terça-feira, 31 de agosto de 2021

MANGUES DO ARACAJU - São José dos Náufragos


Mangues do Aracaju. (São José dos Náufragos)
Por Antonio Samarone.

O Rio Santa Maria nasce nas matas do Caípe Velho, é um afluente do Rio Vaza Barris. Já foi o principal caminho para o transporte do coco entre o Mosqueiro e Aracaju.

Entre 1840-44, o rio Santa Maria recebeu uma obra de engenharia de grande porte. Foi aberto um canal até o rio Poxim, tornando possível a comunicação direta entre as embarcações que transitavam pelo Vaza-Barris e o Sergipe, sem ter o grande inconveniente de navegar pelas duas perigosas barras.

O Canal de Santa Maria recebeu melhoramentos em 1932. tornando-se uma via navegável para as embarcações da época. As canoas eram empurradas por grandes varas, deixando uma marca no tórax dos canoeiros. Uma deformação ocupacional.

O atual e promissor complexo habitacional Santa Maria, antiga Terra Dura, foi a resultante de ocupações desordenadas e precárias, por pessoas carentes em busca de moradia. Lembro-me das ocupações mais importantes: as do arrozal, morro do avião, loteamento Marivan, Prainha, gasoduto.

Contudo, a mais importante, do ponto de vista ambiental, foi a ocupação do trecho do canal Santa Maria (Terra Dura), que permitia a ligação fluvial entre o Vaza Barris e o Sergipe.

O canal foi aterrado e ocupado por pessoas carentes, durante o Governo Valadares. Hoje resta um “córrego”. Durante esse mesmo governo, foi construído na Terra Dura, um conjunto habitacional que leva o seu nome.

Atualmente, a parte navegável do Rio Santa Maria chega até a chamada curva do Rio, no Bairro São José dos Náufragos. Não sei até quando.

Com a mudança das denominações das localidades da Zona de Expansão para “bairros”, existe a expectativa de uma invasão da indústria da especulação imobiliária, pondo abaixo o que resta de restingas e manguezais. Deus nos proteja!

Não sou contra o desenvolvimento do Aracaju, pelo contrário, desde que seja um crescimento sustentável. Não é impossível impor regras civilizadas.

Por minha conta e risco, consultando o tratado “Biogeografia do Estado de Sergipe”, do grande pesquisador Emmanuel Franco; consultando o saber popular das marisqueiras, identifiquei, a seguinte vegetação nos manguezais.

1. Mangue vermelho ou sapateiro (Rhyzophora mangle), que possui as raízes em escoras, penetrando mais profundo;
2. Mangue biriba (Avicennia nítida), possui flores levemente perfumadas, a sua madeira era usada na fabricação de lápis;
3. Mangue manso (Laguncularia racemosa);
4. mangue de botão ou Mangue bola (Conocarpus erectus);
5. Mangue branco.

Nas matas da restinga:

Angelim (Andira nítida), cajueiro (Anacardium occidentale), Oroba (Cocos schyzophilla). Dicurizeiro (Syagros coronata), murta (Myrcia sp), aroeira de praia (Schinus terebinthifolius) e bula-cinza (Hirtella ciliata).

Claro, uma iniciativa por simples curiosidade. Os biólogos, geógrafos, pesquisadores e ambientalistas podem corrigir os erros e aprofundar o levantamento.

Espero ingenuamente que a Prefeitura de Aracaju cuide da questão ambiental e só permita uma ocupação urbana sustentável, dessa área.

É o futuro urbano do Aracaju.

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

sábado, 28 de agosto de 2021

Tupi, or not tupi that is the question


Tupi, or not tupi that is the question.
(por Antonio Samarone)

“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” – Oswald de Andrade.

O STF prepara o golpe fatal nas terras indígenas. A pressão do agronegócio e dos garimpeiros para a aprovação do “marco temporal” é tenebrosa.

Aprovado o “marco temporal”, os índios só podem reivindicar as terras ocupadas antes da Constituição de 1988. Na prática, é a legalização da grilagem. A mata vira pasto.

O etnocídio, o extermínio dos índios vem de longe.

Os portugueses acreditavam que os índios eram animais, não possuíam alma, não possuíam natureza humana. A dúvida foi levada ao Vaticano. O Papa Paulo III (o mesmo que convocou o Concilio de Trento), concluiu que os índios eram gente, possuíam alma, e poderiam ser catequizados.

