O suicídio na história.
O
suicídio é o único problema filosófico sério.” (Camus).
Um
suicídio, como toda conduta humana, é uma mensagem endereçada à comunidade da
qual seu sujeito faz ou fazia parte.
A
história grega foi marcada por suicídios retumbantes: suicídios patrióticos, de
Temístocles e Demóstenes; suicídio por remorso, de Aristodemo; suicídio pela
honra, de Cleômenes; suicídio por fidelidade a uma ideia religiosa, de
Pitágoras; suicídio para escapar da decrepitude da velhice, de Demócrito; suicídio
filosóficos por desprezo pela vida, de Zenão, Diógenes e Epicuro. O suicídio de
Sócrates é o mais conhecido.
Em
Roma não foi diferente. Foi marcante o suicídio resignado de Sêneca, por ordem
de Nero. Os celebres suicídios políticos de Catão, Cassius, Brutos (“Ó virtude,
não passas de uma palavra”) e Cleópatra, para evitar a perda de liberdade. A
popularidade de estoicismo entre as elites romanas contribuiu para banalizar o
gesto fatal.
Na Idade Média o suicídio foi tratado pela proibição cristã. Aos suicidas eram
negadas a sepultura. Tinha o corpo enforcado, como uma segunda morte. Na visão
cristã do medievo, a salvação era negada aos suicidas. O suicídio era um problema
da religião, da moral, do direito e da filosofia.
O Iluminismo encorajou a tolerância aos suicídios. A filosofia moral secular, a
expansão do humanismo e o crescente prestígio da ciência contribuíram para a
tolerância. Os filósofos d’Holbach, Voltaire, Montesquieu, Hume ofereciam
justificativas filosófica. Somente Kant condenou duramente o suicídio.
Durante o Iluminismo tivemos o “mal inglês”.
Em 1749, Montesquieu escreveu: “Os ingleses se matam sem que se possa imaginar nenhuma razão que os determine, matam-se até em plena felicidade. É o efeito de uma doença gerada pelo clima, que atinge a alma a tal ponto que leva o desgosto por todas as coisas, até pela vida. Um mito do iluminismo: a Inglaterra era o país do suicídio.
Em 1749, Montesquieu escreveu: “Os ingleses se matam sem que se possa imaginar nenhuma razão que os determine, matam-se até em plena felicidade. É o efeito de uma doença gerada pelo clima, que atinge a alma a tal ponto que leva o desgosto por todas as coisas, até pela vida. Um mito do iluminismo: a Inglaterra era o país do suicídio.
Aliás,
suicídio é um termo nascido na Inglaterra, no século XVII. (sui – de si; caedes
– assassinato). Entre 1680 e 1720 explodiu o número de suicidas na aristocracia
britânica. O suicídio filosoficamente justificado era um ato refinado, desde que
não fosse por enforcamento. O suicídio era nobre ou pela espada ou pela pistola.
A
satanização do suicídio no mundo protestante. Para Lutero, “o suicídio nada
mais é do que um assassinato de uma pessoa cometido diretamente pelo diabo.
Aquele que se suicida está possuído pelo demônio. A origem satânica do suicídio é aceita com
facilidade pelo povo.
O
Concilio de Trento reitera a proibição absoluta de matar do quinto mandamento.
A lei não diz não matarás os outros, mas não matarás. O suicida era enterrado junto
aos excomungados e aos não batizados, de todos aqueles que foram excluídos da
salvação eterna.
No
final do século XV a loucura tornou-se tema intelectual, gerando polêmicas.
Brant avaliava que era preciso estar louco para se suicidar, Erasmo, que era preciso
estar louco para continuar vivo. Surge a ligação dos suicídios com a doença
mental.
Uma
passagem do Dr. Fausto, de Goethe, é significativa do dilema sobre o suicídio:
“Meu
coração está tão endurecido que eu não consigo me arrepender. Mal posso apelar à
salvação, à fé ou ao céu sem que um eco terrível ressoe em meus ouvidos:
Fausto, estás condenado ao sofrimento eterno. Então, espadas, punhais, veneno,
pistola, cordas e floretes envenenados se oferecem a mim para que eu me mate.”
Os
médicos tinham prestado pouca atenção aos suicídios no renascimento e mesmo no
iluminismo. Contudo, à medida que a profissão psiquiátrica emergia como uma
entidade distinta, os autores médicos, no século XIX, começavam a enfatizar que
o suicídio era causado pelas doenças mentais.
Esquirol,
via o suicídio como o desfecho da monomania. Em 1838, ele declarou: “o suicídio
é um ato secundário a uma perturbação emocional severa (délire de passion) ou
insanidade (folie)”. Após 1820, o debate moral sobre o suicídio foi
secularizado.
Até
a década de 1820, o debate sobre o suicídio era dominado pela moral. Aqui
inicia-se a medicalização. O suicídio deixou de ser visto como uma revolta
contra Deus, mas continua um ato ameaçador para a sociedade. A psiquiatria
começa a tomar conta do suicídio no final do século XVIII.
Os
sociólogos também pleitearam o suicídio para o seu campo de pesquisa,
consolidando-se no estudo clássico de Durkheim “O Suicídio” (1897). Durkheim
rejeitou que o suicídio fosse primariamente causado por uma patologia
individual, defendeu uma causa social de fundo.
O
Setembro Amarelo: o suicídio não tem glamour. Hoje os médicos e psicólogos acreditam
que o suicídio é um problema de Saúde Pública, e que decorrem, em sua imensa
maioria, de transtornos mentais. Acreditam que esse avanço do suicídio encontra
nessa explosão das doenças mentais a sua base explicativa.
Em meu entendimento,
transferem a pergunta: e o que está levando a essa explosão dos transtornos
mentais?
Cada
sociedade tem em momentos definidos de sua história uma determinada disposição
para o suicídio, e uma taxa de suicídio numericamente particular. Essa variação
ocorre no tempo, e entre diferentes civilizações. Esse entendimento só é
possível pelos estudos sociológicos.
Mas
essa questão não é tema desse texto.
Antônio
Samarone.
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