domingo, 15 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. OS FRUTOS DA EDUCAÇÃO.


 Itabaiana – 350 anos. Os frutos da Educação.
(por Antonio Samarone)

Somente em 1953, saiu a primeira turma de ginasianos, formada no Murilo Braga. A educação mostrava as unhas, se manifestava em Itabaiana, uma cidade voltada para a agricultura.

Itabaianenses formados, até a da primeira metade do século XX, foram poucos, um ou outro, mesmo assim, longe daqui. Em medicina, lembro-me de dois:

Aírton de Mendonça Teles, filho de Manoel Teles (líder político) e Dona Pequena, formou-se em medicina na Bahia, em 1947. Deputado estadual e federal. Foi vítima de um acidente aéreo, no Estado da Guanabara, em 25 de junho de 1960, aos 35 anos.

No final da década de 1960, Sergipe possuia 150 médicos inscritos no Conselho Regional de Medicina, aptos ao exercício da profissão. Que eu lembre, natural de Itabaiana, só Sinval Andrade Santos, filho de Seu Zeca de Áurea e Dona Rosália, neto de Manesinho Priscina. Sinval Andrade, formou-se no Rio de Janeiro, em 1967.

Sinval Andrade foi professor de medicina da UFS e é membro titular da Academia Sergipana de Medicina. Hoje, aos 86 anos, Sinval é um médico de sólida formação científica e rara erudição.

Nas duas primeiras turmas de formandos em medicina pela UFS (1966 e 1967), não constavam Itabaianense. O primeiro, formando pela UFS, foi Antonio Santana Menezes, em 1968.

Antônio Santana Meneses, nasceu em Itabaiana, em 05 de agosto de 1944. Filho de Florival de Oliveira Menezes (Florival de Dario) e Dona Valdelina de Santana. O pai era comerciário, empregado do armazém de Manoel Teles (chefe político em Itabaiana). Seu Florival morreu cedo, deixando Antônio Santana com nove anos. Santana tem 4 irmãos: Zé Torneiro, João, Maria e Nivalda.

A vida ficou difícil para Antônio Santana, com a morte do pai. Como todo menino pobre daquele tempo, pegou carrego na feira, vendeu água em moringa, e aos dez anos, a mãe resolveu que estava na hora dele aprender um ofício. Empregou o menino na Alfaiataria de Zé Crispim (cortar ponta de linha, pregar botão, ascender o ferro em brasa). Sempre tinha o que fazer. Zé Crispim comprou uma loja de tecido, e o balconista foi Santana, aos 11 anos.

O trabalho educou e disciplinou o menino. Não o impediu de jogar bola na Praça da Feira, nem de frequentar e se sair bem na escola. Os tempos eram outros.

Antônio Santana nunca descuidou da escola. O primário começou na escola de Maria Branquinha e depois no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. O ginásio ele fez no grande Murilo Braga, com excelentes professores e muita organização. As escolas públicas funcionavam muito bem. Só iam para as escolas particulares os alunos que não queriam nada. Eram escolas “papai pagou, filhinho passou”.

A dificuldade apareceu para estudar o científico, em Itabaiana não tinha. E agora, como vir para Aracaju sem ter onde ficar, sem tem como se manter. Zé Crispim, vendo aquilo, resolveu ajudá-lo. Fez contato com Valtênio Meneses, dono das lojas de tecido Maracanã, e conseguiu um emprego para Santana. Em 1960, Antônio Santana se mudou para Aracaju.

Trabalhando, pode estudar o científico, à noite, no Colégio Atheneu Sergipense, onde estudavam ricos e pobres. Foi morar numa vila de quartos, na rua Japaratuba. Santana se destacou nos estudos.

No 3º ano científico, Seu Valtênio Menezes, vendo o esforço do menino, fez uma concessão: - “você só precisa vir trabalhar depois do almoço, pela manhã fique em casa para estudar”. Foi o suficiente! Em 1963, Antônio Santana passou no concorrido vestibular de medicina da UFS, o único pobre da turma. Só passaram 11 alunos naquele ano.

Naquele tempo eram poucos os filhos de Itabaiana que se formavam. Em medicina tivemos o filho de Manoel Teles, Dr. Airton Mendonça Teles; e agora teríamos o filho de um balconista do armazém de Manoel Teles; Antônio Santana, o primeiro Itabaianense a forma-se em medicina pela UFS.

Durante o curso, logo cedo, Antônio Santana se interessou pela psiquiatria. Aproximou-se do Dr. Hercílio Cruz, professor e dono da única clínica particular em Sergipe, o Hospital Psiquiátrico Santa Maria. Além de Hercílio, exerciam a psiquiatria em Sergipe: Garcia Moreno, Renato Mazze Lucas, Jorge Cabral Vieira e Eduardo Vital Santos Melo. Um grupo pequeno, todos influentes na sociedade.

Antônio Santana Meneses concluiu o curso de medicina em 20 de dezembro de 1968. Em primeiro de janeiro, já estava empregado na Clínica Santa Maria. Em dezembro de 1970, casou com uma amiga de infância, uma ceboleira, Dona Carmen Santos Meneses.

Pouco tempo depois, deixou a Clínica do Dr. Hercílio para assumir a direção do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, um velho depósito de pacientes. Mesmo recém-formado, o Secretário da Saúde não tinha alternativas, os psiquiatras famosos não aceitavam.

Antônio Santana encontrou o Adauto Botelho superlotado. Uma ala feminina, assistida pelo Dr. Renato Mazze Lucas; e uma ala masculina, sem assistência médica. Aos fundos, ainda existia um puxadinho, com os pacientes remanescentes da Colônia Eronides de Carvalho. O Adauto Botelho possui ainda uma ala dos “Sem Leitos” (eu alcancei), isso mesmo, os que dormiam no chão.

Entre os tratamentos dominantes no Adauto Botelho: a insulinoterapia (o paciente era induzido ao choque hipoglicêmico); o cardiozol (método químico de provocar convulsões); e o “sulfo”, (mistura de óleo de cozinha com enxofre em pó), que aplicado na bunda do suplicante. Era uma injeção intramuscular para produzir um abscesso e reduzir a agitação do infeliz. Um velho princípio hipocrático: “a dor maior, cura a dor menor”.

De moderno, o Adauto Botelho possuía o eletrochoque, aplicado em quase todo o mundo. O choque era a panaceia, servia para tudo. O Dr. Antônio Santana demorou pouco tempo nessa casa de horrores. Doentes no chão, sem assistência médica, sobrevivendo a base dos choques. Santana pediu demissão e foi embora para São Paulo.

