sexta-feira, 26 de abril de 2024

OS MODOS DE SEU NEZINHO.

Os modos de Seu Nezinho.
(por Antonio Samarone)

Não se conhecia garfo no Beco Novo. As comidas sólidas comiam-se com as mãos, e as líquidas, com colheres. As sopas, virava-se geralmente o prato, fazendo-se aquele barulho dos cacarejos.

Os garfos são recentes, do final da Idade Média.

O apelido de “ceboleiro”, não se deve a produção de cebolas. Os feirantes de Itabaiana, na feira de Laranjeiras, na hora do almoço, abriam as mochilas e, com as mãos, faziam bolos de feijão.

Molhavam-se esses bolos no molho de vinagre, cebola, coentro e pimenta. Era um espanto: os feirantes de Itabaiana comiam cebolas, na hora do almoço. São ceboleiros!

No Beco Novo, comia-se com as mãos desde cedo. As mães alimentavam os recém-nascidos, com papas de farinha pó, usando os dedos indicador e médio. Ia-se comendo-se pelas beiras, para a comida esfriar.

Havia uma exceção: Seu Nezinho! Contínuo do Banco do Brasil.

Nezinho estudou Frances, por correspondência. Ele ganhou, do gerente do BB, um clássico de boas maneiras: “De civilitate morum puerilium”, um livro de Erasmo de Roterdã, de 1530. Seu Nezinho, além de bons modos, gostava de música clássica. Possuía a única radiola da rua.

Nezinho era baixo, mestiço, discreto, relógio de pulso e sapato e meia. Bem-casado e pai de filha única. (esqueci o nome da esposa). Para os padrões, uma aristocrata.

Aos domingos, a partir das 9 horas, o Beco Novo era invadido com a boa música. Até a hora do almoço. Galinha de capoeira, arroz amigo, doce de leite, e durante a tarde, uma rede no alpendre e o programa de Sílvio Santos.

Seu Nezinho comia de garfo e faca. Era motivo da curiosidade pública. Se dizia, que em sua casa se assoava o nariz com lenços de cambraia de linho e se limpava a boca com guardanapos de algodão egípcio. Muitos achavam gabolice. Eu mesmo, nunca vi.

No Beco Novo, se assoava o nariz com os dedos. O polegar e o indicador, em forma de pinça.

Na casa de Seu Nezinho, o contínuo, existia uma extravagância na sala de visita: uma escarradeira de porcelana, pintada com flores silvestre e leões esculpidos.

Naquele tempo se cuspia muito. Não sei o que houve, hoje, só jogador de futebol continua cuspindo, durante as partidas. Ninguém cospe mais. Cuspir saiu da moda.

Lá não se cuspia no chão, muito menos nas paredes. A escarradeira era o anteparo. Seu Nezinho era um fidalgo, um homem refinado, cheio de cortesias (courtoisie).

No Beco Novo, ser contínuo do Banco do Brasil, era um privilégio quase divino.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

NISE DA SILVEIRA.

Nise da Silveira.
(por Antonio Samarone)

Quando a psiquiatria submetia o doente mental a violência do choque elétrico, dos choques de cardiozol, insulínico e a mutilação da lobotomia. Em 1946, Nise da Silveira, se refugiou no departamento de terapia ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro.

Nise tornou-se seguidora de Jung. Estudou em seu Instituto, em Zurique.

Nise da Silveira discordava da ciência psiquiátrica, que considerava o esquizofrênico destituído de afetividades. Nise foi presa em 1936, acusada de comunista. Solta em 1937, viveu clandestinamente no Nordeste, por sete anos.

Uma parte desse tempo, Nise viveu em Aracaju, quando o seu cunhado, Claudio Magalhães da Silveira (1938/40), foi o Diretor da Saúde Pública, no Governo do médico Eronildes Carvalho.

Como uma comunista veio se esconder em Sergipe, governado por um conservador? Eronides de Carvalho serviu ao exército no Rio Grande do Norte, onde conheceu Mário Magalhães da Silveira, irmão do Claudio, nomeado Diretor da Saúde Pública, em Sergipe.

Mario Magalhães da Silveira, o marido de Nise da Silveira, tornou-se um sanitarista famoso, criador do chamado “Sanitarismo Desenvolvimentista”. Mário foi o Secretário Geral da III Conferência Nacional de Saúde, em 1963. Os Magalhães da Silveira eram gente importante nas Alagoas.

São as contradições sergipanas. Eronides de Carvalho não só protegeu Lampião e o cangaço, escondeu também comunistas, durante o Estado Novo.

Nise conta uma história deliciosa: José Clemente Pereira, Ministro de Pedro II, presenteou o Hospício da Praia Vermelha, com 4 instrumentos musicais – uma rabeca, uma flauta, um clarinete e uma requinta – dizendo: “Para os doentes a fim de se distraírem ou talvez se curem.”

Quando presa na penitenciária da Frei Caneca, acusada de ter participado da Intentona de 1935, Nise conta outra história: Os comunistas ficavam misturados com os presos comuns. Nestor, preso por roubo, era quem servia cafezinho, numa bandeja. Quando abria o açucareiro, as formigas se espalhavam na bandeja. “Eu as afastei com as mãos e algumas morreram. Aí eu senti um olhar poderoso em cima de mim, era o olhar de Nestor. Ele me repreendeu: Elas são viventes como nós. Apreendi a lição: nunca mato bicho nenhum.”

Nise da Silveira foi uma benemérita da humanidade. Entrou na Faculdade de Medicina da Bahia, aos 15 anos, numa turma com 150 homens. Formou-se em 1926. Aconselho aos novos psiquiatras, da Era das drogas neurolépticas, a leitura do livro de Nise, “As Imagens do Inconsciente (1981).”

“A loucura é a pior forma de escravidão humana”. Nise ouviu de Spinoza, em sonho.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - WILSON ALMEIDA SANTANA


 Gente Sergipana – Wilson Almeida Santana.
(por Antonio Samarone)

A história dos caminhoneiros em Itabaiana teve um destaque: Wilson da Transportadora Sergipana. Foi quem chegou mais longe. A sua transportadora cobria o Brasil. Chegou a 18 filiais e mais de cem caminhões.

Wilson Almeida nasceu no Gandu, em 25 de junho de 1932, filho de Ulisses Vicente Santana e Ubalda Almeida Santana, camponeses empobrecidos. Parentes do famoso Clodoaldo, o da Copa de 1970.

No início da década de 1950, com apenas 18 anos, Wilson começou a levar farinha de mandioca para Salvador, fretando caminhões. Foi uma revolução na economia rural. Quem produzia farinha para o consumo local e abastecer Aracaju, passou a fornecer para Salvador. Mudou a escala.

Antes, a farinha era transportada em lombos de burros. O caminhão permitiu ampliar o mercado para a famosa farinha de Itabaiana. O dinheiro passou a circular na Zona Rural. A farinha pó do Rio das Pedras, fazia o papel da “maizena – amido de milho”. A qualidade de vida foi melhorando.

A iniciativa de Wilson o empurrou para o ramo de caminhões.

O caminhão chegou cedo a Itabaiana, em 1928, com Esperidião Noronha. O crescimento foi lento, em 1945, existiam 18 veículos. Em 1952, com a chegada da BR – 235, mudou a realidade. A frota cresceu. O caminhão se transformou em um polo de desenvolvimento.

O caminhão trouxe as concessionárias, as oficinas, as fábricas de carrocerias e emprego para muita gente. O espirito competitivo dos Itabaianenses, de entregar as cargas na data combinada, foi um diferencial. Muitos, pagaram com a vida.

Em 1970, Itabaiana já possuía 373 caminhões.

Wilson Almeida foi casado com Maria Renildes Pimentel, filha de Zeca Titia, comerciante estabelecido no ramo de sapatarias. Seu Zeca foi quem levou a sandália de borracha (japonesa) para Itabaiana. Antes, era tamanco ou pés descalços.

Wilson e Renildes (foto), tiveram três filhos: Wilsinho, Ulisses e Wilma (falecida em acidente, na estrade de Maceió).