O Papa Paulo III, se manifestou através do breve Pastorale oficcium, em 29 de maio de 1537; seguido da bula, “Sublimis Deus!”, de 02 de junho de 1537. Isso mudou pouco a relação, ficou na retórica.

Um aspecto curioso desta bula é a discussão de como lidar com a poligamia. Após a conversão, os índios tinham que se casar com a primeira esposa, mas se eles não conseguissem lembrar, poderiam escolher, dentre as esposas, aquela de sua preferência.

Os índios seriam reconhecidos como gente, desde que deixassem de ser nômades, antropófagos, acabasse com as guerras tribais e aceitassem o batismo cristão. Ou seja, os índios seriam aceitos como gente se deixassem de ser índios.
O dominicano Juan Gines de Sepúlveda defendeu, durante as sessões no Concilio de Trento (1550), em Valladolid, a tese da Servidão Natural dos Selvagens nas Américas, e a justiça da escravidão e do extermínio dos índios.

A guerra aos Tupinambás começa para valer com Mem de Sá, em parceria harmoniosa com o padre Manoel da Nóbrega. Entre a cruz e a espada, não restou saída para essa brava nação Tupi.

Dizia o beato José de Anchieta:

“Parece-nos que estão as portas abertas nesta Capitania para a conversão dos gentios, Se Deus Nosso Senhor quiser dar maneira com que sejam sujeitados e postos sob jugo. Porque, para esse gênero de gente, não há melhor pregação que espada e vara de ferro, na qual, mas que em nenhuma outra, é necessário que se cumpra o “compele eos intrare”.

O Regulamento de sujeição dos índios, de 1549, de Mem de Sá e do jesuíta Manoel da Nóbrega continua em vigor.

O que assusta é a indiferença do PT e de Lula!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

 

domingo, 22 de agosto de 2021

Epilepsia (morbus sacer ou morbus demoniacus)


Epilepsia (morbus sacer ou morbus demoniacus)
(Por Antonio Samarone)

Nas antigas civilizações a epilepsia era tida com um “morbus sacer” (doença sagrada). Depois tornou-se uma doença psiquiátrica.

No início do século XX, os epilépticos eram agrupados com os insanos, nos manicômios.

Hipócrates negou o caráter sagrado da epilepsia. O pai da medicina acreditava que a epilepsia se originava no cérebro. Um fleugma era secretado (pituita) e passava para os vasos sanguíneos, onde encontrava o pneuma (princípio da vida). A obstrução resultante desse encontro desencadeava as convulsões.

Para a medicina grega, a epilepsia era um transtorno humoral.

Na idade média, os epilépticos eram temidos e rejeitados, com a suspeita de serem endemoniados. A epilepsia era considerada uma doença contagiosa, por isso o medo do contato com a baba dos doentes, durante as crises convulsivas.

Na Idade Média a epilepsia tornou-se um “morbus demoniacus”. A epilepsia era vista como uma punição por algum pecado ou falta grave. Outros atribuíam ao vicio solitário.

César Lombroso (1836 – 1909) relacionou a epilepsia ao crime. Outros atribuíam aos epilépticos genialidade e dotes sobre humanos. Segundo Aristóteles, Hercules padecia do mal sagrado.

Houve uma mitologização dos gênios epilépticos.

A história regista a presença de epilepsia em alguns heróis: Alexandre, o Grande: Júlio César; São Paulo; Maomé; Petrarca; Pedro, o Grande e Napoleão Bonaparte. São os epilépticos mais famosos.

Alguns artistas e cientistas conhecidos: Buffon; Flaubert; Dostoievski; Helmholtz, Van Gogh e Machado de Assis foram epilépticos notórios.

“Os escritos de Machado ao amigo Mário de Alencar, já às portas da morte, da melancólica solidão de seu quarto de enfermo, permitem uma perfeita analogia com a personalidade de Gustave Flaubert, escritor francês, que também sofria de epilepsia: "Meu querido amigo, hoje à tarde reli uma página da biografia de Flaubert; achei a mesma solidão e tristeza e até o mesmo mal, como sabe, o outro...".

Machado de Assis foi paciente do famoso clínico Miguel Couto. Os detalhes da sua doença são bem conhecidos.

“Dostoievski escreveu com admirável perspicácia sobre a aura extática, um evento raro durante o qual durante o qual um epiléptico do lobo temporal, nos momentos de êxtase, antes de uma convulsão, tinha a sua inteira atenção convergindo para temas transcendentais com Deus e a morte.” – Roy Porter.

