AS FEBRES DO ARACAJU. (Antônio Samarone.)
Nos primeiros dias da instalação da
capital de Sergipe em Aracaju, surgiram imensas dificuldades, entre elas, as
dificuldades sanitárias. Aracaju vivia sob a ameaça da febre intermitente
endêmica*, a mortalidade era elevada. (*As febres intermitentes são do grupo
das febres palustres, impaludismo, sezão, maleita, malária, terçãs e quartãs.)
Em 1856, o Presidente da
Província, Salvador Correia de Sá e Benevides, nomeou os drs. Guilherme Pereira
Rabello e Pedro Autran da Matta Albuquerque Junior, para realizarem estudos
sobre as condições higiênicas do Aracaju, visando esclarecer as causas das febres
intermitentes endêmicas, a natureza das águas, e para encontrarem um local
apropriado para a construção de um matadouro público.
Segue um resumo deste relatório,
sobre as condições de salubridade do Aracaju, em 1856. Esse é o documento fundador
da Saúde Pública em Aracaju, os seus primeiros passos.
“Localizada às margens do Rio
Cotinguiba, Aracaju recebe ventos leste, leste/oeste e nordeste, os quais
lançam sobre esse povoado as evaporações formadas pelas habitações, lagos e
charcos. Rodeada de montanhas pelo lado poente, é o Aracaju mal arejada por
aqueles lados. Só essas circunstâncias poderiam dar razão as várias moléstias
que se desenvolvem por aqui.”
“Moléstias que não tem caráter
epidêmicos, mas que por sua presença assídua de causas sempre as mesmas obram
sem cessar. Os estupores (congestão, AVC) são frequentes no Aracaju; as
moléstias catarrais; as facilidades com que as hydropesias ali se estabelecem;
as frequentes supressões da transpiração cutânea, que frequentemente se
convertem em febres intermitentes, porque o meio que se respira é
constantemente saturado dos miasmas dos pântanos. Todos esses fatos provam
eficazmente que as fortes ventilações do Aracaju não são indiferentes ao estado
de saúde dos seus habitantes.”
“Muitos fatos comprovam a
influência oculta de certos ventos sobre a saúde. Entre outros, lembraremos a
influência do sirocco em Nápoles, que tem a propriedade de produzir nos
indivíduos uma espécie de alienação mental, a ponto de ser no código penal
daquela Nação uma circunstância atenuante o fato do delito ser perpetrado
quando reina o sirocco.”
“A natureza do terreno do Aracaju
favorece singularmente o desenvolvimento das febres intermitentes e de outras
moléstias. É o Aracaju, como se sabe, assentado sobre uma planície de terreno
arenoso, que apresenta muitos alagadiços e charcos, já formados pelas águas
fluviais, e pelas águas salgadas por ocasião das marés grandes.”
“Este terreno embebe-se
facilmente de água e mantém um estado de continua umidade, deixando perspirar
através dos seus poros vapores mais ou menos malfazejos sob a impressão dos
raios solares. É inútil agitar a questão sobre as causas das febres
intermitentes endêmicas: hoje em dia é um fato incontroverso que estas febres
reconhecem por causa os miasmas, que se depreendem das substâncias animais e
vegetais em putrefação. Damo-lo, pois, como fato sem réplica.”
“Ora, em terremos baixos,
arenosos e cheios de lagos como os do Aracaju, em terrenos tais em que miríades
de insetos, de vermes, de peixes e de plantas, de uma vida quase efêmera se
desenvolvem rapidamente, morrem e apodrecem, substituindo-se por novas
gerações, que tem a mesma vida e o mesmo fim, fácil é ver que novos focos de
miasmas se estabelecerão, e que o ar que se respira é constantemente saturado
destes princípios maléficos, que se exalam em maior abundância, quando o calor
do sol faz evaporar as águas e que subministram assim aos miasmas o seu
verdadeiro condutor ou veículo.”
“A mesquinha povoação do Aracaju,
que deixa a maior parte do seu terreno inculto e deserto, povoado apenas de uma
vegetação selvagem, onde não se vê a mão humana. Os maus e raros abrigos que
este lugar proporciona aos que vão habitar, não os protegem nem da umidade, nem
das fortes ventanias. Faltam fontes limpas e asseadas, que forneçam ao povo
água potável e salubre, para que estes não busquem estancar a sede com águas
grossas, sujas e recosidas pelo sal, as quais são tiradas dos mais diversos
buracos, ou alagadiços, chamadas de fontes.”
“Os que habitam no Aracaju
atualmente, são sujeitos a muitas causas de moléstia, mormente a supressão da
respiração cutânea e as febres catarrais, as quais atacando os indivíduos, que
respirem constantemente um ar saturado dos miasmas dos pântanos, se convertem
facilmente em febres intermitentes. Estas causas devem com mais fortes razões
influir sobre aqueles que não estão afeitos a impressão das fortes ventanias,
nem as umidades, nem as águas, nem a temperatura do local.”