Antônio Santana foi compor a imensa legião de médicos sergipanos migrantes para São Paulo. Da segunda metade do século XIX, até hoje. Formamos uma elite de paus-de-arara, que partiram em busca de uma vida melhor. Não ajudamos a construir São Paulo só com o trabalho braçal, com o suor; exportamos também cérebros, inteligências, pensamentos, arte e sensibilidade.

Em 1972, Antônio Santana foi morar em São Paulo. Residiu primeiro em Piracicaba. Em 1975 mudou-se para Presidente Prudente, onde foi trabalhar no Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes. Lá viveu, exerceu a medicina decentemente, e criou os seus filhos: Carla, oftalmologista; e Claudio, patologista.

Antônio Santana desenvolveu um trabalho voluntário de combate ao alcoolismo, na cidade de Mirante de Paranapanema, próxima a Presidente Prudente.

Antônio Santana Meneses, o Dr. Meneses (para os paulistas), cinquenta e seis anos de formado, reside hoje em São Paulo (capital), e ainda exerce a psiquiatria em seu consultório.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

sábado, 14 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. ACADEMIA BECO NOVENSE DE LETRAS.


 Itabaiana, 350 anos. Academia Beco Novense de Letras.
(por Antonio Samarone)

“Praças: Da Matriz, Santa Cruz, do Vapor/ Ruas: Nova, Beco Novo, Futuro, Vitória, São Paulo, Flores, Cisco, Sol, Ovo, Pedreira... E havia homens sábios.” – Zé Crispim, natural do Zanguê!

O Beco Novo já foi a entrada antiga de Itabaiana e o caminho de Santo Antonio Fujão. Uma rua de pretos e pobres, salvo um ou outro remediado.

Várias escolas: Helena de Branquinha, Dona Joseíta e a do professor Airton Silva (foto). Clube recreativo, estádio de futebol, tendas de sapateiros, fábricas de peido veio, brilhantina, botes de fósforos e uma bodega em cada esquina.

E muitos meninos... A rua era entupida de moleques, quase todos briguentos.

Até os idos de 1960, a Rua do Beco Novo era o centro cultural de Itabaiana. A rua tinha o seu ateu: José Nogueira da Silva, conhecido por Araponga. Menino de pouca conversa, obstinado, autodidata; deixou a escola ao concluir o primário, por não suportar as pancadas da professora Branquinha. Hoje, a psicologia enquadrava Araponga como autista, com capacidade cognitiva privilegiada.

Naquele tempo, as professoras usavam e abusavam da sabatina, errou qualquer besteira, à palmatória comia no centro. Sem contar os castigos cruéis e humilhantes. Muitos mijavam nas calças, com as ações disciplinadoras. Araponga desistiu.

Aos 16 anos, Araponga já era um bom sapateiro, apreendeu o ofício com o Pai. Poderia ter parado por aí, casar, criar família, levar uma vida simples, como tantos. Mas ele queria voar, descobriu que igreja católica tinha uma biblioteca, e que emprestava livros de graça. Meteu as caras. Não desconfiava o que iria encontrar.

Uma biblioteca católica em Itabaiana, antes do Concílio Vaticano II, certamente estaria repleta de uma literatura religiosa, a vida dos santos, a imitação de cristo, a bíblia, os evangelhos; mas, por tentação de Satanás, Araponga pegou o primeiro livro na estante errada, era um livro de Voltaire. E foi a sua perdição, encasquetou com a filosofia, e não parou mais.

Até hoje me pergunto, o que aquela literatura iluminista estava fazendo na biblioteca do padre? Coisa do Cão!

Suponho, hoje, que sendo o padre muito ocupado com a salvação do rebanho, nunca tivera tempo de examinar o acervo literário da sua Paróquia. O certo é que os livros do padre empurraram Araponga para o ateísmo.

Araponga leu Rousseau, Descarte, Diderot, alguns discursos do incorruptível Maximilien François Marie Isidore de Robespierre, leu os miseráveis aos 17 anos; percorreu a filosofia alemã, foi aos russos, leu Tolstói e Dostoievsk; não esqueceu de Machado de Assis, e foi um apaixonado por Lima Barreto.

O que ficou disso tudo? Quase nada, tudo muito embaralhado.

Araponga continua sapateiro, pobre, ateu, mas guardou um sonho: ser imortal numa Academia de Letras, à semelhança da Académie française, fundada por Richelieu em 1635.

Sempre foi um sonho improvável. Contudo, o mundo gira. Araponga ficou sabendo que estão criando academias de letras em todos os cantos e recantos desse velho Sergipe, soube também, que os critérios para se tornar um escritor, um poeta, pintor, escultor, foram relaxados. Ser artista agora ficou fácil. A arte e o talento está nas redes sociais.

Ou dito de outra forma, todos somos talentosos, o que dar no mesmo. A alta cultura sempre foi uma tapeação das elites. Entre um clássico de Eça de Queiroz e um livro de causos mal escrito, publicado às pressas, a diferença passa a ser uma questão de gosto, tem quem goste de um e quem goste do outro. Tudo é relativo.

No início do ano, Araponga recebeu a visita de um amigo, imortal das novas academias, que conhecendo o seu sonho, não se acanhou em aconselhá-lo: - companheiro, por que não publica aquele poema em homenagem à revolução de 31 de março, que você declamou alguns versos na escola de dona Branquinha?

Araponga nem lembrava, mas retrucou: - quem sou eu, pobre sapateiro, onde vou encontrar recursos para pagar a edição de um livro? Você pode publicar no Facebook, insistiu o intelectual. Será se é válido para eu tentar uma vaga numa Academia? O amigo disse que não sabia, e a conversa foi encerrada.

Foram cutucar a onça, Araponga despertou. Agora quer porque quer ser imortal. Postou o poema no Facebook, com boa aceitação: 136 curtidas, 36 comentários (todos a favor) e 11 compartilhamentos.

A poesia de Araponga ganhou o mundo. Já participou de um sarau em Aracaju, e recebeu a promessa de um político, que vai arrumar um patrocínio para que a poesia de Araponga vá ao papel.

As coisas estão encaminhadas. Araponga está percorrendo escolas, asilos, reuniões de Rotary, quermesse de paróquias, e qualquer espaço onde ele possa declamar a sua arte. Contudo, ainda não alcançou o principal objetivo: ocupar uma cadeira numa academia de letras.