Wilson, com a esposa, faleceram precocemente de acidente de trânsito, próximo a Teófilo Otoni, em 28 de julho de 1983, aos 51 anos. Está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas.

Wilson da Sergipana, foi um homem generoso. Ficou rico ajudando a muita gente.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

domingo, 21 de abril de 2024

FERNÃO CARRILHO


 

Fernão Carrilho.
(por Antonio Samarone)

O Dr. Thomas, oftalmologista da escola de Hilton Rocha, é um amigo que deixei em Belo Horizonte (1980/81). Colega da residência médica, na UFMG.

Mantemos contatos frequentes, pelas redes sociais.

Ontem, ele enviou-me um vídeo de “Punta del Este”, onde está hospedado. A surpresa: o vídeo é sobre um cidadão do Carrilho, vendendo castanha assada e fazendo a propaganda em versos, no Uruguai.

A castanha do Carrilho ganhou o mundo. Hoje são 4 povoados: Carrilho, Tabocas, Dendezeiro e Lagoa do Forno. Itabaiana não produz a castanha “in natura”, precisa buscá-las no Ceará e Piauí. O comerciante vai comprá-las onde se produz e repassa para os pequenos empreendedores.

No Carrilho, a castanha in “in natura” é vendida aos empreendedores locais, por de 5 reis, o quilo. Um saco de 50 kg de castanha, bem trabalhadas, resultam em 10 kg de castanhas assadas. A trabalhadora que assa e quebra, recebe cem reais por cada saco de castanha assada.

Uma curiosidade, para amenizar o calor, esse trabalho de assamento é feito geralmente pela madrugada.

Como, sem grandes plantações de cajueiros, Itabaiana se tornou o maior produtor de castanhas assadas do Brasil? Um esclarecimento: castanha assada! A castanha do Ceará é cozida em altos-fornos e autoclaves. É outro produto.

A castanha assada do Carrilho é uma herança do antigo quilombo. A castanha é colocada em bandejas perfuradas, sobre o fogo, diretamente. Em minha infância, colocávamos em bandas latas furadas.

O segredo é o ponto. O assamento deve ser suspenso no momento certo. A castanha nem pode queimar, nem ficar crua. Deve ficar em ponto de permitir quebrá-las inteiras. Depois se faz o pelamento. Tira-se a casquinha. Esse processo é todo manual, feita por peritas seculares.

O Carrilho leva o nome de uma Entradista português, Fernão Carrilho, encarregado de destruir os quilombos de Sergipe, no século XVII. Carrilho foi comandante em Palmares e Presidente da Província do Maranhão.

Mas o sucesso do negócio da castanha assada do Carrilho, além da experiência de se assar a castanha, é preciso que se encontre mercado para vendá-las. A produção se realiza no consumo.

A viabilidade da produção da castanha, deve-se aos vendedores. Gente que sai de Itabaiana em meados de novembro, com uma Van carregada de castanha assada, e só retorna depois do carnaval.

Periquito, o vendedor que o meu amigo conheceu em Punta del Este, e fez o vídeo, faz parte dessa longa cadeia produtiva da castanha assada do Carrilho.

Não existe desemprego no Carrilho. Nem pedintes.

O povoado possui água tratada, esgoto, luz elétrica, pavimentação asfáltica, casas de alvenaria bem cuidadas, praça urbanizada, com área de lazer para as crianças, escola e creche. Não se registra problemas de segurança pública, nem galinha se rouba.

Dorme-se de portas abertas!

Antonio Samarone. – médico sanitarista.

sábado, 20 de abril de 2024

ASSIM FALOU, SILVEIRINHA.


 Assim falou, Silveirinha.
(por Antonio Samarone)

O doutor Silveirinha, um miliciano de jaleco, vive com ares de vitória. Ele carrega a guerra na alma. Está preparando uma grande manifestação para a vinda de Bolsonaro a Sergipe. O Mito virá receber o segundo título de cidadania.

Silveirinha me esclareceu, não são os mesmos. Um título é de Cidadania Sergipana e o outro é de Cidadania de Sergipe.

O doutor Silveira, profetizou: “No Brasil, independente de quem esteja no Governo, os donos do Poder somos nós. Os do andar de cima. O terceiro governo Lula comprova essa tese.”

Fiquei pensando, nesse ponto, o doutor Silveirinha está certo.

O governo Lula não tem forças para enfrentar a extrema-direita. Faz concessões escandalosas ao mercado financeiro e ao neoliberalismo, para manter a governabilidade. Sem sucesso!

Por outro lado, sufoca a sua base de apoio. A classe C, que emergiu no segundo governo Lula, ainda não sentiu o aumento da sua capacidade de consumo. Os índices econômicos divulgados não se refletem em seu bolso.

A alma de Silveirinha já reencarnou fascista. Em outras gerações, ele foi um camisa negra de Mussolini. A novidade foi a adesão em massa da classe média, ressentida pela redução da renda, regalias e prestígios.

Retruquei a Silveirinha:

O PT não está enganando, o Partido nunca prometeu mudanças estruturais. A promessa foi café, almoço e janta. Só que a classe “C” quer mais, quer a picanha.

Vivemos uma escalada fascista no mundo. O neoliberalismo não tem mais o que oferecer a classe trabalhadora. A tecnologia é poupadora de mão-de-obra. Restam trabalhos precarizados. A democracia não é uma abstração. Sem alternativas, a burguesia adere ao fascismo: guerra, violência e exclusão.

O presidente da Argentina, com toda a extravagância, tem o apoio das classes dominantes portenhas. O Javier Milei está requerendo a entrada da Argentina na OTAN.

A polarização do mundo (EUA X China) marcha para a Guerra. O Brasil não manterá um pé em cada lado. O Império não vai abdicar do Brasil. A sucessão de Lula em 2026, com Trump no Governo dos EUA, será uma disputa internacionalizada. Esses ataques de Elon Musk são aperitivos.

Profetizou Silveirinha:

“Voltaremos ao poder, em 2026, pelo voto. Trump volta antes. Implantaremos a tolerância zero, aos modos da polícia de Tarcísio, em São Paulo. Os de baixo serão domados a ferro quente. Faremos julgamentos sumários nas periferias.”

Por outro lado, fazendo de conta que não enxerga a realidade, o PT tenta ser bonzinho, seduzir os que mandam, prometendo administrar o neoliberalismo, com uma face humana. As contradições são evidentes.

Eu desconheço alternativas viáveis pela esquerda. Está condenada a defender a ordem e tentar humanizar o capitalismo, como se fossem possíveis.

Os fatos apontam para a guerra, onde os dois lados possuem a bomba atômica. As pulsões destrutivas do ser humano, reveladas por Freud, estão a flor da pele.

"Os Impérios não caem por convencimento", ensina Silveirinha.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - FIO DE DEUS

Gente Sergipana – Fio de Deus.
(por Antonio Samarone).

Nunca soube o seu nome. Poucos sabem. Viveu assim em Itabaiana, prá lá e prá cá. Sempre sorridente e brincalhão. Hoje, com 76 anos, continua o mesmo.

Fio de Deus é a cara da felicidade. Nunca precisou cumprir o castigo divino, de ganhar o pão com o suor do rosto. Sobreviveu de biscates. Sempre contando vantagens. Com 1.30 de altura, se acha bonito, cheiroso, sabido e sortudo.

Nunca encontrei o Fio de Deus reclamando de nada. Se lamentando. A vida sempre foi um passeio celestial. Nunca invejou a vida dos outros.

Ninguém duvide da idade de Fio de Deus, a foto é uma prova. Ser torcedor do Vasco, comprova a sua velhice. O último menino a começar torcer pelo Vasco, fazem mais de 30 anos.

Ele é filho de Dona Gemelice, a maior doceira do Canto Escuro. Os seus manuês de puba e aipim, eram disputados. Ainda sinto o gosto de cada tirinha. Defino se um bolo presta, pela lembrança gustativa dos seus manuês!