“Eu realmente toquei Deus. Ele veio sobre mim, sim, Deus existe, eu gritei, e não lembro de mais nada. Todos vocês, pessoas saudáveis... não podem imaginar a felicidade que nós epilépticos sentimos durante o segundo antes de nossos ataques. Maomé, em seu alcorão, disse que havia visto o Paraiso e nele penetrado.” – Dostoievski.

Somente no final do século XIX, a medicina suspeita de descargas elétricas irregulares como causa da epilepsia. A epilepsia passou para o campo da neurologia, e as manifestações psiquiátricas se tornaram complicações.

John Hughlings Jackson (1835-1911), é considerado o “Pai da epilepsia”. O seu conceito de epilepsia foi revolucionário numa época em que ainda se desconhecia a base eletroquímica da transmissão nervosa.

Jackson descreveu que as crises epiléticas teriam origem no córtex cerebral, na sequência de uma “descarga” de energia neuronal nos neurónios corticais.

A medicina “desvendou” a epilepsia, e conseguiu um controle eficaz. Não mais existirão os Dostoievskis?

Para os interessados, existe um clássico sobre a história da epilepsia: “The Falling Sickness”, de Owsei Temkin. Recomendo a leitura.

Antonio Samarone (médico sanitarista).


 

sábado, 21 de agosto de 2021

O CANTO DO PROFESSOR GABRIEL


O Canto do Professor Gabriel.
(por Antonio Samarone)

Nas escolas da minha infância, a pedagogia educava dentro da dualidade poesia/medo. Deixe-me esclarecer.

O ensino da tabuada fazia-se cantando coletivamente com a turma. Contraditoriamente, a averiguação era cruel, em forma de sabatina, onde o erro era punido com a palmatória. O canto versus o medo, a música versus a violência.

O espancamento dos alunos não era permitido nas escolas públicas, nos Grupos Escolares. Já nas escolas particulares, era a regra.

Algumas professoras se notabilizaram pela violência. “A professora fulana bate sem dó nem piedade”, dizia-se em Itabaiana. Sem contar os castigos cruéis e humilhantes.

As reguadas nos braços era um aperitivo para os desatentos.

A violência física não me afetou na escola, frequentei escolas públicas. Nunca dei a mão à palmatória!

O canto sim, afeta até hoje. Ainda faço a chamada “conta de cabeça”, claro, das 4 operações. Não dou a ousadia de usar a máquina. Engraçado, o meu cérebro soma, multiplica e divide cantando, dentro de um ritmo musical.

As primeiras letras e números chegavam às crianças sob o signo do medo e do canto. A palmatória era um frequente recurso pedagógico dos educadores. Os professores batiam muito, eram espancamentos educativos, diziam eles.

No Ginásio Murilo Braga, o professor Gabriel (que não batia) ensinava matemática com a pedagogia do canto. “Primeiro pelo primeiro, primeiro pelo segundo, segundo pelo primeiro e segundo pelo segundo”, cantávamos festivamente.

A poesia didática é um recurso formidável na arte de ensinar. Onde teve início esse costume de aulas cantadas?

Avicena (Ibn Sînâ), médico persa do século IX, conhecido pela publicação do “Cânone da Medicina”, uma enciclopédia em 5 volumes, que concentrava o conhecimento médico da época.

Entretanto, a mais grandiosa obra de Avicena é o seu “Poema da Medicina” (Canticum), que contém os princípios da ciência médica em forma de versos, cantados nas faculdades de medicina europeias, até o século XIX.

O trecho do Poema dedicado à fisiologia, termina com uma análise dos sentimentos:

“A cólera traz o calor e às vezes pode ser um mal; o medo gera o frio e por vezes pode provocar a morte; o corpo prospera com a alegria, porém, em demasia, ela lhe produz uma má disposição; a tristeza pode ser fatal aos magros, entretanto é útil àqueles que necessitam perder peso.”

O canto do professor Gabriel tinha raízes profundas.

Gabriel não era um sábio da matemática, talvez até soubesse pouco, mas era um exímio professor, pois dominava a didática do canto. Quase tudo que sei da matemática aprendi nas aulas de Gabriel. O mais espetacular, nunca reprovou ninguém.

Os modernos cursos de preparação para o vestibular usam a pedagogia de Gabriel. O recurso ao verso e ao canto, para todas as disciplinas. Claro, sem palmatória.

A história da educação em Sergipe, tem uma dívida com o professor Gabriel.

Na foto, o professor Gabriel é o cadeirante...

Antonio Samarone (médico sanitarista)