A missão está complicada. Já existem academias nos 75 municípios de Sergipe, academias em alguns povoados, e ele até agora não foi lembrado. Ficar esperando que um ou outro bata as botas, para ele disputar uma cadeira, não é um caminho fácil. A fila é grande, muitos fazendeiros, políticos, gente graúda, todos querendo. Ser imortal em Sergipe é uma glória muito desejada.

Foi diante da crise, da escassez de vagas para a imortalidade, que Araponga encontrou uma saída genial, resolveu criar uma Academia de Letras no Beco Novo, e por que não? Ele será de cara o fundador e presidente; arrumar membros e patronos, com os novos critérios também não será problemas.

Não precisa de sede própria, vai se reunir na sede do Rotary, no próprio Beco Novo. Os bodegueiros da rua, ao tomarem conhecimento da iniciativa cultural, já fizeram uma vaquinha, e vão pagar as despesas com edital, livro de ata, registro em cartório, e outros entraves burocráticos.

O sonho de Araponga vai se transformar em realidade.

Eu, mesmo já sendo duplamente imortal, como natural do Beco Novo, e até por uma questão de patriotismo, já aceitei o convite.

Araponga já convidou Betinho, Beijo, Bem-te-vi, Demir de Valdice, Rosa, Nego Veio, Val e Regis de Euclides Barraca, as filhas de Bonito, Salomão, Pindoba, Peba de Justino, Chumbrega, Cabo João Mole, Sampaio, Miguel Fagundes, Rosalvo do Cabo Quirino, Zé Meu Mano, Juarez do Correio, João Giba e Zezito de Dona Bilô.

E essa Academia não terá mulheres? Muitas: Rovanda, Marinete, Dulce, Mãezinha, Neide de Palmeirinha, Dona Olga e as irmãs, Dona Tóta, professora de remington, e Alaíde, mãe de Fóbica.

Gente do Beco Novo é o que não falta, para obter esse direito a imortalidade.

Araponga, ainda quer ser original, está propondo que a “Academia Beco Novense de Letras, vá além, não seja apenas de letras, e seja a primeira nessa nova modalidade: uma “Academia Beco Novense de Letras, Números e Sinais de Pontuação”.

Quem já morreu e não pode ser mais imortal, vira Patrono.

Vamos à luta!

Antonio Samarone.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. OS PRIMEIROS DOUTORES.


 Itabaiana – 350 anos. Os primeiros doutores.
(por Antonio Samarone)

No final do século XIX, Itabaiana recebeu o primeiro médico a se estabelecer na cidade: o lagartense Manuel Batista Itajay. Formado na Bahia em 1886. Começou clinicando e vendendo remédios em Itabaiana. Espertamente, Itajay casou-se com Dona Carlota, filha do líder político Capitão Manuel Ferreira.

Foi o que Itajay precisava para entrar na política. Mandou e desmandou por 15 anos, até chegar a vice-governador. Entrou numa conspiração, assumiu o governo, mas logo foi deposto e caiu em desgraça. Faleceu logo depois, em 1918. O desmembramento de Campo do Brito, foi uma punição aos atos de Itajay.

Ia falar do médico Itajay, terminei falando do político. Foi ele que implantou as disputas acirradas na política de Itabaiana, fazendo frente ao Coronel Sebrão.

A maior obra do Doutor Batista Itajay em Itabaiana, foi proibir que os tabaréus viessem para as feiras de ceroula. O meu avô, Totonho de Bernardinho, nunca o perdoou por isso.

No início da segunda metade do Século XX, a medicina ainda engatinhava em Itabaiana. Poucos médicos e uma medicina voltada para cuidados genéricos.

O médico oficial de Itabaiana, o único, a partir da década de 1930, foi Gileno Lima Costa. Natural de Riachão dos Dantas, formado em 1931, na Bahia. Um doutro atencioso, dedicado aos seus pacientes, não se negava de ir a cavalo aos povoados, atender a partos complicados. Entretanto, sem maiores recursos.

Gileno Costa viveu em Itabaiana até 1956. O Dr. Gileno Costa ajudou na construção do modestíssimo Hospital Rodrigues Dórea.

Entretanto, a maior obra de Gileno Costa, foi a construção da Associação Atlética de Itabaiana, inaugurada em 1948. Eram os primeiros passos de uma vida urbana.

O humanista Pedro Garcia Moreno, neto do Monsenhor Daltro, do Lagarto, chegou a Itabaiana em 1949. Foi um pai para a pobreza. Atendia a todos, com alegria. Aliás, foi ele que concluiu o meu parto. Demorei a nascer com a parteira. Doutor Pedro merece uma história a parte. Se meteu na política, no futebol. Levou o espiritismo para Itabaiana. Dr. Pedro faleceu em 1990, aos 68 anos.

Na década de 1950, viveu e clinicou em Itabaiana outro médico baiano: Remato Mazze Lucas. O meu patrono na Academia Sergipana de Medicina. Um intelectual inquieto. Casou-se com Dona Helena, uma princesa do Carira. Em Itabaiana, Dr. Mazze Lucas teve os seus filhos, apaixonou-se pelo tremendão da Serra, e fundou instituições Culturais (Glei). Muito amigo de Antonio de Dóci.

O Dr. Ormeil Câmara de Oliveira, baiano, chegou a Itabaiana por volta de 1956, trazido por Euclides Paes Mendonça, para equilibrar os serviços médicos. Trouxe um médico para a UDN.

Em 1967, chegou a Itabaiana outro médico baiano, Airton Millet, para trabalhar no SESP. Se adaptou a cidade, e aqui criou a sua família. Foi "maçone" e rotariano. Faleceu em 2011, aos 82 anos.

Entretanto, a medicina em Itabaiana precisou esperar até 1970, para dar o seu grande salto: em 17 de fevereiro de 1970, chegava outro médico baiano: Raulino Galrão Lima, um apaixonado pela medicina.

Concluído o curso de medicina, casado, com filhos, Raulino recebeu uma visita surpreendente: a Irmã Rafaela Pepel vai a Salvador convidá-lo para vir assumir a Maternidade São José, em Itabaiana, inaugurada em 01 de novembro de 1959.

Desde 1963, a maternidade era administrada pela Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição (a mesma da Irmã Dulce): Evencia Vasconcelos (parteira), Maria Auxiliadora, Maria Acácia e Rafaela. Bateu a dúvida: como oficial da polícia poderia acomodar-se, ficar no corpo médico da corporação; mas a proposta de Itabaiana parecia atraente.

Raulino procurou os sergipanos Reginaldo Silva e José Augusto Lisboa, seus colegas de turma, para aconselhar-se, não deu outra, pediu licença da polícia, e em 17 de fevereiro de 1970, estava chegando a Itabaiana, para começar uma nova vida. Encontrou dois colegas residindo na cidade: Pedro Garcia Moreno e Ormeil Câmera de Oliveira.

