quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O SUICÍDIO NA HISTÓRIA


O suicídio na história.

O suicídio é o único problema filosófico sério.” (Camus).

Um suicídio, como toda conduta humana, é uma mensagem endereçada à comunidade da qual seu sujeito faz ou fazia parte.

A história grega foi marcada por suicídios retumbantes: suicídios patrióticos, de Temístocles e Demóstenes; suicídio por remorso, de Aristodemo; suicídio pela honra, de Cleômenes; suicídio por fidelidade a uma ideia religiosa, de Pitágoras; suicídio para escapar da decrepitude da velhice, de Demócrito; suicídio filosóficos por desprezo pela vida, de Zenão, Diógenes e Epicuro. O suicídio de Sócrates é o mais conhecido.

Em Roma não foi diferente. Foi marcante o suicídio resignado de Sêneca, por ordem de Nero. Os celebres suicídios políticos de Catão, Cassius, Brutos (“Ó virtude, não passas de uma palavra”) e Cleópatra, para evitar a perda de liberdade. A popularidade de estoicismo entre as elites romanas contribuiu para banalizar o gesto fatal.

Na Idade Média o suicídio foi tratado pela proibição cristã. Aos suicidas eram negadas a sepultura. Tinha o corpo enforcado, como uma segunda morte. Na visão cristã do medievo, a salvação era negada aos suicidas. O suicídio era um problema da religião, da moral, do direito e da filosofia.

O Iluminismo encorajou a tolerância aos suicídios. A filosofia moral secular, a expansão do humanismo e o crescente prestígio da ciência contribuíram para a tolerância. Os filósofos d’Holbach, Voltaire, Montesquieu, Hume ofereciam justificativas filosófica. Somente Kant condenou duramente o suicídio.

Durante o Iluminismo tivemos o “mal inglês”.

Em 1749, Montesquieu escreveu: “Os ingleses se matam sem que se possa imaginar nenhuma razão que os determine, matam-se até em plena felicidade. É o efeito de uma doença gerada pelo clima, que atinge a alma a tal ponto que leva o desgosto por todas as coisas, até pela vida. Um mito do iluminismo: a Inglaterra era o país do suicídio.

Aliás, suicídio é um termo nascido na Inglaterra, no século XVII. (sui – de si; caedes – assassinato). Entre 1680 e 1720 explodiu o número de suicidas na aristocracia britânica. O suicídio filosoficamente justificado era um ato refinado, desde que não fosse por enforcamento. O suicídio era nobre ou pela espada ou pela pistola.

A satanização do suicídio no mundo protestante. Para Lutero, “o suicídio nada mais é do que um assassinato de uma pessoa cometido diretamente pelo diabo. Aquele que se suicida está possuído pelo demônio.  A origem satânica do suicídio é aceita com facilidade pelo povo.

O Concilio de Trento reitera a proibição absoluta de matar do quinto mandamento. A lei não diz não matarás os outros, mas não matarás. O suicida era enterrado junto aos excomungados e aos não batizados, de todos aqueles que foram excluídos da salvação eterna.

No final do século XV a loucura tornou-se tema intelectual, gerando polêmicas. Brant avaliava que era preciso estar louco para se suicidar, Erasmo, que era preciso estar louco para continuar vivo. Surge a ligação dos suicídios com a doença mental.

Uma passagem do Dr. Fausto, de Goethe, é significativa do dilema sobre o suicídio:

“Meu coração está tão endurecido que eu não consigo me arrepender. Mal posso apelar à salvação, à fé ou ao céu sem que um eco terrível ressoe em meus ouvidos: Fausto, estás condenado ao sofrimento eterno. Então, espadas, punhais, veneno, pistola, cordas e floretes envenenados se oferecem a mim para que eu me mate.”

Os médicos tinham prestado pouca atenção aos suicídios no renascimento e mesmo no iluminismo. Contudo, à medida que a profissão psiquiátrica emergia como uma entidade distinta, os autores médicos, no século XIX, começavam a enfatizar que o suicídio era causado pelas doenças mentais.

Esquirol, via o suicídio como o desfecho da monomania. Em 1838, ele declarou: “o suicídio é um ato secundário a uma perturbação emocional severa (délire de passion) ou insanidade (folie)”. Após 1820, o debate moral sobre o suicídio foi secularizado.

Até a década de 1820, o debate sobre o suicídio era dominado pela moral. Aqui inicia-se a medicalização. O suicídio deixou de ser visto como uma revolta contra Deus, mas continua um ato ameaçador para a sociedade. A psiquiatria começa a tomar conta do suicídio no final do século XVIII.

Os sociólogos também pleitearam o suicídio para o seu campo de pesquisa, consolidando-se no estudo clássico de Durkheim “O Suicídio” (1897). Durkheim rejeitou que o suicídio fosse primariamente causado por uma patologia individual, defendeu uma causa social de fundo.

O Setembro Amarelo: o suicídio não tem glamour. Hoje os médicos e psicólogos acreditam que o suicídio é um problema de Saúde Pública, e que decorrem, em sua imensa maioria, de transtornos mentais. Acreditam que esse avanço do suicídio encontra nessa explosão das doenças mentais a sua base explicativa. 

Em meu entendimento, transferem a pergunta: e o que está levando a essa explosão dos transtornos mentais?

Cada sociedade tem em momentos definidos de sua história uma determinada disposição para o suicídio, e uma taxa de suicídio numericamente particular. Essa variação ocorre no tempo, e entre diferentes civilizações. Esse entendimento só é possível pelos estudos sociológicos.

Mas essa questão não é tema desse texto.

Antônio Samarone.

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