Para os mais novos: os manuês são os pais dos bolos, bem mais saborosos. Possuem uma casca molinha, levemente tostadas, que não sei descrever o sabor. Sei que são deliciosas.

Conheço Fio de Deus desde menino. Nunca soube de nenhuma perversidade e nenhum desvio. Nunca mexeu no alheio, nem arrumou inimigos. Se a seleção para entrar no Céu for justa, ele entra.

Ontem o encontrei na Feira. Dei um abraço, perguntei por Terto, o irmão. Dona Gemelice já faleceu. Ele continua se achando uma lindeza.

Fio de Deus, ostenta uma felicidade deslumbrante.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.
 

INCLUSÃO CULTURAL


 Inclusão Cultural.
(por Antonio Samarone)

“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.” – Titãs

A coordenação do programa “Cinema na Rua”, vai mudar o foco. Levará o Cinema para as pessoas acolhidas da Casa Santa Dulce, em Itabaiana.

São pessoas acolhidas pela caridade. Gente sofrida, desamparada, que ganharam um lar, assistência, carinho e proteção. Elas merecem a sétima arte, com direito a pipoca e refrigerante. O filme, eles estão escolhendo.

O “Cinema na Rua, dessa vez, será nessa Casa de misericórdias, na terça-feira, dia 23, as 14 horas. Estão convidados.

Sei que muitos não irão acreditar: Itabaiana não tem morador de rua. Um ou outro, recém-chegado, será acolhido. Essa é a nossa maior glória.

A Irmandade de Misericórdia, vinda de Portugal, ainda no século XVI, possuía sete compromissos: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os enfermos e encarcerados, abrigar os desamparados, resgatar os cativos e enterrar os mortos.

A Casa Santa Dulce, em Itabaiana, acresceu o acesso à cultura e a arte.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - BEROZO



 Gente Sergipana – Berozo.
(por Antonio Samarone)

Com a proximidade do centenário da chegada do caminhão em Itabaiana, resolvemos recuperar parte da memória dos caminhoneiros. Gente que empenhou a vida, na construção da cidade.

Josino Tavares dos Santos (Berozo), (91 anos), nasceu no Batula, em 23/09/1933, filho de José Álvaro dos Santos e Dona Josefa Tavares dos Santos.

Berozo começou tangendo carro de Boi. Ainda menor, foi motorista ajudante de Tonho de Chagas, e se meteu na Rio Bahia (1950). O caminhão ganhava força em Itabaiana. Timbeu, Toinho do Bar, Jason Correia, Osias Lima, Heleno Bacalhau, Irineu Gravata, entre outros.

Em pouco tempo, Berozo guiava um FNM, do cunhado, Wilson da Sergipana. Como o trabalho era informal, na saída, ele recebeu como indenização um F8, americano. Em sua casa, no povoado Pai André, ele mantém uma Scania 112, como objeto de estimação.

Segundo ele, aos 91 anos, continua na ativa no volante. Garantiu, que na próxima festa de Santo Antonio, estará na carreata da dos motoristas.

Beroso está com a memória e cognição perfeitas, fala sobre tudo, sobretudo política.

Berozo foi motorista do Coronel Euclides Paes Mendonça, com quem mantinha uma relação de muita proximidade.

O apelido Berozo, foi obra de Dedé Cachaça, delegado de quarteirão, um personagem folclórico em Itabaiana.

Berozo é casado com Dona Ubaldina Almeida Santos, e pai de sete filhos, dos quais, dois caminhoneiros. Berozo é tio do Jurista e Professor Dr. Alvino Filho.

Seu Josino Tavares, no anonimato, trabalhou dignamente, arduamente, singrando as rodovias desse país. Um brasileiro que transportou riquezas e pessoas, com uma dedicação sacerdotal.

Antonio Samarone – (médico sanitarista)

terça-feira, 16 de abril de 2024

O VELHO CORIFEU.


 O velho Corifeu.
(por Antonio Samarone)

Nos primórdios, o PT se achava um partido comandado pelas bases. Cada reunião era uma assembleia, onde se discutia os destinos da humanidade. Finalmente, a classe trabalhadora tinha encontrado um farol.

O “basismo” ideológico era uma resposta aos Partidos Comunistas, que acreditavam numa vanguarda do proletariado. Os comunistas não souberam derrotar a ditadura, pensava a mocidade revolucionária.

No PT, as discussões eram tábulas rasa, tudo começava do zero. A opinião do mais humilde e noviço militante valia tanto, como a dos velhos e cascudos líderes.

Aliás, ser acusado de intelectual, não era um defeito pequeno.

Nos encontros, as posições políticas eram antecedidas de “teses”, escritas previamente para subsidiar os debates. Uma herança marxista, da política como ciência, guiada por princípios. Qualquer polêmica, os mais puros diziam aos brados: “princípios não se negociam”. Como quase tudo era princípio, as negociações ficavam prejudicadas.

Após exaustivas discussões, aos sábados pela manhã, após centenas de inscritos, quando a confusão estava em seu auge. O último inscrito para falar, o professor Luiz Alberto, emitia o veredicto final. Que valeria até a próximo sábado, onde tudo seria reaberto.

Luiz Alberto costurava as teses mais esdrúxulas. Dava a razão a quase todos os oradores, para, no final, iluminar a todos com a verdade. Luiz era um cavalheiro. A sua fala deixava um ar de satisfação, de missão cumprida. Afinal, a tese de que trabalhador só vota em trabalhador, era quase uma certeza. Uma unanimidade.

Claro, quase tudo isso era “Mise en Scène”, que a maioria acreditava.

Hoje, o PT segue outro caminho. As discussões são outras. Fico pensando, talvez, o professor Luiz Alberto, não tivesse espaço para as suas longas e brilhantes análises de conjuntura. Quando o professor citava Marx, era um encantamento geral, a certeza da verdade.

Um antigo correligionário, me confessou que não se lembrava de mais nada, nenhum tópico, nenhum tema, nenhuma divergência mais relevantes. Nada, nada ficou das eternas reuniões matinais dos sábados. Eu fiquei calado, mas também não me lembro de muita coisa.

O mundo, o Brasil, a política e as esquerdas mudaram muito.

Saudades, dos tempos do Professor.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

domingo, 14 de abril de 2024

A SABEDORIA É UMA VERDADE NARRADA


 A Sabedoria é uma verdade narrada.
(por Antonio Samarone)

João Conrado (86 anos), é o mais antigo paneleiro do Tabuleiro dos Caboclos. Pai de Santo e Rezador. Na verdade, a sua especialidade é contar histórias, reais ou inventadas. A sabedoria vem de longe.

Imensas rodas de gente de oiças abertas, formam-se para ouvir Conrado, nos finais de tarde. Gente estropiada da labuta. As narrativas precisam de silêncio. Nem os cachorros latem. Por vezes acende-se uma fogueira.

A comunidade do Tabuleiro, quase quilombola, resiste ao massacre da informação dos Big datas, da objetividade dos algoritmos. O smartphone permite apenas a troca acelerada de informações. Não permite narrações. Atropela as empatias.

O capitalismo se apropriou das narrativas. A informação fragmentou o tempo.

O mundo de Conrado é encantado. Sua sabedoria reflete a sua experiência de vida. A narrativa precisa de tempo, paciência para escutar. A narrativa produz histórias que permitem margens para o milagre e o mistério. O cérebro é analógico.

“Narrar e escutar atentamente historias se condicionam mutuamente. A comunidade narrativa é uma comunidade de ouvintes atentos.” – Chu Han

A comunidade do Tabuleiro dos Caboclos foge da caixa preta dos algoritmos. Não sei até quando. O lado épico da verdade está em extinção. Essa gente nada tem a perder, com diz o Velho Manifesto.

Foi no Tabuleiro dos Caboclos que nasceu o futebol em Itabaiana, que, ao lado da religiosidade e do espírito desbravador dos caminhoneiros, formam um alicerce cultural.

São os últimos habitantes de um mundo encantado, que resistem a dessacralização da vida.