Raulino fez uma revolução na assistência médica em Itabaiana. Corajoso, preparado, passou a fazer os partos normais e complicados, reativou o velho Hospital Rodrigues Dória, começou a realizar todos os tipos de cirurgia. Ele fazia a anestesia e operava sozinho.

Iniciou o atendimento a 14 municípios da Região, dando por semana seis plantões de 24 horas. Vivia nos hospitais, com uma média semanal de 30 partos. O mais importante, com baixa mortalidade, Raulino fazia de tudo, atendendo sobretudo a população carente.

Em 1973, passou no concurso da Faculdade de Medicina de Sergipe, para a cadeira de obstetrícia, o que facilitou a formação de sua equipe em Itabaiana. Vieram Luciano Siqueira e Guilhermino Noronha para anestesia; depois para a obstetrícia, Cardoso, Carlos Alberto, Antonia, Bosco, Aldevane, Fontes, Edmundo, montando uma equipe de profissionais qualificados.

Raulino abriu tanta gente, operou tantos, que passou a conhecer os sertanejos de Sergipe pela cor do tecido adiposo. A gordura do sertanejo é amarelo-ouro, intensa, diferente, mais apurada, conta Raulino... Francisco Rollemberg, outro grande da cirurgia em Sergipe, presente na entrevista, confirmou balançando a cabeça.

Dr. Raulino virou ceboleiro, entrou para a política, foi vereador em Itabaiana por dois mandatos, deputado estadual, e presidente do IPES durante o Governo de Albano Franco.

Em 1993, aos 56 anos, Raulino recebeu o diploma de bacharel em direito. Em seguida foi aprovado na prova da OAB, assumindo a condição de advogado, passando a exercer à lide jurídica, em especial na defesa dos colegas médicos quando precisam responder à justiça.

Somente em 2015, após 45 anos de bons serviços prestado ao povo da Região de Itabaiana (14 municípios), de ter sido presidente da Associação Olímpica de Itabaiana, ter participado do Rotary, virado ceboleiro, é que Raulino mudou-se para Aracaju.

Em novembro desse ano, a Academia Sergipana de Medicina vai a Itabaiana, prestar homenagens aos médicos Itabaianenses. Hoje, são muitos e bem formados. Sem esquecer o passado.

Antonio Samarone – médico sanitarista (natural do Beco Novo).

Ps: Dois médicos estão na foto: Pedro Garcia Moreno e Renato Mazze Lucas.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. MATERNIDADE SÃO JOSÉ.

Itabaiana, 350 anos. Maternidade São José
(por Antonio Samarone)

Na década de 1950, os programas de proteção as gestantes e crianças apareceram em Itabaiana. Antes, se nascia em casa, com as parteiras. A mortalidade infantil nas alturas. Diariamente, se enterrava um anjo. Eu perdi três irmãs, com o mal dos sete dias.

O Departamento Nacional da Criança, em parceria com as Prefeituras Municipais, fundou em quase todos os municípios de Sergipe associações de proteção e assistência à maternidade e a infância.

A Associação de Itabaiana foi fundada em 13 de junho de 1954, tendo como Presidente a senhora Maria de Oliveira Mendonça; como Secretários Eliseu Teles Rego e Josefina Mendonça.

Era o Estado brasileiro, mediante iniciativa da União, procurando envolver as municipalidades através de suas Prefeituras e estimular a participação da sociedade civil nessas Associações. Essa estratégia de ampliar a cobertura dos serviços de saúde teve relativa eficácia.

No caso de Itabaiana, não tenho notícia do destino dessa Associação, entretanto, em pouco tempo seria criada a primeira maternidade local, iniciativa de outra Associação da mesma natureza, mas de inspiração religiosa.

O Centro de Ação Social Católica de Itabaiana, dirigido pelo Padre Artur Moura Pereira, inaugurou em 01 de setembro de 1959 a Maternidade São José, com 22 leitos para gestantes indigentes e 02 para pensionistas. Todos os equipamentos da Maternidade foram doados pela Legião Brasileira de Assistência (LBA).

Foi indicado como diretor da nova Casa de Saúde o médico humanitário Pedro Garcia Moreno. Durante o primeiro ano de funcionamento foram internadas nessa Maternidade 282 mulheres; sendo 218 partos, 55 atendimentos a abortos, 07 para observação, 02 extração de placenta; 211 crianças nascidas vivas, 14 nascidas mortas, 01 parto cirúrgico e 01 óbito materno.

Na solenidade de inauguração estavam presentes: o Bispo diocesano, Dom José Vicente Távora; o Diretor do Departamento Estadual de Educação, Padre José Araújo Mendonça; representante da LBA em Sergipe, Dr. Carlos Melo, Dr. Airton Teles, Padre Artur Moura Pereira, D. Maria Pereira e Antonio Oliveira.

A solenidade foi abrilhantada pela banda de música de Campo do Brito.

Em 11 de fevereiro de 1967, foram aprovados os Estatutos da Maternidade São José, como uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que visava prioritariamente o atendimento da gestante desamparada. A primeira direção foi constituída pelas Irmãs Rafaela Pepee, Marta Hulshen, Evência Vasconcelos e Maria Ivência Lobo.

O Colégio e Artesanato Dom Bosco foi fundado em 01 de março de 1963.

A maternidade São José ganhou um grande impulso, com a chegada em Itabaiana, do Dr. Raulino Galrão Lima, em 17 de fevereiro de 1970. Encontrou dois colegas residindo na cidade: Pedro Garcia Moreno e Ormeil Câmera de Oliveira.

Foi nessa Maternidade, onde Santa Dulce realizou o seu primeiro milagre.

Aqui são outras histórias, que depois eu conto.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. SAPATEIROS

Itabaiana, 350 anos. Sapateiros.
(por Antonio Samarone)

Antonio José de Santana (83 anos) – Tororoco, nasceu na Cova da Onça, Itabaiana, em 03 de maio de 1941. Filho de Manuel Marinho de Santana e Dona Maria Alves Santana.

O pai, Seu Marinho, eletricista, funcionário da Empresa Elétrica de Itabaiana, de Zeca Mesquita, era o responsável pela troca das lâmpadas da cidade. Durante a ditadura de 1964, a distribuição de energia elétrica em Itabaiana era privada.

