sábado, 31 de outubro de 2020

A BOA FÉ DOS SERGIPANOS


A Boa-Fé dos Sergipanos.
(por Antonio Samarone)
A economia sergipana está desabando. A saída da Petrobras pode ter sido o tiro de misericórdia. O assustador é a indiferença dos líderes políticos.
Antes da Petrobras, Sergipe vivia da produção de açúcar e sal.
Faltava tecnologia e terras para a produção do açúcar, que sobrevivia de subsídios. A primitiva indústria do sal era criminosa: os trabalhadores eram atacados pela polinevrite, impotência sexual e cegueira.
Sergipe era o campeão brasileiro em cegueira. Ao lado do tracoma, a indústria do sal fazia a sua parte.
Nada em Sergipe dava certo. O que estava no horizonte no início da década de 1960? Salgema, petróleo e cimento. Tudo muito distante.
No clímax do desespero, apareceu em Aracaju o Mister John Martell, com uma proposta para a salvação econômica de Sergipe. Aracaju entrou num frenesi de esperança. A elite local tratou o messias como um bem aventurado.
O Tiger’s Club ofereceu um jantar festivo para ouvir o Mister John Martell. O que seria? Uma indústria de automóveis, uma refinaria, uma grande fábrica de cimento? A expectativa tomou conta de todos. Até os mais pessimistas encheram-se de esperança.
Não, nada disso. O ilustre visitante trazia um projeto para criação de camarões, com alta tecnologia, radar, sonar e ecobatímetro. O camarão baixaria de 1.500 cruzeiros o quilo, para 300 cruzeiros.
Uma revolução econômica!
O empreendedor pediu preferência para a compra dos velhos Trapiches do Aracaju, ociosos, destelhados, por conta da quebradeira das tradicionais indústrias do açúcar e do sal. Ofereceu 30 milhões, de cancela fechada.
Foi uma correria do bravo empresariado sergipano, todos querendo se associar ao novo eldorado.
Esclarecida a propostas do Mister John Martell, uma imensa comitiva de homens de negócios, empreendedores, o governador, o Prefeito da Capital, embarcaram na Ponte do Imperador com destino a Barra dos Coqueiros, visando inspecionar os futuros locais de produção do valioso crustáceo.
Na hora do embarque, a banda de música da briosa Polícia Militar executava dobrados navais saudando o Mister salvador e os camarões.
Chegando à Barra dos Coqueiros, sol a pino, o Mister John Martell, teatralmente, meteu a mão no fundo do rio e arrastou um punhado de lama negra do nosso manguezal, e deu um grito incontinente: “Oh! É purra ôva of camaron!”
O Governador deu vivas, estamos sentados sobre a riqueza. Todos se regozijaram. Os empresários mais emotivos foram as lagrimas. Sergipe estava salvo da sua condenação econômica, do sal e do açúcar. O lamaçal dos mangues, que ninguém conhecia utilidade, na verdade era ova de camarões.
À beira da maré, os pescadores em suas canoas, desconfiaram daquela conversa espantosa. Só eles! A nossa classe dirigente, política e econômica, embarcou de corpo e alma na proposta do Gringo.
Sergipe seria o centro mundial de produção de camarões.
No outro dia, logo cedo, o Mister John Martel se apresentou no caixa do nosso Banco de Fomento para sacar um cheque de vinte mil dólares, do City Bank de New-Yorq. Por sorte, o Banco estava sem reservas. O Salvador foi mandado para o Banco do Brasil.
O Mister John retornou ao hotel com as mãos abanando. Desapareceu na surdina, com destino ignorado.
Na atualidade, Sergipe encontra-se novamente à espera de um novo Mister John Martell.
Quem quiser mais detalhes sobre esse comovente episódio de ingenuidade e boa-fé, basta procurar nos escritos do meu Patrono na Academia Sergipana de Medicina, Dr. Renato Mazze Lucas.
Existe que discorde dessa ingenuidade, no fundo, todos queriam uma boquinha! Será?
Antonio Samarone (médico sanitarista)
(A bela foto abaixo é do arquivo do Dr. Antonio Sobrinho.)


 

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