O fogo mítico ainda não foi extinto. Não se mija impunemente nas fogueiras.

Se a vida não puder mais ser narrada, a sabedoria entra em decadência. Ela será substituída pela “técnica de solução de problemas”, que os deslumbrados chamam de inteligência artificial.

A força das reuniões do Consulado de Itabaiana, às quintas, na Praça, consiste em manter aberto o espaço das narrativas. Estamos perdendo a paciência em ouvir calados. Os que não querem ouvir, são os coveiros das narrativas.

Conrado também exerce o papel de conselheiro. “Ouça um conselho que eu lhe dou de graça": não adianta dormir que a dor não passa.” Chico.

“A vida que se desloca de um presente para outro, de uma crise para outra, de um problema para outro, reduz-se a uma sobrevivência.” Chu Han. Uma vida desnuda.

Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, basta que nos ponhamos a narrá-lo. – Satre.

Antonio Samarone – médico sanitarista

sábado, 13 de abril de 2024

A GLÓRIA ETERNA


 A Glória Eterna.
(por Antonio Samarone)

Fui procurado pelo colega, Dr. Silveirinha, para assinar um manifesto de apoio a Elon Musk. Me fiz de desentendido: quem é esse Musk? Ele se impacientou: “Elon Musk é o dono do Twitter, um defensor da liberdade.”

A alma de Silveira é fascista. Aliás, sempre foi. Antes, não se expunha, curtia a sua crença em silêncio.

Ponderei, Dr. Silveira, a liberdade de Elon Musk é uma, a minha é outra. Ele fala de liberdade de se fazer o que quiser, sem limites. A minha é a liberdade democrática, tem limites, a nossa termina onde começa a do outro.

A minha liberdade não permite Fake News, mentiras, agressões, ódio e difamações. Não existe a liberdade de se praticar crimes.

Silveirinha achou esses argumentos, conversa de comunista. A liberdade é uma só, disse-me ele.

O Dr. Silveira, já velho, incorporou uma obsessão pela glória. Das quatro fontes de vaidade do Ego humano, poder, riqueza, honra e glória, ele só abriu mão da honra. O preço era alto, confidenciou o doutor.

O poder e a riqueza de Silveira vieram sem muito esforço. Silveira Já nasceu rico e poderoso. Depois, a medicina duplicou o patrimônio.

Mas, faltava a Glória.

Entregou o cabedal aos cuidados dos filhos, e correu atrás da Glória.

Silveirinha tornou-se membro titular de dezenas de Academias de Letras, Ciências e Artes, Institutos Históricos, e confrarias culturais, fez por receber dezenas de Comendas, a última foi a Ordem de Cristo, do Vaticano.

O doutor, não perde palestras, conferencias, aulas magnas, lançamento de livros e saraus.

É uma obsessão pela glória e escolheu a cultura, por achar a forma mais fácil. Tornar-se herói, ídolo, artista, atleta, cientista, santo, mártir, tudo isso estava fora de cogitação.

Restou a cultura!

Investiu em publicação de livros, todos capa dura, fios dourados, papel de bíblia, um luxo. Algum desavisado pode perguntar: E o conteúdo? Bem, ele aposta que os leitores serão poucos, tornando esse item de pouca importância. Está no prelo um livro de poesia.

Silveirinha resolveu seguir a orientação de Voltaire (“Devemos cultivar o nosso Jardim”), e criou uma “Academia dos Vencedores”, dele, sem interferência dos invejosos, onde ele escolhe os eleitos e as sessões são recheadas de louvações. Cada membro, pode usar até 15 minutos do seu tempo, para elogiar os demais.

O Dr. Silveira é o presidente vitalício.

“Academia dos Vencedores” já tem sede própria, com um auditório de 300 lugares. A sede fica na Praça Camerino, pelos fundos do Museu da Gente Sergipana. Pela frente é discreta, parece uma casa antiga, mas as instalações são de puro luxo, inspirada na arquitetura romana. Na entrada tem um busto de Cícero.

O Dr. Silveira é um homem atualizado. Comprou um aplicativo de inteligência artificial, no Vale do Silício, onde os discursos, textos, ensaios, e até poesia, já veem prontos, é só ctrl C, ctrl V, e se ganha tempo.

O Dr. Silveira escolheu envelhecer sob aplausos. Luta pela glória. Nada contra, só não posso assinar a moção de apoio a Elon Musk.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

terça-feira, 9 de abril de 2024

O CINEMA EM SERGIPE.


 O Cinema em Sergipe.
(por Antonio Samarone)

Um dos males da cultura é o seu desenraizamento. Os eventos soltos perdem força e sentido. A última bienal de Itabaiana (2023), foi um exemplo.

No próximo 30 de abril, inicia-se em Itabaiana um “Festival Internacional de Cinema”. Isso mesmo, um evento grandioso. O festival é organizado por gente do cinema, e tem como coordenador Andrei Ferreira, membro da Academia Brasileira de Cinema.

Entretanto, o festival não tem donos, o festival é uma expressão cultural de Itabaiana.

Sei que os irmãos Lumière, inventores do cinema, estão em festa, com a força da sétima arte em Itabaiana. Quando eles exibiram o primeiro filme, “Sortie de l’usine Lumiére à Lyon”, em dezembro de 1895, lá estava o sergipano Cândido Aragonês de Faria, encarregado de produzir os cartazes.

Entre 30 de abril e 05 de maio de 2024, acontecerá o Festival Internacional de Cinema de Itabaiana. Não se assustem, é festival internacional mesmo. Tivemos 1.454 filmes inscritos, sendo 72 selecionados. Teremos filmes de 20 países. Inclusive, filmes russos, americanos e chineses.

Teremos 15 sessões de cinema durante o festival, além de oficinas, painéis, exposição fotográficas, apresentações artísticas e exposições imersivas.

O filme “O Sequestro do Vôo 375, será um dos filmes convidados, com a presença das duas produtoras.

Uma agência chinesa de cinema, exibirá os filmes premiados em três cidades da China.

Venham conhecer a força do cinema em Itabaiana. O festival ocorrerá no Shopping Peixoto, que tem sido um parceiro importante da cultura Itabaianense.

Salas de cinema em Itabaiana, existem desde a década de 1930.

Um dado relevante, todas as exibições serão gratuitas, financiadas pela Lei Paulo Gustavo.

Itabaiana tem grande tradição cultural na música e na fotografia. Chegou a vez do áudio visual. O cinema viceja em Itabaiana, com a volta do cinema de rua, e agora com esse festival internacional.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

domingo, 7 de abril de 2024

O DR. PLÁCIDO PEDE A PALAVRA.

 

O Dr. Plácido pede a palavra.
(por Antonio Samarone)

O Dr. Plácido me telefonou de Canudos, para discordar do meu texto sobre ele. Foi direto: “você foi superficial e pretensioso!” Ainda me indicou um livro recente de César Benjamin, “Além de Darwin”. No Raso da Catarina, ele compra tudo pela Amazon.

Em meu tempo, disse-me ele, a biologia, ensinada no curso básico, era parte da antiga ciência natural. O conteúdo era botânica, zoologia e corpo Humano. Teoria da evolução, citologia e genética, não se tocava no assunto.

Ainda alcancei!

 
Plácido prosseguiu: em 1859, a biologia deu uma reviravolta, que demorou chegar à escola básica.

Charles Darwin publicou a “Origem das Espécies”; Rudolf Virchow a “Patologia Celular” (“Omnis cellula ex cellula);” Claude Bernard “A propriedade fisiológica e as alterações patológicas dos líquidos dos organismos”; Félix Pouchet “O Tratado da geração espontânea, criando a famosa polêmica com Pasteur.

Plácido citou Benjamin:

“Em 1751, Lineu publicou a sua “philosophia botânica”, descrevendo 4.235 espécies vegetais e animais, admitindo poder chegar a 10 mil. Hoje, se conhece cerca de quatrocentas mil espécies vegetais e um milhão e meio de espécies animais. Cerca de 10 mil novas espécies são identificadas por ano.”