Seu Marinho foi figura marcante em minha infância, éramos quase vizinhos, no Beco do Ouvidor, perpendicular ao Beco Novo. Mamãe não hesitava em pedir lâmpadas de rua a Seu Marinho, eram mais econômicas. Lâmpadas de 220 volts. A casa ficava na penumbra.

Além de Tororoco, lembro-me da grande família de Seu Marinho: Zé de Marinho, o mais velho; Gerivaldo, Dedida, Gustinha, Zé Carlos e Marizete.

A Empresa de Elétrica de Zeca Mesquita, funcionava sob a lógica pré-capitalista. Seu Zeca nunca mandou cortar o fornecimento dos inadimplentes. Vez por outra, a Empresa mostrava sinais deficitários.

Os postes das ruas eram de madeira, creio que de eucalipto.

Tororoco, antes virar sapateiro, vendeu balas no cinema e foi aprendiz de funileiro. Trabalhou com Seu Neca.

Não sei os motivos, mas Itabaiana e Simão Dias eram polos calçadistas em Sergipe. Historicamente, esses municípios, com Lagarto, compunham o polígono do gado.

Em Itabaiana, existiam muitos curtumes, e um grande armazém de couro, que vendia no crediário de longo prazo. Os sapateiros diziam: a seu Vieira, o dono do tal armazém, basta pagar no Natal.

Em Itabaiana, funcionavam dezenas fabriquetas (Tendas), onde centenas de sapateiros trabalhavam informalmente. Sem vínculo trabalhista. As tendas não abriam às segundas-feiras, era dia de folga para os sapateiros.

Lembro-me de alguns proprietários de Tendas, até a década de 1960: Vicentinho, Zé Martins, Zeca Pimentel, Zé de Gonçalo, Tonho de Boanerges, Zé Procópio, Faustinho, Flavio, Justino, Antonio de Ezequiel, Zé Correia e Zé Malhador. Devo ter esquecido de alguns, depois completo.

A chegada do capitalismo, com os seus sapatos industrializados, (Nova Hamburgo e Franca – SP) mais bonitos e mais baratos, inviabilizou as fabriquetas locais. Os sapateiros de Itabaiana perderam o meio de vida.

Calcula-se que a categoria de sapateiros, mestres e aprendizes, na década de 1960, em Itabaiana, superasse a faixa de três centenas. Ao lado dos alfaiates, padeiros, ourives, pedreiros, carpinteiros, marceneiros e fogueteiros, formavam a "classe operária" tradicional. Destaca-se, nessa década, o crescimento dos comerciários, motoristas e mecânicos.

Esse grupo de trabalhadores urbanos, começava a superar os camponeses, ferreiros, pataqueiros e feirantes, que dominaram nas décadas anteriores.

Itabaiana era uma cidade de poucos ricos e muitos remediados, pequenos comerciantes e biscateiros.

Uma parte dos sapateiros, com a chegada do sapato feito, embarcou no primeiro Pau de Arara, para o Sul maravilha.

Quando eu estudei no Rio de Janeiro, encontrei os filhos de Justino, Dedé e Dandinho, trabalhando numa sapataria de luxo na Barata Ribeiro. Faziam sapatos por encomenda, para os ricos, onde o consumidor botava o pé na forma, para comprar um sapato personalizado.

Outros migraram para Aracaju, onde os "Dédas" de Simão Dias, mantinham a ESCAL – Indústria Sergipana de Calçados, no Siqueira Campos, tentando competir.

Muitos meninos pobres de Itabaiana, fizeram o científico em Aracaju, trabalhando na ESCAL, e nas Fábricas de Geoba e Tororoco. Lembro-me de Dedé de Olga e Gerivaldo. Pedro Langanha estava no combo.

Depois, Geoba, um sapateiro de Itabaiana, montou a sua fábrica em Aracaju, nas proximidades da Nestor Sampaio. Tororoco, montou uma fabriqueta, em uma Vila, na Rua de Capela.

Esses sapateiros itabaianenses, exilados em Aracaju, montaram um competitivo time de futebol de Salão: o Itabaiana Futebol de Salão. Lembro-me de alguns craques desse timaço: Zé Nivaldo, Zé Américo, Horacio de Quinho, Tonho de Maria de Branquinha, entre outros. De fora, só o atleta Paraná.

Antonio José de Santana, Tororoco, foi treinador do Cantagalo e do Ideal. Narra a lenda, que Chico do Cantagalo só entregava 11 cartões, e orientava: “Seu Santana, escale o time!” Como, se Chico, o Presidente, já tinha escalado, ao entregar só os cartões dos jogadores de sua preferência.

Na década de 1970, o futebol foi uma locomotiva cultural em Itabaiana.

Seu Santana (Tororoco), torcedor do Vasco da Gama, é parte da Itabaiana Grande e da sua memória. Nunca se meteu na atribulada política local. Um homem de paz.

Antonio Samarone (médico sanitarista)
 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. DO ARTESANATO A AUTOMAÇÃO.

Itabaiana, 350 anos. Do artesanato a automação.
(Por Antonio Samarone)

As novas tecnologias, da Internet a inteligência artificial, desarticularam a vida coletiva e as suas raízes. O neurocientista Miguel Nicolelis acaba de publicar um livro esclarecedor: “Nada Será como Antes.”

O cérebro não é digital!

Fico impaciente com os discursos políticos na campanha eleitoral. Isso acabou! Só os fascistas perceberam. O fenômeno da eleição em São Paulo, não será exceção.

Por isso, como terapia, concentro-me na memória provinciana. No prosaico, na rede aldeã, no que me restou de vida analógica. Nos últimos cérebros sintonizados.

A próspera Itabaiana, já viveu economicamente da produção agrícola. A vida urbana, dominada por sapateiros e alfaiates. Não se tinha saídas. Os estudos terminavam no ginásio.

A criação do primeiro Arraial em Itabaiana, no Vale Fértil do Jacarecica, ao pé da grande Serra, data do início do século XVII. Em data incerta: hum mil seiscentos e pouco.

Registrou-se a organização de uma Confraria, a Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório, em 1665. O propósito era arrecadar fundos para comprar um terreno, visando instalar a Villa.

A cópia desse Estatuto é conhecida. Sebrão Sobrinho desencavou.

No século XVI, a estrada real que ligava Salvador a Olinda, passava por Sergipe, cortando o território da futura Villa de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. O historiador Almeida Bispo, localizou essas veredas.

A cópia da escritura do terreno, no Tabuleiro de Ayres da Rocha Peixoto, onde está a cidade, comprado ao Padre Sebastião Pedroso de Goes, também é conhecida.

