sexta-feira, 23 de abril de 2021

O CHORO DO COVEIRO


O Choro do Coveiro...
(por Antonio Samarone)

A imprensa não fala dos mortos, mas do número de óbitos.

Não sei e não quero saber de quem foi a infame ideia, mas em Aracaju, a relação dos mortos pela Covoid-19 é divulgada diariamente, sem os nomes das vítimas. Se não bastasse, divulgam as comorbidades de cada um, numa tentativa de esconder a gravidade da Pandemia.

Diz a Prefeitura de Aracaju em seu boletim: morreu de covid-19! E cita as comorbidades. Enfatizando que as vítimas estavam na fila da morte (velhos, gordos, diabéticos e hipertensos). Visivelmente, uma forma mascarada de negacionismo.

Deixar de nominar os mortos é uma forma de apressar o seu esquecimento.

Dona Genoveva vivia só e morreu só. Foi encontrada dias depois, pelo cheiro que exalava na vizinhança. Ela vivia num pequeno sítio, no povoado Sambaiba. Era aposentada do FUNRURAL.

Ninguém quis pegar na alça do caixão, com medo da Peste. Pagaram a Mané Lombriga para levá-la a última morada, numa carroça de burro. E assim foi feito.

O caixão foi comprado às pressas, na Funerária de Nego Velho.

Genoveva foi sepultada, sem os rituais cristãos, no centenário Cemitério das Flechas, construído por Conselheiro, em sua passagem por Itabaiana.

O Cemitério estava vazio. Ninguém na despedida de Genoveva, nem as almas!

Genoveva morreu aos 92 anos. A sua morte não foi registrada em cartório.

Não deixou herdeiros de sangue. O pequeno sítio e a casinha onde caiu morta, ficaram com Dona Maroca, uma vitalina, sua amiga de infância e comadre.

Genoveva passou a vida cortando fumo e vendendo rapé, na feira de Itabaiana.

No seu enterro, o coveiro Ascindino tomou uma lapada de cachaça, para evitar o pior.

Ascindino abriu e fechou os sete palmos aos prantos. Chorou e rezou um Padre Nosso, pela alma de Genoveva. Coisa rara entre os coveiros!

Eu recomendo benesses a alma de Genoveva. Descanse em Paz!

Antonio Samarone (médico sanitarista)


 

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