“Carlos Lineu, médico sueco, seguiu a classificação de Aristóteles, que acreditava em espécies imutáveis, criadas por Deus. As espécies eram as, mesma que desceram da Arca de Noé, no Monte Ararat (atual Turquia), depois do dilúvio.

Eu aprendi na Faculdade a medicina das espécies. Conceituada por Foucault, em seu clássico, “O Nascimento da Clínica”, que os colegas médicos ignoram.

A teoria da evolução foi uma revolução intelectual. É chocante afirmar que a fauna, a flora e a própria humanidade resultaram de um processo cego, contingente, pragmático, sem finalidade, sem moralidade, submetido ao acaso e as leis naturais.

É verdade, Galileu tirou o mundo do centro do universo e foi excomungado. Livrou-se, por pouco, da fogueira da inquisição. Darwin foi mais longe, tirou o homem do centro da criação. Somos apenas mais uma espécie, recente e efêmera.

Essa crença de que somos a imagem e semelhança de Deus é uma profunda ilusão.

“Entretanto, o pensamento não é uma propriedade da matéria. Não são apenas sinais elétricos e neurotransmissores. A biologia depois revelou aspectos da vida que não se enquadram apenas em fenômenos físico-químicos. Sem recorrer à metafísica”, acentuou o Dr. Plácido.

O Dr. Plácido prometeu que depois me apresenta as proteínas alostéricas. Fiquei curioso.

Contrariando o senso comum da medicina, “os seres vivos não são máquinas. Os organismos constroem a si; tem mecanismo de preservação e se reproduzem, seguindo um código. Também não são computadores: não há hardware, nem software, nem podem ser ligados e desligados.” - C. Benjamin.

A medicina se perdeu nessa encruzilhada.

Depois, Eu conto o resto da esclarecedora conversa com o Dr. Plácido Canuto e da leitura do livro do Benjamin.

PS – a minha profunda homenagem a Ziraldo.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - CHICO VIÚVO


 Gente Sergipana – Chico Viúvo
(por Antonio Samarone)

A história dos caminhoneiros em Itabaiana vem de longe. Em 2027, completa-se cem anos que Esperidião Noronha apareceu com o primeiro. Será o centenário! Não se chega a Capital Nacional do Caminhão sem história.

Francisco José de Oliveira (Chico Viúvo), 96 anos, se lembra de quase tudo. Foi um dos primeiros motorista de Itabaiana a dirigir na Rio Bahia (1951). Antes da BR – 235. Saia-se de Itabaiana pelo Sertão da Bahia, Jeremoabo, até Feira de Santana.

Trabalhou como motorista para muita gente: Miguel Tenente, Jason Correia, Toninho do Bar, João de Balbino. Prestou serviço na poderosa “Transportadora Sergipana”, do Itabaianense Wilson, casado com a filha de Zeca Titia.

Chico Viúvo nasceu em 25 de novembro de 1928, filho de João Calisto de Oliveira e Josefa Maria de Jesus. Logo cedo apreendeu a dirigir. A sua habilitação é de 1953, tirada em São Vicente, baixada santista.

Chico é casado com Dona Marilene, um casal com 10 filhos, todos vivos.

Hoje, perto do centenário, Chico Viúvo demonstra uma profunda nostalgia das estradas. Tem saudades! Um profissional que ajudou a construir Itabaiana.

A minha homenagem a esse grande brasileiro.

“Essa é a glória que eleva e consola.” Machado de Assis.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.

terça-feira, 2 de abril de 2024

GENTE SERGIPANA - PLÁCIDO CANUTO


Gente Sergipana – Plácido Canuto.
(por Antonio Samarone)

Freud no Sertão.

Freud rompeu com a medicina oficial. A psiquiatria, no início do século XX, seguiu o médico alemão Emil Kraepelin, com a sua psiquiatria orgânica.

“Só as pulsões são verdadeiras. O Ego e o Superego são solúveis em álcool.” Garcia Moreno.

Plácido Canuto, 92 anos, formou-se na Bahia, na centenária Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus. Plácido nasceu em Cipó de Leite, uma Aldeia de Carira. Os pais eram de Itabaiana. Após a especialização, montou o seu consultório itinerante no Sertão Baiana, atendendo às segundas-feiras na cidade de Carira.

Plácido, chegou a psiquiatria pelas mãos do sábio sergipano Garcia Moreno. Uma psiquiatria quase freudiana. Ele exerceu, a psicanálise no sertão Bahia/Sergipe, em meados do século XX.

Antes de abrir o consultório, o Dr. Plácido fez especialização em psicanálise, por seis meses, em Freiberg, na Morávia. Passou 2 anos circulando pela Europa, transpirando a cultura do Velho Mundo. Plácido é filho único de um grande latifundiário.

Ao retornar, logo percebeu que o inconsciente é histórico. O Freud descrevia em suas análises, os sonhos dos seus pacientes, brancos, europeus do fin-de-siècle. Plácido observou que o inconsciente dos sertanejos, não batia com os descritos nos livros.

As suspeitas do Dr. Plácido se confirmaram, após a sua leitura do clássico, do seu colega médico, Guimarães Rosa. O romance de Riobaldo com Diadorim é uma aula da teoria freudiana, em sua versão sertaneja.

Hoje, aos 92 anos, o Dr. Plácido é um médico esquecido. A idade concede aos idosos, antecipadamente, as prerrogativas dos mortos.

A medicina de mercado não cultua os improdutivos. À Academia Sergipana de Medicina, mudou até os estatutos, para jubilar os idosos legalmente. Não bastasse o esquecimento natural. A imortalidade, na Academia, passou a ser uma prerrogativa dos vivos. Para os idosos, virou uma pós-imortalidade.

Uma imortalidade pós-moderna!

O Dr. Plácido é um homem fino, culto e possuí um grande cabedal. Continua bem de memória. Quando novo, trabalhava por vocação e caráter. Não tem herdeiros. A esposa já faleceu e não teve filhos. Mora num castelo, no miolo do Raso da Catarina.

O Dr. Plácido Canuto Lê os textos de Freud em alemão.

Na entrada de sua Fazendo, o Dr. Plácido entronizou uma estátua, tamanho normal, de Sigmund Freud. Avistada as léguas de distância.

O Grande Sertão - Veredas, virou o livro de cabeceira do Dr. Plácido Canuto, o Freud do Sertão. A sua edição é autografada pelo colega, o Doutor Rosa, como ele ainda chama, com intimidade.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

sábado, 30 de março de 2024

UM NEGÓCIO DA CHINA


 Um Negócio da China.
(por Antonio Samarone)

Finalmente, Pachequinho colou grau em medicina. Um esforço familiar. O pai, Seu Pacheco, contabilizou o investimento na ponta do lápis: um milhão e cento e oitenta mil reais. A Faculdade SNTP - Saúde não tem Preço, do grupo Mercantil, cobra mensalidades extorsivas.

O curso, bem, o curso é uma arrumação. O manto imaginário das ciências médicas cobre quase tudo. A SNTP forma bons médicos? Essa pergunta depende do que se entenda por “bons médicos”. A medicina de mercado é hegemônica. A regra do mercado é o lucro.

Pachequinho nunca pensou em especializações. Tempo é dinheiro. O investimento precisa de retorno. O saber médico sem o espírito empreendedor do médico não vai longe.

Na semana seguinte, o consultório de Pachequinho estava de portas abertas, na Galeria Bom Preço, Rua do Mercado. O ponto é bom. Rejeitou todos os convênios, só atendia a particulares e a vista. Os dias se passaram e a clientela não aparecia. Um ou outro gato-pingado.

Pachequinho não penou até aqui, para entregar os pontos. Estava disposto a vitória a qualquer custo. Soube que o diabo continuava comprando almas, só que o preço estava defasado.

Ficou sabendo que o SEBRAE estava ofertando um curso para jovens empreendedores: “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”.

Não perdeu tempo. Com a capacitação, vários negócios apareceram.