Em 30 de outubro de 1675, o Arcebispo de Salvador, Dom Gaspar Barata de Mendonça, criou a Freguesia (Paróquia) de Santo Antonio e Almas de Itabaiana. Um novo Arraial estava estabelecido.

Não existe Paróquia sem comunidade, sem o Arraial. A primeira instituição estabelecida pela Coorte Portuguesa em Itabaiana, foi uma Paróquia.

Tendo que escolher uma data razoável para nascer, comprovada documentalmente, restou a Itabaiana a data da criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas (1675). Portanto, em 2025, comemoraremos um duplo aniversário: 350 anos da cidade e da Paróquia.

A busca da Prata, a revolta dos curraleiros e a ocupação holandesa, são anteriores a constituição dessa Paróquia (1675). Provavelmente, tinha outros Arraiais. A povoação que nasceu com a Paróquia, foi Arraial de Santo Antonio e Almas, no Tabuleiro de Ayres da Rocha. Esse Arraial depois virou Villa (1697) e Cidade (1888).

No período holandês, Calabar estabeleceu-se por um breve período em Itabaiana. Dizem, que deixou família.

Em Itabaiana, a Igreja é anterior a Villa, à Câmara de Vereadores. O Arraial só passou a Villa em 1697. De Villa a Cidade, esperou-se mais 191 anos, só em 28 de agosto de 1888.

Mudou-se apenas o nome, a realidade permaneceu a mesma. Itabaiana era uma Villa pobre e continuou uma pobre Cidade.

“Três dúzias de casebres remendados/ Seis becos, de mentrastos entupidos/ Quinze soldados, rotos e despidos/ Doze porcos na praça bem criados.”
“As damas com sapatos de baeta/ Palmilha de tamanca como frade/ Saia de chita, cinta de raqueta.” Gregório de Matos (Sergipe).

Já foi dito, que o progresso econômico só chegou a Itabaiana, a partir da segunda metade do século XX. São desse período que se assenta a minha memória.

Em pouco tempo, a minha memória será incompreensível para mim mesmo. Antes que não sobre mais nada da vida analógica, resta-me contá-la!

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. DOCE MEMORIA.


 Itabaiana – 350 anos. Doce memória.
(por Antonio Samarone)

Já falei, que as micaremes (carnaval fora de época), foram manifestações culturais que sinalizavam para a emergência da vida urbana em Itabaiana. A chegada da economia mercantil. Comentei sobre os blocos Margem da Serra e Lobos do Mar.

Esqueci do Bloco Gaviões da Lua, da Rua do Fato, comandado pelo barbeiro João Rocha, o Rei da Turquia, da Chegança de José Serafim de Menezes (Zé de Biné). Esse bloco, tinha a animação de Arnaldo da brilhantina, um discípulo de João Giba, do Beco Novo. Seu João foi o melhor perfumista do Agreste.

A brilhantina é uma mistura de parafina líquida, vaselina, essências e óleo mineral. Além de arrumar e perfumar os cabelos, facilitam a catação de lêndeas. É só passar o pente fino. A brilhantina de Arnaldo, era muito procurada.

A vida cultural de Itabaiana era intensa. Criaram um circo, para imitar o Circo do grande Zé Bezerra.

O Circo Rosita da Noite era casa cheia. Armado no Campo Grande, tinha o grande Djalma Lobo, como apresentador. Chico de Dionélia era o palhaço.

Boidá era o mágico, filho de seu Amintas do Sal e Dona Angelita, professor de ciências ocultas e magia negra. Um especialista em São Cipriano.

Zé Gorducho o cantor, com o sucesso de Altemar Dutra, Sentimental Demais, como carro chefe.

O circo tinha muitos donos, Mirobaldo foi um deles. Zé de Biné participava, eu esqueci o seu papel. Essa farra, de um circo com artistas locais, chamou a atenção dos desocupados.

O circo Rosita da Noite, era animado pela Orquestra de Pedro Funileiro e o seu clarinete. Aliás, funileiro em Itabaiana, só ele e Seu Neca, do Beco Novo. Depois apareceram Fóbica, Cosme e Manesinho do Roque.

A rumbeira era uma atração e um motivo de briga. Djalma Lobo empostava a voz para anunciar: e agora, a rainha da rumba, a baixinha Mariaaaaa Josééééé, a esposa de Zé Machucado. Pronto, a confusão estava feita. Machucado partia para cima de Djalma: - “eu já falei, ela não é minha esposa, é só namorada.”

Outra atração era Antonio Faustino, o Neguinho da Coalhada, que interpretava um gorila amestrado. Esse personagem ainda é uma incógnita. Ele vendia pelas portas, a coalhada de Dr. Pedro. Ninguém sabia onde Dr. Pedro criava vaca de leite, só se sabia que ele produzia coalhada. Antonio Faustino, o vendedor, era conhecido de todos.

Não se abusem, estou contando essas lembranças fugazes, para exercitar a memória e afastar o Alzheimer. `

A foto é a comemoração, em Itabaiana, da Copa do Mundo de 1958, ou a de 1962.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. MEMÓRIAS DO FUTEBOL.

Itabaiana – 350 anos. Memórias do futebol.
(por Antonio Samarone)

A primeira bola de futebol chegou a Itabaiana pelas mãos de Etelvino Mendonça. Na verdade, uma bexiga, encouraçado por Seu Deca Sapateiro. Os primeiros times foram o Brasil e o Santa Cruz.

As bolas e as chuteiras eram fabricadas por Joãozinho Baú, irmão do Craque Debinha; e por Mestre Dé, pai de Jailton, que jogou no Grêmio de Porto Alegre.

Etelvino Mendonça, quando Intendente, mandou murar o primeiro campo, no final do Beco Novo. De forma justa, recebeu o seu nome. Depois fizeram um novo estádio (o atual) e, para agradar aos militares, puseram o nome de Presidente Médici.

Antes, o Etelvino Mendonça do Beco Novo era cercado de pano, nos dias de jogos.

Na gestão de Jackson Barreto, rebatizaram o novo Estádio Médici, como Etelvino Mendonça.

Até a década de 1960, três times estavam organizados em Itabaiana: a Associação Olímpica de Itabaiana, o Cantagalo e o Margem da Serra.

O Margem da Serra era uma entidade futebolística e Bloco de Carnaval, sob influência dos comunistas.

Em Itabaiana, o PCB existia de forma organizada. Pequeno, sem força eleitoral, mas comandado por pessoas influentes na Sociedade local. Antonio de Dóci, Zé Martins, Renato Mazze Lucas e mais cinco dezenas de sapateiros e alfaiates.

