A Nêmesis da Medicina
Antonio Samarone de
Santana.
Os meus amigos estão doentes,
nenhum sadio. Uns com pressão alta, outros baixa, o colesterol aumentado, a
glicemia nem se fala, outros roncam dormindo, quando não estão com insônia,
queda de cabelo, orelha de abano, calvície; os poucos que nada sentem, estão
rodando de clínica em clínica fazendo rastreamentos, exames e mais exames, para
antecipar as indesejadas doenças; outros ocupados nas academias, caminhadas,
preocupados em seguir uma dieta saudável, que muda semanalmente, a critério das
últimas pesquisas. Sem contar no consumo de especiarias exóticas, meditações,
yoga, cada uma com o seu milagre. A medicina comercial tenta convencer pessoas
sadias que estão provavelmente doentes, e a pessoas um pouco doentes que estão
em estado grave. Um grande negócio.
Essa corrida à imortalidade,
prerrogativa das divindades, se fortaleceu com a expansão da ideologia da vida
saudável, juventude eterna e felicidade ilimitada. O sofrimento saiu da ordem
do dia. O estilo vida saudável passou a ser obrigatório. Exercícios permanentes,
trocar carne por peixe, exagerar nas folhagens, beber moderadamente (vinhos),
sexo seguro, zero stress, exames periódicos, pílulas de alho, entre outros
axiomas, se seguidos religiosamente, pode-se afastar o espectro das doenças, da
morte e da invalidez. A medicina tem sido cúmplice no fortalecimento dessa
ilusão. Com todo esse sacrifício, a
morte continua soberana, injusta e inevitável.
As pessoas não aceitam a
fragilidade e a imprevisibilidade da natureza humana, que implica em dores,
sofrimentos e, infelizmente, na morte; os médicos são treinados para fazer “tudo”
o que for possível por cada paciente; com isso o mercado da saúde expande-se
sem dificuldade. O médico acredita saber bem mais do que o que sabe, pois isso lhe
dar prestígio e poder; e os pacientes acreditam que os médicos podem curá-los e
salvá-los da morte em qualquer circunstancia, numa expectativa de saúde
ilimitada. Um grande paradoxo.
A vida foi medicalizada em seus
pormenores. A saúde deixou de ser apenas uma condição desejada para o bem
viver, e tornou-se o principal objetivo da vida. Vive-se para ter saúde. Nesse
modelo, a velhice precisa ser escamoteada e a morte escondida. Um agravante,
saúde não significa qualidade de vida, mas apenas uma mercadoria a ser
consumida. Essa é a nêmesis da medicina. Nêmesis, na Grécia antiga, era a
vingança divina que atingia os mortais, quando eles usurpavam as prerrogativas
que os deuses reservaram para si. A nêmesis é a resposta da natureza a hybris,
a presunção do indivíduo que busca adquirir os atributos dos deuses.
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