo em Aracaju, mas construiu bangalôs e outras casas em estilo europeu, que eram o sonho de consumo dos ricos e da classe média sergipana. Ajudou no embelezamento de Aracaju.

“Altenesch construiu o prédio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, o edifício Serigy, na praça General Valadão, construído no lugar da Cadeia Pública, a sede da Associação Atlética de Sergipe, a Cidade de Menores “Getúlio Vargas”, considerada a sua obra prima, além de dezenas de residências espalhadas pelas ruas de Estância, Pacatuba, Itabaiana, Maruim e Barão de Maruim.” – Luiz Antonio Barreto.

O Palácio de Veraneio (Foto), que o governador quer vender para fazer caixa para a Previdência, foi projetado por Altenesch. Claro, os motivos da apressada venda são outros.

Exemplos da arquitetura do alemão Altenesch, ainda se encontra em algumas casas no primeiro trecho da Rua de Estância.

Atualmente, os ricos foram para os condomínios fechados, movidos pelos desejos de segurança e segregação.

Cada aracajuano passou a cuidar apenas do seu lote.

Desde 1985, com a chegada ao poder do atual grupo político, o Poder Público em Aracaju iniciou a “Era das Orlinhas”. Obras acanhadas, sem a beleza e sem a grandiosidade necessárias ao embelezamento da cidade. Talvez, por medo de serem acusado de fazer mau uso dos recursos públicos.

Um exemplo: a Rodoviária Luiz Garcia (a Velha) é um prédio estiloso, bonito; os atuais Terminais de ônibus são galpões pré-moldados, apenas para proteger os passageiros do sol e da chuva.

Não é uma questão de se gastar menos, é a opção pelo mau gosto.

Quando um líder político abandona o cidadão e volta-se apenas para o eleitor, desapareceu o estadista, que pensa a longo prazo. Gente do mercado vende a cidade inteligente, entre aspas, Eu retomo o sonho da cidade bela, como parte da qualidade de vida.

Nos últimos anos, a sede do governo foi para o Palácio de Despachos, no Leite Neto, um edifício sem graça e sem beleza e a Prefeitura abandonou o Palácio Inácio Barbosa no Parque Teófilo Dantas e foi para um galpão do Banco do Brasil, na Rua do Acre.

Agora, o Governador vai vender o Palácio de Veraneio. Claro, não é o majestoso Palácio El Escorial, de Felipe II, na Espanha, mas é o que temos.

Estamos enfeiando Aracaju, por oportunismo e cegueira política.

As cidades são locais de encontros, precisamos de espaços públicos que valorizem a beleza.

Essa vocação política pelo pequeno, pelo prático, pelo barato, pelo armengue, pelo funcional é puro populismo de mau gosto. Não se trata de construir “elefantes brancos”, nem “obras faraônicas”, queremos apenas a volta da beleza.

As duas últimas obras de embelezamento público em Aracaju foram a Orla de Atalaia e a Ponte Estaiada sobre o Rio Sergipe, iniciativas do Governador João Alves Filho. O resto é tapa buraco e pintura de meio-fio.

Por onde andam os arquitetos e urbanistas? Gente sonhadora e talentosa, que pensa no Belo e pode ajudar a desenhar o futuro de Aracaju.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

UM RESTINHO DE MEMÓRIA


Um Restinho de Memória.
(Por Antonio Samarone)

Durante a quarentena, deixei o cabelo crescer e tive uma surpresa no espelho: fiquei muito parecido com mamãe. Os cabelos são os mesmos.
Com a idade, as lembranças infantis estão brotando em seus mínimos detalhes. Será um aviso da memória? Aproveite enquanto é tempo, pois estou de malas prontas. Vou embora!

Minha mãe era uma católica tridentina, temente a Deus. Mamãe tinha uma cópia do catecismo do Concílio de Trento, que estampava na capa: “O Cristão confia apenas na misericórdia de Deus”. O catecismo estava certo.

O medo do “fogo eterno” era uma realidade poderosa.

Acho que depois do Concilio Vaticano II mamãe esfriou com o catolicismo, terminou virando evangélica. Eu já tinha voado do ninho. O que ficou em minha memória foi mamãe na Irmandade das Filhas de Maria”. E eu neto!