O PCB foi culturalmente ativo em Itabaiana (até 1964): fundou a Sociedade Beneficentes dos Trabalhadores, um clube social no Beco Novo; o GLEI (Gremio Literário e Esportivo de Itabaiana), que possuia uma escola de alfabetização e um quadra de esporte, e tinha influência no Margem da Serra, dirigido por João Criano, um simpatizante dos vermelhos, vindo de Ribeirópolis.

Com a tragédia politica dos assassinatos dos líderes: (Euclides – 1963 e Manoel Teles – 1967), o vazio social em Itabaiana foi ocupado pelo futebol. Já falei nisso em outros textos.

Não foi somente o fortalecimento do time do Itabaiana, que virou um grande do futebol sergipano.

O futebol explodiu na cidade, devido ao vazio e a desagregação política da década de 1960. Claro, as Copas do Mundo de 1958 e 1962, tiveram peso.

O futebol teve um papel social específico em Itabaiana. Foi um cimento unificador da sociedade, esquartejada pela violência política.

Cada bairro passou a ter um time de futebol e, espontaneamente, organizaram um campeonato da cidade, sem envolvimento do poder público.

Foi criada a FIFA: Federação Itabaianense de Futebol, dirigida com firmeza e disciplina, por Miguel de Rola.

Lembro-me do Ideal, dirigido por Tororoco; São Cristóvão, do bairro onde o futebol nasceu; !3 de Maio, de Bolero; Cruzeiro, da Rua do Fato; Mangueira, da Rua Nova; Olaria, dos Higinos; Grêmio, do Campo Grande; Joinville, de Romualdo (Prefeito de Coronel João Sá); Escolinha, do Lagamar e o Bangu de Tonho das Cachorras.

Existiam times menores, que não participavam do campeonato oficial da cidade: os 11 perigos de Mané Barraca, o Bahia de Melcíades e o Santos de Avací. Devo ter esquecido de outros.

Luiz Américo, organizava campeonatos de futebol de pelada, no campinho do Tenente Baltasar. Mexia com a meninada.

Nas décadas de 1960, 70 e 80, o futebol assumiu uma função relevante na sociedade itabaianense. Foi um caminho de reunificação das pessoas, afastadas pelo ódio da política.

Isso eu conto por ciência própria, fui atleta do 13 de maio, para compor o elenco. Os craques nascidos em Itabaiana foram poucos. Uma meia dúzia. Para evitar esquecimentos, não vou citá-los. Talvez Nilson de Russo, Evandro e Gustinho, tenham sido os que mais me encantaram.

Para evitar as cobranças: Horácio, o maior ídolo do futebol itabaianense, é de Carira.

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

terça-feira, 3 de setembro de 2024

ITABAIANA - 350 ANOS. A FORÇA DOS ESPORTES.


 Itabaiana – 350 anos. A força dos esportes.
(por Antonio Samarone).

Hoje, Itabaiana possui três ginásios de esportes. Entretanto, somente no final 1964, inaugurou-se a primeira quadra encimentada, para a prática do futebol de salão.

A quadra Antonio Bispo de Souza, ao lado do Murilo Braga, foi inaugurada festivamente com um torneio de futebol de Salão, entre a seleção do Murilo Braga e três times do Aracaju.

Uma novidade: a obra foi custeada com dinheiro privado. Os estudantes José Antonio Macedo e Juarez Lima de Oliveira tiveram a iniciativa e foram a procura de um benfeitor.

Naturalmente, procuraram Antonio Bispo de Souza, um rico e dadivoso comerciante de açúcar, representante da Usina Pinheiro nos sertões de Sergipe e Bahia. Ocorreu o esperado: Seu Antonio Bispo de Souza doou 200 mil cruzeiros, uma pequena fortuna. A Ação Social Católica, na pessoa de Zé Queiroz da Costa, também contribuiu.

Esse Antonio Bispo de Souza só pode ser Durval do Açúcar. Palmas, acertaram. Durval do Açúcar era o mecenas oficial da cidade.

No mesmo período (1964), estava sendo inaugurada a primeira arquibancada do velho Etelvino Mendonça, no final do Beco Novo. A arquibancada media 50 metros, com 5 degraus, e capacidade para 750 pessoas. Foi uma grande obra.

Para a custear a construção, o Itabaiana realizou um bingo, com dois prêmios: 1 terno de Nycron para homens e 1 conjunto Slack-JK para senhoras. A cartela custava 200 cruzeiros. Não me lembro quem ganhou.

O presidente do Itabaiana era o senhor Jeconias Ferreira Lima.

O torcedor não seria mais obrigado assistir aos jogos em pé, com a cara no alambrado. Era o conforto chegando. Fizeram até duas cabines para as rádios, sanitários e vestiários para os atletas.

O Etelvino Mendonça, do Beco Novo, deixava de ser um campo de futebol e virava um estádio.

Antonio Samarone – medico sanitarista.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

ITABAIANA 350 ANOS - VELHOS CARNAVAIS.

Itabaiana, 350 anos – Velhos Carnavais.
(Por Antonio Samarone)

A passagem de uma economia rural para mercantil não é pacífica. É uma mudança do modo de vida e dos valores culturais.

A Itabaiana agrícola rezava, festejava, dormia e sonhava no seio da igreja católica. Natal, São João, santas missões, trezenas e procissões. As festas eram religiosas.

A economia era rural. Pequenos sitiantes produzindo alimentos e indo às feiras vendê-las. As mercadorias eram levadas nos burros até Roque Mendes, povoado de Riachuelo e, de lá, via os saveiros, até o mercado central do Aracaju. Itabaiana era a cidade celeiro.

Os povoados próximos aos Rio das Pedras, levavam os seus produtos nos burros, direto ao mercado do Aracaju, por uma estrada que passava defronte ao antigo leprosário. Hoje é o Conjunto Jardim, em Socorro.

Na fase agrícola (até a década de 1960), a cidade era uma extensão do campo. A festa de São João era em volta das fogueiras, nas portas de cada um. No Beco Novo, era um São João na roça.

O Natal era a missa do galo, a feirinha e a roupa nova. A ceia era o arroz com galinha, nas barracas de comidas da Praça de Santa Cruz.

Socialmente pobre, acanhada, casas de taipa, Itabaiana só recebeu a energia de Paulo Afonso em 1956, e a água encanada em 1963.

Nesse período surgiram dois cinemas. O de Zeca Mesquita, com os cowboys, séries, o Gordo e o Magro e Chaplin. Onde Zé Bezerra montava algumas peças de teatro. Tivemos um Cinema Paradiso.

