quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Direito de Parir


 Antonio Samarone.
Academia Sergipana de Medicina.

No Rio Grande do Sul, a dona de casa Adelir Carmem Lemos de Goes, 29 anos, foi obrigada pela justiça, sob coerção policial, a submeter-se a um processo cirúrgico de extração do seu desejado filho, o conhecido “parto cesariano”. Dona Adelir tinha resolvido, junto com a família, que gostaria apenas de parir, ter o seu parto normal, sentir o nascimento do seu filho, aliás, um ato fisiológico, afetivo e natural. Chegando ao hospital, os doutores tomaram outra decisão, o parto de Dona Adelir deverá ser cirúrgico. No dia-a-dia, as mulheres cedem, são “convencidas” das vantagens da cirurgia, Dona Adelir bateu o pé, só aceito parto normal.
O Poder Médico não se fez de rogado, acionou o ministério público, que de imediato recorreu ao ágil poder judiciário, que, em horas, determinou que Dona Adelir estivesse obrigada a submeter-se ao processo cirúrgico. A polícia foi acionada para cumprir a ordem judicial e, sem pestanejar, conduziu a senhora à maternidade para que o procedimento fosse realizado. Aonde chegaremos?
A OMS estabelece como razoável um índice de partos cirúrgicos de até 15% do total, no Brasil, chegamos a 44%, somos vice-campeões mundiais nesta modalidade, perdendo apenas para o Chipre. Existem suspeitas fundadas que essa epidemia brasileira de cesáreas não é determinada pela nobre missão da medicina, por imposição epidemiológica, muito menos por preocupações com a saúde materno infantil ou razões de interesse público; mesmo assim, sem risco de vida nem para a mãe nem para o filho, e tratando-se de um “procedimento médico” que o próprio Ministério da Saúde luta por sua redução, a decisão da justiça foi implacável: faça-se a cirurgia.
Se a moda pega, a medicina privada acaba de ganhar uma mina de ouro e a Saúde Pública mais uma grande despesa. Por que não passar a requerer judicialmente que os pacientes, mesmo contra a vontade, sejam obrigados a realizarem implantes de marca-passos, próteses, transplantes, cirurgias bariátricas, internações, plásticas, e aos mais diversos “procedimentos”, desde que a ciência médica entenda “necessários” para a saúde e o bem estar dos seus pacientes? (a tabela da AMB relaciona cerca de 4.600 procedimentos).
Fiquei assustado, tratarei imediatamente de fazer meu testamento vital, antes que a “Dama da Foice” me pegue desprevenido. Preciso deixar claro, em documento, que não quero morrer entubado numa UTI, não quero isso, não quero aquilo, para evitar que os colegas médicos resolvam acionar a justiça, visando preservar meus interesses, e o juiz de plantão, embasado em laudo científico, decida como eu deva morrer e a quantos e quais procedimentos devo antes submeter-me, tudo para o meu bem, e caso eu não aceite, seja condenado à multa diária pela desobediência.