Pachequinho descobriu que uma empresa coreana oferecia bobinas de eletro estimulação magnética, em forma de leasing, cobrando uma pequena parcela por procedimentos realizados. A empresa coreana ainda garantia um curso gratuito de capacitação para o doutor.

Pachequinho se capacitou e espalhou nas redes sociais que estava realizando o Transcranial magnetic stimulation ou TMS, assim mesmo, em inglês. Passou a usar a estimulação magnética para quase tudo, uma panaceia.

Eu sei, a “Estimulação Magnética Transcraniana” pode ajudar no diagnóstico de alterações dos parâmetros neurofisiológicos.

Entretanto, o uso feito por Pachequinho foi o tratamento da depressão. Cada sessão custa mil e quinhentos reais. O tratamento completo são 6 sessões. Nesse caso, o custo final é reduzido para cinco mil reais. As despesas podem ser dividida em dez parcelas e aceita-se qualquer cartão.

Se o paciente indicar o tratamento para outra pessoa, recebe um bônus de quinhentos reais por cada paciente encaminhado. Essa rede tem funcionado. A clínica de Pachequinho já possui 12 bobinas em atividade, 24 horas, e a fila é grande. As sessões das 22 às 7 horas, custam apenas 750 reais. Uma pechincha!

Pronto, o investimento da Família Pacheco foi recuperado em menos de um ano. A clínica de Pachequinho cresceu, montou filiais, diversificou os procedimentos ofertados, suspendeu o leasing e comprou as bobinas.

No Brasil, a medicina de mercado nada de braçada. Cada um é o juiz de si próprio. A conduta do médico é livre, o limite é a sua própria consciência.

Pachequinho deixou a faculdade com uma lembrança. Na solenidade de formatura, o orador, um médico conceituado, revelou em seu discurso: “Hipócrates acreditava que as doenças são curadas por uma “vis mediatrix naturae”, ou seja, as doenças evoluem para a cura. Cabe ao médico não atrapalhar”.

Convenhamos, as sessões de magnetismo do Doutor Pachequinho não atrapalham. Em última instância, funcionam como placebo.

Pachequinho abusa em suas condutas, na esperança que esse princípio hipocrático continue em vigor. É o que vem salvando Pachequinho.

Do ponto de vista econômico, Pachequinho fez um bom casamento. Hoje é um homem rico. Investiu em fazendas e passou a plantar milho. Já pensa em entrar na política.

As bobinas eletro magnéticas do Doutor Pachequinho, continuam eficientes caça-níqueis.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 29 de março de 2024

GENTE SERGIPANA - SEU NORONHA


 Gente Sergipana - Seu Noronha.
(por Antonio Samarone)

Numa sociedade de bárbaros, Seu Noronha foi um gentleman.
Um homem fino, amante dos saraus e soirées dançantes em sua residência, geralmente aos domingos. Noronha nunca teve inimigos.

Um conciliador!

Conta-se que houve uma rixa violenta entre dois comerciantes em Itabaiana. O primeiro, contou a sua versão a Noronha, e ele deu razão: “você está certo!” Minutos depois, o segundo briguento contou a versão dele, Noronha deu razão ao segundo: “você está certo!”

Dona Teonila, a esposa de Noronha, assistiu aquela cena intrigada. “Pera aí, Noronha, você deu razão aos dois na mesma causa, é muita incoerência de sua parte.” Noronha respondeu: “você está certa!”

Esperidião Noronha nasceu em Itabaiana, a 24/10/1874. Filho de Seu Benvindo e Dona Antônia. Foi comerciante, sentou praça no 28º BC, e levou o primeiro caminhão para Itabaiana, por volta de 1928.

Com a criação da Estrada de Rodagem para Aracaju, o caminhão de Seu Noronha, fazia linha regular para Laranjeiras.

A chegada do caminhão em Itabaiana, pelas mãos de Seu Noronha, se aproxima dos cem anos. Foi ele que iniciou a saga da Capital Nacional dos Caminhões.

Noronha foi músico, compositor, maestro da Filarmônica Santo Antonio, a filarmônica dos Cabaús, criada por Batista Itajahy, em 1904. Essa Filarmônica durou até 1925.

Noronha retornou a centenária Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, a filarmônica tida como dos Pebas. Essa desavença política em Itabaiana, Pebas X Cabaús, vem de longe.

Esperidião foi político, exercendo o mandato de vereador de Itabaiana por três vezes e de deputado constituinte pela UDN, em 1947, eleito com 924 votos.

Esperidião Noronha faleceu em 24 de dezembro de 1956, quase cego, aos 82 anos. Está sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas de Itabaiana.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

PS: a foto foi restaurada pelo artista Marlon Delano.

sábado, 23 de março de 2024

GENTE SERGIPANA - EULINA NUNES.



 Gente Sergipana – Eulina Nunes.
(por Antonio Samarone)

Itabaiana tem meia dúzia de intelectuais vivendo pelo mundo. Um deles, Luciano de Oliveirinha, mora no Recife. Me mandou uma ordem pelo WhatsApp: escreva sobre Eulina Nunes, senão eu peço a Vladimir.

Fazer o quê?

Eulina Nunes nasceu em primeiro de dezembro de 1908, no povoado Mocambo, Frei Paulo. Filha de Tonho de Zé Nunes e Dona Maria Santiago Nunes.

Logo cedo vieram para Itabaiana. Dona Eulina foi uma líder determinada e se criou em Itabaiana. Professora de corte e costura e culinária. Enviuvou cedo, criando os três filhos: Lutero, Paulo e Marinalva.

Com o Pai, fundou primeira igreja evangélica presbiteriana de Itabaiana.

Aos domingos pela manhã, quando eu voltava da missa, passava na calçada da Igreja presbiteriana. Ficava na ponta dos pés para olhar pela janela. Naquele tempo, os Crentes era gente bem comportada, com roupas austeras, e conduta exemplar.

Gente, eu simpatizava com os Crentes da Igreja de Dona Eulina.

Mamãe dizia: esses são tementes a Deus, gente religiosa, que conhece a bíblia. No final da vida, mamãe virou Crente.

Dona Eulina tinha a fama de ter enfrentado Euclides Paes Mendonça, o poderoso Coronel. No início da década de 1960, Euclides começou a alargar as ruas, abrir avenidas, rasgar Itabaiana de ponta a ponta. Não respeitava a propriedade de ninguém.

Dona Eulina morava num sítio, perto do Colégio das Freiras. Uma das futuras avenidas cortaria o seu sítio no meio. Eulina fincou o pé: “a minha cerca você não derruba”! E não derrubou.

Numa cidade onde o catolicismo romano dominava, os Crentes não passavam de uma meia dúzia.

Só uma igreja (foto), que um dia desses, pela localização privilegiada, foi derrubada para virar galeria comercial. Um crime contra o patrimônio histórico, que Itabaiana assistiu num cúmplice silêncio.

Dona Eulina manteve a sua fé com altivez, até a sua morte, em 03 de janeiro de 1998, aos 90 anos. Os Crentes eram poucos, mais gente digna, exemplar, que vivia a luz do evangelho.

Antonio Samarone.

terça-feira, 19 de março de 2024

O SILÊNCIO DAS SEREIAS


 O Silêncio das Sereias.
(por Antonio Samarone)

Eu sei, o título é um conto de Franz Kafka.

Quando Ulisses tapou os ouvidos com cera e amarrou-se no mastro do navio, para resistir ao canto das sereias, ele estava fundando a racionalidade ocidental.

Antes, deuses, natureza e homens eram a mesma substância. Os mitos explicavam o mundo.

Primeiro houve a separação. Depois os homens procuraram dominar a natureza, e tornaram-se a imagem e semelhança de Deus. Com o iluminismo, venceu a razão. O passo seguinte, foi a eliminação de Deus.

Hoje, substituímos a cera de Ulisses pelos fones de ouvidos.

A vida foi dessacralizada. O homem virou a medida de todas as coisas. Esse desencantamento virou correria em busca de nada. Como diz Byung-Chul Han, criamos a sociedade do cansaço.