A Igreja montou o cinema Santo Antonio. Domingo as 8 horas, missa das crianças, 9 horas o catecismo e, finalmente, o matinal gratuito no cinema do Padre, as 10 horas. Só para os meninos que foram a missa. Eu não perdia!

Na década de 1950, iniciam-se as mudanças culturais. A sociedade mercantil (caminhão e comércio) estava se consolidando. As festas saiam das Sacristias.

A primeira festa urbana de massas em Itabaiana, foi o carnaval fora de época (micareme). Patrocinado por Euclides Paes Mendonça, o chefe político.

Antes, Itabaiana tinha as bandas de música, com os seus dobrados, as festas folclóricas (reisados e mamulengos) e a fotografia. Graças ao talento de Miguel Teixeira, Percílio Andrade e Joãozinho Retratista. A fotografia fez história e deixou um legado precioso.

Lembro-me do mamulengo de Rafael dos Penicos, na Rua de Maraba.

Euclides Paes Mendonça, o chefe político, percebeu as mudanças e incentivou as micaremes.

Surgiram os blocos carnavalescos, divididos socialmente. Os principais: Lobos do Mar, comandado por Fefi, que atraiu a classe média; e o Margem da Serra, comandado por João Criano, que aglutinava os trabalhadores (sapateiros, alfaiates, padeiros, ourives e carpinteiros). A categoria dos comerciários ainda era pequena.

O Margem da Serra era sediado no Beco Novo.

A foto é de Naciete, a porta-bandeira do Margem da Serra. O mestre sala era Seu Pierrô, craque do Itabaiana. O Beco Novo era uma rua de Pretos. Naciete é filha de Maria de Teodoro e de Seu Teodoro Santana, negro, do Povoado Estreito.

Naciete de Santana é Irmã de Dulce, esposa de Bonito; de Marinete, esposa de Euclides, alfaiate; e do valente Titi, um motorista que levantava uma mesa de sinuca com a coxa.

Itabaiana tinha os seus valentes: Zé de Senhor, Milton de Viera Lima e Antonio Joaquim (Titi). Em meu conceito infantil, valente era quem enfrentava a polícia.

Valdemar Vieira Rosa (Seu Bonito), era de Maruim, marceneiro do Murilo Braga, tocava ganzá no Bloco Margem de Serra. Casou com dona Dulce, irmã de Naciete. Uma família bonita e numerosa. A filha mais velha, Josefa Valdemir Vieira Santos (Dona Nide), casou com o sambista Salomão, e fundaram a Quadrilha Balança Mais não Cai, há 42 anos.

Tenho saudades do alegre Negro Gato, filho de Seu Bonito. Inalcançável nas brincadeiras de pega-pega. Foi para São Paulo, como muitos, e por lá faleceu.

Naciete de Santana (83 anos), mora em São Paulo. Foi a primeira estrela, do jovem carnaval itabaianense. (a moça da foto)

Antonio Samarone – médico sanitarista.
 

domingo, 1 de setembro de 2024

OS TEMPLÁRIOS VOLTARAM

Os Templários voltaram.
(por Antonio Samarone)

Na última peregrinação de Santa Dulce em Itabaiana, a novidade foi a presença de Cavaleiros Templários, devidamente paramentados, como na Idade Média. A dúvida foi instalada: quem são? São verdadeiros ou imitação?

A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão (Pauperes commilitones Christi Templique Salomonici), conhecida como Cavaleiros Templários, Ordem do Templo ou simplesmente Templários, continua viva e atuante?

Eu sei pouco sobre os Templários, e o pouco que sei, aprendi no cinema.

A Ordem dos Templários foi fundada em 1.118, após a Primeira Cruzada, pelo fidalgo francês Hugo de Payens. Uma santa milícia, que protegia os Cruzados em viagens a Terra Santa. O símbolo da Ordem é um cavalo montado por dois guerreiros.

A Ordem dos Templários foi extinta, quando o Concílio de Viena (1311 – 12) aprovou a bula Vox clamantis. Essa extinção é questionada. Muitos acreditam que os Templários apenas passaram para a clandestinidade.

“Os Templários sempre estão por trás de tudo – Umberto Eco.

O que eu lembrava dos Templários, foi uma cena do filme “Reis Malditos”, com Gerard Depardieu, representando o último Grão Mestre Templário, Jacques de Molay, levado a fogueira pela inquisição.

O cadafalso foi erguido no adro da Igreja de Notre-Dame, em 1.312.

Amarrado na estaca, com o fogo ardendo sob seus pés, Jacques de Molay gritou em direção ao rei Filipe IV, o Belo e ao Papa Clemente: “Malditos, malditos, todos vocês serão amaldiçoados até a 13ª geração”.

A maldição foi lançada por Jacques de Molay, o último mestre templário, enquanto o fogo consumia o seu corpo. A profecia foi cumprida! Todos os responsáveis pela morte desse inocente, sucumbiram em menos de 2 anos.

Uma cena forte, que continua viva em minha memória.
Quando o rei Luís XVI, um descendente de Filipe IV, foi guilhotinado, em 1793, quatro séculos depois, um sans-culotte se aproximou do cadafalso e, mergulhando a mão no sangue do monarca, sacudiu-a no ar e gritou: “Jacques de Molay, foste vingado!”.

Foi essa a minha sensação ao avistar os Templários ao pé da Serra de Itabaiana. Os Templários vivem? Jacques de Molay já foi vingado?

Se acredita que a maçonaria é filha dos Templários. A maçonaria foi fundada em 1717, quatro séculos depois. Outras entidades também pleiteiam essa filiação: Rosacruzes, Ordem de Cristo e Ordem do Templo Solar.

A verdadeira Ordem Templária, fundada em 1.118, pelo fidalgo francês Hugo de Payens, mostrou as caras em Itabaiana. Não duvidem, eu vi!

O grão-mestre brasileiro, em carne e osso, veio fazer a sagração do engenheiro itabaianense Ancelmo Rocha, ao pé da grande serra.

Ancelmo é um inquieto peregrino, andarilho conhecido nas principais trilhas do mundo. Em Santiago de Compostela, Ancelmo Rocha é veterano. Íntimo do Santo.

Finalmente, o que faltava em Itabaiana, já chegou. Um Templário de verdade. É mais um milagre de Santa Dulce. O título foi justo, Ancelmo fez por onde merecer.

Em Itabaiana, todos creem em milagres, até mesmo os ateus.

Vou solicitar a minha inscrição, nessa Ordem medieval.

Antonio Samarone (médico sanitarista).