“De tudo o que foi dito,
conclui-se que as febres intermitentes endêmicas encontraram em Aracaju,
elementos e disposições próprias, a seu desenvolvimento e duração. Mas este mal
não será eterno, os elementos que os criam podem ser destruídos. As disposições
que os favorecem podem ser convertidas em disposições em contrário.”
“Logo que Aracaju seja mais
povoada, logo que abrigos saudáveis, cômodos e numerosos proporcionem segurança
a população; logo que desaguem os charcos e pântanos; logo que as ruas e praças
sejam calçadas com pedras; ou pelo sistema de Mac-Adam; logo que uma vegetação
plantada pela mão do homem substitua essa vegetação selvagem; logo que boas
fontes substituam os buracos infectos de onde se tira uma água grossa e
insalubre, devemos nutrir as mais seguras e lisonjeiras esperanças que as
febres intermitentes endêmicas desaparecerão, como por encanto, desse belo
local em que se acha a capital da Província, que tem infelizmente encontrado
nesse mal o maior estorvo ao seu progresso e engrandecimento.”
“Não desesperemos pois: o mal de que
falamos não é irremediável. Se tudo não se pode fazer a um tempo afim de tornar
salubre Aracaju, faça-se o que se pode, e o tempo, esse operário infatigável,
que tudo vence, realizará um dia nossas tão bem fundadas esperanças. Lancemos
os olhos sobre vários lugares que são hoje muito salubres tendo sido mais
sujeitos do que Aracaju as febres intermitentes, e veremos quanto é bem fundado
o juízo que emitimos a respeito da salubridade provável e possível do Aracaju."
“Esse trabalho seria mais
completo se fosse acompanhado do resultado da análise das águas do Aracaju, mas
esse exame demanda tempo e vagar que na atualidade a comissão não pode dispor. Dizemos,
porém, que a qualidade das águas do Aracaju nos parece boa, e que se elas têm
alguma coisa de mau provém do desasseio como são tratadas, do que de sua má
qualidade. As águas do Aracaju sempre foram usadas pela população do lugar e pela
da Barra dos Coqueiros, sem que se conste que dela tenha provido mal algum. As
mesmas águas são usadas por lugares salubres como Porto das Redes, onde se
encontram indivíduos com a idade secular.”
“Agora apresentamos, antes de
indicarmos o ponto mais apropriado no Aracaju para a instalação de um matadouro
público, algumas reflexões higiênicas não só sobre o local, como sobre certas
condições indispensáveis para possuirmos um edifício desta ordem, que em
relação as circunstâncias da Província em nada possa alterar as condições da
saúde pública.”
“A importância e a utilidade para
a salubridade pública de um único edifício em uma cidade, onde se matem e
guardem todos os animais que servem para a sustentação alimentar de sua
população, não entra mais em dúvida, e é uma dessas conquistas da higiene pública,
que em quase todas as Nações da Europa tem elevado o estandarte do triunfo.
Percorremos os arredores do Aracaju para encontrarmos um local adequado que
preenchesse as exigências da higiene, e que fosse de fácil acesso para o gado.”
“Nessas circunstâncias, achamos
que o lugar, que fica a borda do rio, além do riachão, meio quaro de légua,
mais ou menos, ao Norte do Aracaju, satisfaz quase todas as exigências mais
acondicionadas ao bem público. É esse o lugar que a comissão acha que de ser escolhido”.
Acredito ser esse local onde é hoje a casa de festa Chica Chaves.
Esse criterioso relatório
confirma a tese de Luiz Antônio Barreto de que Aracaju é um grande aterro
ajardinado. Não implantamos a cidade num sítio naturalmente pronto, como
Salvador e o Rio de Janeiro. Aracaju foi construída pelas mãos dos sergipanos.
Palmo a palmo, aterro a aterro, as lagoas e pântanos foram sendo esvaziados
pelo trabalho humano, e em seguido embelezado. Nós construímos as nossas
belezas. O problema dos alagamentos é atual, a ocupação da chamada zona de
expansão do Mosqueiro, passa pelas mesmas dificuldades.
Um outro aspecto da construção do
Aracaju foi a permanente ameaça sanitária. O nosso espaço geográfico era benfazejo
para as epidemias. As doenças epidêmicas sempre nos ameaçaram. As febres,
sobretudo a malária e a tifoide, pairavam sobre o Aracaju. Sem esquecer a pestilenta
epidemia de Cólera de 1855, dizimando a população. O fundador do Aracaju,
Inácio Barbosa, foi vítima da malária. Hoje a preferência é pela dengue, chicungunha
e zica.
A leitura do resumo não
desobriga aos pesquisadores a leitura do relatório completo, que se encontra em
anexo ao: “Relatório com que foi aberta a 1. sessão da undécima legislatura da
Assembleia Provincial de Sergipe no dia 2 de julho de 1856 pelo excellentissimo
presidente, doutor Salvador Correia de Sá e Benevides. Bahia, Typ. Carlos
Poggetti, 1856.”
Antônio Samarone.
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