Ne velhice, percebo o descaminho que tomamos. Em meu exercício pelo desapego, noto a urgência do reencantamento. Deus é a natureza e vice-versa. Só salvamos a humanidade da extinção precoce, se enfrentarmos a crise climática.

Os dinossauros duraram 150 milhões de anos, até o choque da terra com o meteorito. O Homo sapiens apareceu a 100 mil anos. Geologicamente, somos recém chegados. E já estamos indo embora.

Quem ainda acha que a terra não está esquentando, não passou por Aracaju esses dias.

Outra coisa, achar que a consciência, a alma, a psique, seja lá o nome que se prefira, é fruto da evolução darwinista é pura tolice. Alma e psique em francês tem a mesma denominação: “l’amê”.

A razão me levou de volta a metafísica. A ciência não esclareceu o que somos, nem pode, a ciência trata dos fenômenos naturais.

Achar que a alma é fruto da evolução do cérebro é uma fé mais improvável que a atribuir a divindade.

No grego antigo, “psykhé” é alma.

Enquanto esperamos a Terceira Guerra, dessa vez nuclear, assinei o manifesto pelo reencantamento da vida. Acho que o Armagedom está a caminho. 

Eu quero ouvir o Canto das Sereias! 

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

domingo, 17 de março de 2024

NINGUÉM MORRE DE VÉSPERA

Ninguém Morre de Véspera...
(por Antonio Samarone)

O sonambulismo era frequente. Os sonâmbulos andam durante o sono. Muitas vezes a alma itinerante leva o corpo, para um passeio. Eu só conheço um sonambulo em carne e osso: Zé de Zabelinha. Esse é conhecido, na Moita Formosa.

Seus passeios noturnos pelas bodegas do povoado, são constantes. Zé anda prá cima e prá baixo, em sono profundo. Todos zelam para não acordá-lo.

Não se acorda os sonâmbulos durante a transe. A alma distante, que saiu a passeio ou negócio, pode não acertar o caminho de volta.

Fizeram uma perversidade. Numa dessas sessões de sonambulismo, acordaram o cidadão. Zé de Zabelinha, foi encontrado desacordado, foi dado como morto.

A família não sabe quem fez essa molecagem, pensou em prestar queixa, mas não deu tempo.

Durante o velório, ocorreu outro fenômeno: 16 horas de morto, Zé ressuscitou. Ou melhor, acordou da letargia.

A catalepsia também já foi um fenômeno frequente. Hoje, nem tanto. Para quem esqueceu, a catalepsia é a falsa morte. O corpo para, dá-se o cristão como morto, depois ele acorda. A medicina nem nega, nem confirma.

Jaime ainda é meu parente. Conto essa história por ouvir dizer. A verdade é que ele continua vivo.

Tentei esmiuçar, desconfiado de simulação. Nada, ele não se lembra nem do sonambulismo, nem da catalepsia. Mas a história foi confirmada por muita gente. Dona Josefa, a tia, foi quem vestiu a mortalha no morto vivo.

Zabelinha, a mãe, ficou com medo dessa assombração e, na próxima, ele não acorde. Precavida, procurou um médico naturalista, o Dr. Rafael Schneider, que prescreveu sete sessões de hipnose quântica.

Espero que funcione.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

sábado, 16 de março de 2024

AS PRAIAS DESERTAS DO ARACAJU


As Praias Desertas do Aracaju.
(por Antonio Samarone)

Aracaju foi fundada no Solar do Engenho Unha do Gato, propriedade do Barão de Maruim, a 25 de fevereiro de 1855. Depois aprovaram a Resolução Provincial 413, em 17 de março.
Inácio Barbosa não teve tempo de ver a sua obra. Foi vítima do impaludismo, falecendo em 06 de outubro de 1855, na cidade de Estância, aos 33 anos. A medicina sergipana nada podia contra o Sezão.

No ano da fundação, Aracaju padeceu da sua maior tragédia sanitária. Foi atacada pela pandemia de Cólera Morbo. Aracaju era uma cidade inóspita e doentia.

No momento da fundação do Aracaju (1855), Sergipe possuía cinco médicos: Guilherme Pereira Rabelo, em Aracaju, e José Antonio da Silva Junior, Antonio Ribeiro Lima, Joaquim José de Oliveira, Francisco Sabino Coelho Sampaio e Francisco Alberto de Bragança.

A bela Cajueiro dos Papagaios foi construída dentro de pântanos insalubres, onde a vida parecia inviável. Santo Antonio do Riacho Aracaju está bela. A mão do homem. Luiz Antonio Barreto dizia que Aracaju era um aterro embelezado, uma obra dos sergipanos.

O engenheiro Sebastião Pirro traçou-a primeiro no papel. Tudo bem esquartejado.

No Natal de 1856, celebrou-se a primeira missa na Matriz do São Salvador, ainda em construção no Centro do Aracaju. Essa Igreja, só foi inaugurada em 23 de outubro de 1857.

Em 1856, a população do Aracaju era de 2.831 habitantes, com 4 estrangeiros. Dois sacerdotes, um médico, um boticário e um purgador.

O Atheneu Sergipense, foi inaugurado em Aracaju, em 03 de fevereiro de 1871.

“Em 1872, Aracaju contava com oito anos de impaludismo, de febre intermitente, de cólera morbo, de febre-amarela, seguida de varíola, de quilombadas, da guerra do Paraguai, com o seu voluntariado recrutado, da queda do açúcar e das secas.” – Sebrão Sobrinho.

No final de 1875, foi concluída a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, atua Catedral. O primeiro vigário da Freguesia foi o reverendo Eliziário Vieira Muniz Teles.

O Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição (atual Santa Izabel), foi inaugurado em 16 de fevereiro de 1862, com recursos imperiais.

Em 1856, os médicos Guilherme Rabelo e Pedro Autran fizeram um diagnóstico das condições sanitárias do Aracaju, elaborando um competente relatório. (Tenho a cópia) O primeiro documento de Saúde Pública do Aracaju.

Aracaju já foi a Sultana dos Mares, entrecortada por rios e lagoas. Tudo limpo.

O primeiro palácio foi uma casa cedida por Dona Rufina a Dr. Inácio Barbosa. A Rua da frente chamava-se rua da Aurora, a Praça Fausto Cardoso era a Praça do Mercado. A outra Praça era da Alfândega.

Não adiantou a meritória resistência de João Policarpo Borges (João Bebe Água). Aracaju tomou prumo, foi crescendo aos poucos, e hoje é essa reluzente metrópole. A chegada da Petrobras, década de 1960, foi a locomotiva.

“Em cidades tornei fétidos brejos/ E fiz dos charcos ressurgir o Império.” – Júlio César.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sexta-feira, 15 de março de 2024

A MÃE DO CORPO


 A Mãe do Corpo.
(por Antonio Samarone)

A histeria e a epilepsia são doenças milenares.

Hipócrates, em seu livro Doenças das Mulheres, considerava o útero um pequeno animal caprichoso e autônomo, que circula pelo corpo. Na ausência do coito, a matriz secava e o útero ficava mais leve, subindo para comprimir a caixa torácica.

Nesses casos, ocorria uma sufocação da mulher pela matriz: com rotação dos olhos, pele fria e lívida, vômitos, perturbações cerebrais e perda da fala. Depois, essa concepção foi sendo alterada.

A histeria desapareceu por mil anos. Voltando no período da “caça às bruxas, na idade média. Os padres atribuíam a possessão demoníaca das mulheres acusadas de bruxas; e os médicos diagnosticavam histeria, epilepsia e melancolia.

O fim dos julgamentos de feitiçaria foi uma vitória dos médicos sobre os teólogos.

Para Thomas Synderam, o Hipócrates inglês (1680), a histeria era a mais comum de todas as doenças, ao agir através dos nervos, tanto por emoções mentais como por desarranjos corporais ela pode imitar qualquer doença.

Charcot se interessou pela histeria em 1870. Substituiu o exorcismo pela hipnose. Transformou o Salpêtrìere num espaço científico.