A minha primeira lembrança da missa, era rezada em latim, com o padre de costa para o rebanho. Mamãe acompanhava, sem saber o latim, apenas pela sonoridade. Cantava fervorosamente, em voz alta, o “Tantum ergo sacramentum”. Eu gostava da liturgia e do cheiro do incenso na hora da eucaristia.

Eu gostava do cheiro da igreja, das luzes das velas, dos sons dos sinos e das rezas cantadas. Tinha medo das imagens do Senhor Morto e de Nossa Senhora das Dores.

Sinto saudade do coral das devotas, ressoando em meus ouvidos: “Queremos Deus, homens ingratos/ ao Pai Supremo ao Redentor/ Zombam da fé os insensatos/ Erguem-se em vão contra o Senhor.”

O catecismo de Trento ensinava que a caridade era o caminho da salvação e a esmola era a caridade no varejo. Seja lá quanto for, todos podiam dar uma esmola. “Quem dar aos pobres empresta a Deus.”

Nessa visão medieval, acabar com a pobreza seria um desproposito. Com quem praticar a caridade? Em Itabaiana, o pão dos pobres era uma prática sagrada dos devotos de Santo Antonio.

Aos domingos, à frente da Matriz de Santo Antonio e Almas, em Itabaiana, ficava lotada de mendigos, prontos para ajudar na salvação dos ricos e remediados.

Quando Seu Durval do Açúcar ia à missa, os mendigos tiravam a sorte grande. Seu Durval era um rico não avarento, como mamãe dizia.

O generoso Durval do Açúcar distribuía o peixe e coco para os pobres, na Semana Santa. A fila em sua porta dobrava quarteirões. Não precisava avisar, todo mundo sabia o dia. Vinha gente de longe.

Certa feita, uma senhora que tinha pose de rica entrou na fila do Peixe. Logo-logo um puxa-saco foi fuxicar: “Seu Durval, fulana está na fila e ela não precisa. Todo mundo sabe que ela é rica.” Seu Durval, no alto da sabedoria, reprendeu o fuxiqueiro: “Deixe de besteira, se ela está na fila é porque precisa, ninguém passa por esse vexame à toa.”

Mamãe precisava, mas nunca foi. Preferia comer pilombeta na brasa. Ela dizia, tem gente mais precisada, eu me viro. A vergonha era um mecanismo de controle social poderoso.

Deixe-me parar por aqui, na fila do peixe de Seu Durval do Açúcar.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

A PESTE BRANCA EM SERGIPE.



A Peste Branca em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

O principal problema da Saúde Pública na década de 1950, em Sergipe, era à Tuberculose.

A gravidade era de tal ordem de grandeza, que o Deputado Estadual Nunes Mendonça, do PTB, apresentou à Assembleia Legislativa o projeto de Lei de nº 125, de 12 de janeiro de 1953, onde se previa a concessão de ajuda financeira aos pacientes tuberculosos, que não possuíssem a cobertura previdenciária, como forma de facilitar o tratamento.

O Deputado petebista também insistia na cobrança para a conclusão das obras do hospital de Sanatório, que se arrastava vagarosamente em Sergipe.

A construção do Sanatório em Sergipe demorou cerca de 18 anos.

Em 27 de março de 1954, Sergipe inaugurará o seu Hospital de Sanatório, com 60 leitos, importante instituição Federal, ligado ao Serviço Nacional da Tuberculose. Assumiu a direção dessa casa de saúde o tisiologista Dr. Aloíso Lopes Gaspar.

O Dispensário de Tuberculose em 1955, funcionava no Centro de Saúde da Capital, no Palácio Serigy – sede da Diretoria de Saúde Pública (DSP) - e possuía três médicos.

Dos 691 pacientes cadastrados naquele ano para receberem tratamento de tuberculose, apenas 33 tiveram alta como clinicamente curados.

Em 15 de outubro de 1959, iniciou-se uma nova era no combate à tuberculose no Estado, com a realização um amplo seminário.

Participaram do evento: os Drs. Levy Queiroga Lafetá, Diretor do Serviço Nacional de Tuberculose e Henrique Maia Penido, Superintendente Nacional do SESP, com os seus assistentes técnicos Drs. Nelson Moreira e Alípio Sanches.

