A Medicina do Capital (a humanização da mercadoria) Parte II
Antonio Samarone
A revolução tecnológica na
medicina, sobretudo na eletrônica, engenharia genética, robótica, transmissão
de dados, informática, física, biologia molecular, etc. condicionaram o
surgimento de variadas profissões no setor saúde; reduzindo a centralidade do
médico, que perdendo a posse dos instrumentos de trabalho, tendo sua autonomia
reduzida; caminha velozmente para tornar-se um elo pouco relevante do processo
de produção da atenção à saúde. Os prontuários eletrônicos, organizados com
base nos protocolos, acelera a tendência ao autocuidado, as tele consultas,
monitoramentos à distância, e ao uso doméstico da tecnologia.
A Telemedicina que permite uma
conversa direta dos usuários com os médicos através de um Skype, com tanta
facilidade e a um custo tão baixo, que chega a ser indigno pensar que
precisamos importar médicos para atender a um paciente localizado em regiões
carentes de atenção básica. Na Índia, a assistência médica a populações
carentes está sendo solucionada através da banda larga rural, software de
telemedicina e modernas unidades móveis de diagnósticos. Diante do comprovado
aumento da produtividade, os Planos de Saúde estudam este caminho como forma de
reduzir custos, e claro, com ampla aceitação dos consumidores devido as
comodidades e por permitir tarifas econômicas. O desafio da assistência à saúde
pública e privada na Índia passou a ser a universalização da conectividade.
O Conselho Federal de Medicina,
visando garantir o mercado, “proíbe expressamente a realização de consultas
médicas à distância”, não importando se a mesma seja feita por telefone fixo,
por e-mail ou por qualquer outro formato digital (Resolução nº 1974/2011).
Evidente, que a medicina comercial, quando achar necessário para os seus
negócios, encontrará as formas legais de descumprir a citada proibição. Na verdade,
o Conselho de Medicina emite resoluções fundadas numa ética da medicina
artesanal, de quando o exercício liberal da medicina era a regra; contudo, essa
postura, teoricamente fora de época, em nada impede ou dificulta a convivência
harmônica do Conselho de Medicina com a medicina comercial; os conflitos
ocorrem, em sua imensa maioria, com a fragilizada medicina pública.
O trabalho médico passará por
profundas transformações com o avanço da regulação genética e o mapeamento
universal do DNA; desenvolvimento das pesquisas com células troncos, impressão
3D, robótica, tecnologia da informação, com a digitalização dos dados sobre as
pessoas integrando os vários bancos de dados, as pulseiras e dispositivos
pessoais de monitoramento de indicadores de riscos, a telemedicina, o
autoconsumo de procedimentos de diagnóstico e terapêutica. A tendência da
indústria de equipamentos médicos é a produção de aparelhos menores para uso
domiciliar. As novas tecnologias diagnósticas, terapêuticas e organizacionais
aumentarão a autonomia dos pacientes ou, ao contrário, ampliarão a dependência
do consumo de procedimentos?
O trabalho médico vai aprofundar
a fragmentação do cuidado em milhares de procedimentos, intensificando o seu
consumo centrado na lógica do mercado ou haverá o retorno à clínica, a uma nova
clínica que una tecnologia e humanismo? Isso vai ter profundo impacto nos
custos e na qualidade da atenção. É muito importante dar um peso político
diferenciado às tecnologias leves, relacionais, as tecnologias de informática,
que devem ser tratadas de uma perspectiva sistêmica e voltadas para o bem-estar
e qualidade de vida.
A divisão do trabalho na saúde
busca uma melhor produtividade (não para atender a necessidade de saúde da
população, mas sim para buscar mais valia) o trabalhador de artesão passa a
executar uma parte do produto produzido se especializando numa fração do
produto, apenas uma pequena parte do trabalho, uma vez que a forma de produção
assim o exige. O trabalho é dividido em certo número de etapas que vão depender
da complexidade do produto. Revisar esse texto.
“Profissão é uma ocupação
autorregulada, que exerce uma atividade especializada, fundamentada numa
capacitação ou formação específica, com forte orientação para o ideal de servir
à coletividade, norteada por princípios ético-profissionais definidos por ela
mesma. Portanto, a noção de profissão está intrinsecamente vinculada à ideia de
um a atividade humana que, mediante conhecimento especializado, atua em
determinada realidade, visando interpretá-la, modificá-la, transformá-la para
um determinado 'fim social'. A auto regulação e a autonomia prevalecem nesta
relação, e são estes dois elementos que permitem que a profissão tenha a
'autonomia' para recriar realidades.” Maria Helena Machado. Essa pretensão é
hoje apenas uma forma de resistência a subordinação da medicina a lógica da
acumulação capitalista.
Nenhuma outra profissão exercita
este poder na escala em que o faz a medicina, certamente porque nenhuma outra
profissão se iguala a ela no grau de autonomia ou “auto regulação", afirma
Machado (1996:32). A profissão médica é este estereótipo de profissão com alto
grau de autonomia técnica (saber) e econômica (mercado de trabalho). Em outros
termos, uma profissão autorregulada, com elevado e complexo corpo de
conhecimento científico e controle sobre o processo de trabalho. Na opinião de
Freidson (1978), a medicina é, por natureza, uma profissão de consulta, como
poucas no mundo contemporâneo. ” Maria Helena Machado.
Assim, os médicos adquiriram,
historicamente, o monopólio de praticar a medicina de forma exclusiva,
colocando na ilegalidade e clandestinidade todos os praticantes empíricos e
curiosos desse ofício.
Esse sonho de uma profissão
autorregulada está sendo soterrado pela dinâmica da economia de mercado. No
final do século XX, o objeto da medicina deixou de ser apenas o doente e passou
a ser a vida, do nascimento ao óbito. A vida foi medicalizada. (noção de
risco). O campo da saúde amplia-se além das enfermidades, para alcançar toda a
vida social. A ação da medicina ultrapassou uma geração, com consequências na
seleção natural e na evolução. A medicina interferiu na descendência, abrindo
um capítulo para a bio-história. A medicina tornou-se um segmento da economia;
integrando-se ao mercado, regendo- se por sua lógica. A Saúde entrou no campo
da macroeconomia, e assumiu o caráter de mercadoria. No final do século XX, a
Saúde se transformou em bem de consumo, subordinando-se as leis de mercado.
O mercado da saúde no Brasil
representa 10,2% do PIB, 50 milhões de usuários, 6,8 mil hospitais, 450 mil
leitos, 245 mil estabelecimentos, 12 milhões de empregos diretos e indiretos,
394 mil médicos, 1,6 milhões de profissionais de enfermagem, 18 mil
laboratórios; 8º maior mercado de Saúde do Mundo, movimentando anualmente cerca
de R$ 570 bilhões. Cresce em média 7,6%, nos últimos dez anos.
Antonio Samarone.
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