O famoso médico francês, Jean-Martin Charcot, pai da neurologia, o Napoleão das neuroses, promoveu no “fin-de-siècle”, um espetáculo semanal com as mulheres pobres de Paris, internadas no Salpêtrière, expondo-as seminuas aos olhares masculinos. Os gestos, convulsões, gritos e sussurros emocionais eram marcados pela insinuação erótica.

O Salpêtrìere era uma cidade no estilo do século XVII. Um local onde São Vicente de Paula realizou as suas obras de caridade. Luís XIV converteu-o em abrigo para mendigos, prostitutas e insanos.

As cenas públicas de histeria eram cuidadosamente fotografadas.

Eram os chamados ataques histéricos, expostos de forma desprezível. A histeria e a neurastenia eram os transtornos mentais mais frequentes no início do século XX.

O que a medicina fez com a histeria, que fim levou? Charcot apontava a hipnose, como tratamento da histeria.

Charcot foi gênio e charlatão. Um prince de la sciencia. Ao lado de Pasteur, orgulho da França. Um homem muito rico, culto, produzia suntuosas recepções em sua casa, para cientistas, políticos, artistas e escritores. Conta-se que o nosso Pedro II, quando em Paris, era frequentemente convidado.

Freud foi aluno do serviço de Charcot, no Salpêtrière. Voltou a Áustria para tratar os casos de histeria, mas não aceitou a hipnose como recurso terapêutico.

Até onde entendi, Freud achava que a histeria era a transformação das memórias sexuais reprimidas em sintomas corporais. Me corrijam...

A histeria foi historicamente uma doença do útero. No grego, histero significa útero. Na histeria, o útero, a mãe do corpo, fica desgovernado. O povo chamava de furor uterino.

Claro, para Charcot, a histeria era uma doença neurológica.
No início do século XX, as histéricas que lotavam as enfermarias dos hospitais públicos desapareceram. A neurologia empurrou a histeria para o campo da psiquiatria, que, por sua vez, inclui-a na categoria dos fingimentos.

Freud reelaborou os sintomas da histeria, dando-lhes outros significados. Por desconhecer a sua obra em profundidade, não me arrisco em sintetizar o ocorrido.

O que fica claro, é que as “evidencias” na medicina são fluídas, aparecem e desaparecem sem dar explicações. Tolo é acreditar nessas verdades provisórias.

A medicina esqueceu a histeria, trocou o nome ou ela deixou de existir?

Não se fala mais em sufocação uterina, furor uterino, dor de amor ou histeria. Uma neurose enganadora. Histeria virou um rótulo inaceitável.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

quinta-feira, 14 de março de 2024

O ANFITEATRO DA FILARMONICA


O Anfiteatro da Filarmônica.
Por Antonio Samarone.

Os gregos criaram o teatro e os romanos o anfiteatro. Um local ao ar livre, destinado aos espetáculos. Lutas de gladiadores, espetáculos circenses, corrida de bigas, enfrentamentos entre animais ou simulações de batalhas navais.

O anfiteatro da Filarmônica será um local de concertos, musicais, teatro e danças.

O famoso Coliseu romano é um anfiteatro.

Não sei as razoes, mas Itabaiana é infestada de anfiteatros. São dezenas! Em quase todas as avenidas. Tem até nos povoados. Nenhum ocioso.

A arte nunca é demais!

A vetusta Filarmônica Nossa Senhora da Conceição anunciou a construção de um novo anfiteatro, com a promessa de ser um novo cartão postal, uma joia da arquitetura. Não é uma concha acústica, dessas de Universidade.

O anfiteatro da Filarmônica é o que tem de mais avançado em acústica, onde os concertos se sentirão à vontade. Viva! Itabaiana aplaude a iniciativa.

A Filarmônica de Itabaiana não tem dono, não deve ter, ela é patrimônio cultural do povo.

Será um anfiteatro como os de Berlim, Siracusa, Tunísia e Milão. O Campus Martius.

Mas, tem um porém.

Em um momento infeliz, o empresário da construção civil, Edson Passos, resolveu retomar o terreno da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, por ele doado há quase uma década: alegou razões burocráticas: a Filarmônica demorou a construir.

Agora, que a Filarmônica recebeu uma promessa de ajuda financeira, tem um projeto e anuncia a construção de um anfiteatro, as coisas podem emperrar na Justiça.

Um apelo ao arquiteto Edson Passos, retire essa causa, lesiva a cultura de Itabaiana.

Antonio Samarone. Secretário de Cultura.
 

terça-feira, 12 de março de 2024

A LOUCURA DE SAUL.

A loucura de Saul.
(por Antonio Samarone)

Saul foi o primeiro Rei de Israel, ungido por Javé. Sua missão era exterminar os povos vizinhos.

Javé ordenou: “vai, pois, agora, e investe contra Amalec, condena-o ao anátema com tudo o que lhe pertence, não tenha piedade dele, mata homens e mulheres, crianças e recém nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos.”

Nada diferente da atual carnificina contra os palestinos.

Entretanto, Saul poupou a vida de Agag, Rei dos Amalequitas. Javé não aceitou a desobediência e acometeu Saul de fortes tormentos mentais. Ora amedrontado, ora furioso, ora homicida, ora deprimido, ora delirante.

A loucura se apossou de Saul até o fim de sua vida.

A turbulência mental de Saul foi atribuída aos espíritos malignos. O tratamento foi tentado. Davi tocou a harpa, para acalentá-lo. (veja a pintura)

A música da harpa de Davi nem sempre acalmava Saul. Por duas vezes, Saul quis matar o próprio Davi. Com a lança na mão, Saul bradou: “encravarei Davi na parede”. Deus livrou Davi.

Javé abandonou Saul, que perdeu três filhos na batalha contra os filisteus. Quando os inimigos se aproximaram para matá-lo, ele caiu sobre a própria espada, cometendo o suicídio.

Depois, Davi derrotou os filisteus.

O povo palestino pede misericórdia.

Antonio Samarone.
 

sexta-feira, 8 de março de 2024

UM ATEU DE ALDEIA


 Um Ateu de Aldeia.
(por Antonio Samarone)

Aristeu, um velho fidalgo do Beco Novo, está arrependido. Foi um crente na dialética. Um ateu, materialista puro-sangue, virou um agnóstico, um cético. “Graças a Deus, Deus não existe.”

Marx criou um ateísmo sócio econômico: a religião é o ópio do povo.

Aristeu acreditou em Friedrich Nietzsche, quando ele anunciou a morte de Deus: "Deus não existe! O que o mundo possuía de mais sagrado, de mais poderoso, sangrou sob os nossos punhais, quem lavará de nós a mancha de sangue? Com que água havemos de nos purificar?"

Hoje, aos 70 anos, Aristeu enxerga a fragilidades do materialismo científico. Ele está fazendo o caminho de volta.

Calma, não é pelo medo da morte, cada dia mais próximo.

Não!

Aristeu deseja um reencantamento do mundo, uma volta a sacralização do que é sagrado, uma necessidade do transcendente. É a revanche de Deus!

Dos três grandes enigmas: a criação do universo, o surgimento da vida e como o cérebro criou a mente consciente, talvez, esse último, seja o mais desconhecidos. Deixar a solução nas mãos exclusivas das ciências, não parece eficaz.

Aristeu suspeita que o surgimento alma, do espírito, da mente consciente não se encaixam na evolução darwinista.

Afastar a hipótese divina é uma flagrante arrogância. Não existem evidencias.

Lembrei-me de uma passagem clássica de Fernando Pessoa: “minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e regem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.”

A razão, mesmo divinizada, não deu conta do aparecimento da mente consciente.

Nossa mente consciente rompeu as barreiras dos limites da cognição. A narrativa bíblica fundamenta a expulsão do Paraíso após a tentação do fruto proibido.

A mitologia grega nunca perdoou Prometeu, por entregar o fogo aos humanos.

Aristeu não está só, nessa retorno ao sagrado.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)