Segundo o Diretor do DSP, Dr. João Batista de Lima, também do SESP; o seminário visava ampliar e reestruturar as ações na luta contra a tuberculose (Peste Branca). A política e a filosofia sanitária do SESP dominavam em Sergipe, naquele momento.

Autoridades sanitárias locais também participaram do Seminário: Dr. Fernando Sampaio, Diretor do Hospital de Cirurgia; Dr. Gileno Lima, Diretor do Hospital Santa Isabel; Dr. Wilson Rocha, Diretor do Hospital de Sanatório; Dr. José Nóbrega Dias, Diretor do Centro de Saúde Serigy.

Entre as deliberações importantes desse seminário, decidiu-se pela implantação de um dispensário na cidade de Estância, o primeiro do Interior, e pela ampliação do dispensário de Aracaju.

Durante o ano de 1959, o Dispensário do Serigy realizou 10.782 Abreugrafias, 1.967 exames de laboratório (incluído a baciloscopia), atendeu 572 tuberculosos, dos quais, 132 desapareceram sem continuar o tratamento, e continuaram, sem dúvidas, propagando livremente a doença.

Desse total de casos, 45 foram hospitalizados, 10 faleceram, 32 foram curados e 160 continuaram na categoria de suspeitos.

Em 1960, o Hospital Sanatório estava sob direção do Dr. Wilson Franco Rocha. O Sanatório vivia com escassez permanente de recursos, sempre ameaçado de fechar suas portas.

Em 1960, Sergipe não possuía uma estrutura sanitária capaz de enfrentar o grave problema da Tuberculose. Além do Hospital de Sanatório, a rede pública possuía apenas um Dispensário funcionando no Serigy, e um outro na Unidade de Saúde do SESP, na cidade de Estância. Era muito pouco.

A coordenação técnica dos trabalhos de combate à tuberculose estava sob responsabilidade do Dr. José Maria Rodrigues. Trabalhavam no Dispensário do Serigy, além do Dr. Wilson Franco Rocha, os Drs. Lourival Bomfim e Airton Teles.

O Dispensário de Tuberculose do Serigy possuía um equipamento de Abreugrafia, quadro de pessoal deficitário e instalações inadequadas.

O movimento do Dispensário era assustador: somente nos meses de abril e maio de 1960, foram atendidas naquela unidade 3.348 pessoas (aí incluídos os sadios que passavam pela Abreugrafia), e distribuídos 292.600 gramas de hidrazida e 4.650 gramas de estreptomicina.

Esses dados são esclarecedores da gravidade do problema da Tuberculose em Sergipe.

No ano de 1960, até maio, passaram pelo Dispensário 691 doentes e 192 suspeitos. Como se percebe a situação se agravava.

“Atualmente estamos em situação tão precária na luta contra a tuberculose, que não dispomos serviços em condições mínimas em dar assistência aos doentes matriculados. Dado o alto preço da manutenção da assistência dificilmente teremos condições de encarar seriamente o problema da tuberculose”. Entrevista do Dr. Wilson Franco Rocha ao jornal “A Cruzada”, edição de 18/06/1960.

Havia ainda outro grave problema: naquele momento ainda existiam certos pacientes considerados “incuráveis”, e a estes o Hospital Sanatório não internava. O que fazer com essas pessoas desenganadas pela medicina? Ficavam abandonados, socialmente excluídos, esperando apenas as graças de Deus e o alívio da morte.

Em dezembro de 1960, diante da gravidade do problema da tuberculose em Sergipe, o Dispensário do Serigy foi amplamente reformado.

Para realizar as mudanças o diretor da “Campanha Nacional Contra a Tuberculose”, Dr. Armando Santos, enviou para Sergipe uma supervisora, a Dra. Adelaide Pacheco, visando prestar assessoria técnica.

As novas instalações contavam agora com um setor de vacinação, raios X e laboratório; o quadro de pessoal foi ampliado para quatro médicos, uma enfermeira formada pela Escola Ana Nery, uma assistente social e dez atendentes, com curso de especialização.
Antonio Samarone (médico sanitarista).