(Cap. VIII)
Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio
dos siris). (por Antônio Samarone)
O Bispo Sardinha – Vigário Geral
na Índia, chegou à Bahia em 22 de junho de 1552.
Segundo Câmara Cascudo, quando
Tomé de Souza chegou a Bahia para fundar a cidade do Salvador, março de 1549,
já encontrou mais de meio cento de portugueses, alguns casados com brancas,
outros com mamelucas, a maioria dos machos mantendo o harém das fáceis cunhãs,
submissas e curiosas. Diogo Alvares, o Caramuru, era sogro de cinco genros e
muitas vezes avô.
Em 1549, junto com a comitiva de
Tomé de Souza no Governo-Geral do Brasil, veio o médico Jorge Valadares,
bacharel em medicina, nomeado para exercer o cargo de "Físico da Cidade do
Salvador da Bahia de Todos os Santos na Costa do Brasil”, permanecendo no cargo
até 1553.
Jorge Valadares foi o primeiro
médico diplomado a clinicar na Colônia. Em 13 de julho de 1553, na comitiva de
Duarte da Costa, veio o segundo médico nomeado para o mesmo cargo, Jorge
Fernandes, que era apenas licenciado em medicina, fez um curso de quatro anos e
não defendeu as conclusões magnas (tese), portanto, não possuindo o título de
bacharel. Em 1957, no Governo de Mem de Sá, o médico nomeado para exercer o
mesmo cargo foi o bacharel-mestre Afonso Mendes.
Uma polêmica foi instalada,
enquanto os dois médicos formados, bacharéis, Jorge Valadares e Afonso Mendes
receberam respectivamente vinte e oito mil e oitocentos reis e vinte e quatro
mil reis de vencimentos anuais da Coroa; Jorge Fernandes, apenas licenciado,
recebera sessenta mil reis anuais de ordenado. Os três primeiros médicos que
atuaram no Brasil eram cristãos-novos.
O Rei D. João III tinha um certo
apadrinhamento com Jorge Fernandes concedendo-lhe um ordenado de marajá. Para
efeito de comparação, um padre jesuíta, a menina-dos-olhos da Coroa portuguesa
na Colônia, recebia anualmente um ordenado de vinte mil reis. O licenciado
Jorge Fernandes, Físico do Salvador, quando deixou o cargo, permaneceu no
Brasil até o seu falecimento em 1567, exercendo a medicina privadamente.
Duarte da Costa, armeiro mor do
reino, chega a Bahia para substituir Tomé de Souza, em 13 de julho de 1553. Com
a chegada do segundo Governador Geral, Duarte da Costa, acompanhado do seu
devasso filho, Álvaro da Costa, os conflitos do Bispo acentuaram-se.
Duarte da Costa (1553 a 1558). Durante o seu governo, ocorreram vários
distúrbios, motivados na sua maioria pelos conflitos envolvendo a escravização de
indígenas. Os colonos tinham o apoio do Capitão-Mor, Álvaro da Costa, filho do
governador.
Sua gestão conviveu ainda com a invasão francesa ao Rio de Janeiro, em
1555, onde foi fundada a França Antártica. Em seu Governo (1556) ocorreu a
morte do Bispo e de sua comitiva, quando retornavam para Portugal (assunto dos
próximos capítulos).
O primeiro bispado brasileiro foi
criado pelo Papa Júlio III, com a bula "Super Specula Militantis
Ecclesiae", em 25 de fevereiro de 1551, e para seu titular El-Rei d. João
III indicou d. Pero Fernandes Sardinha.
Pelo interesse que o Bispo
Sardinha tem para a história de Sergipe, foi nas costas sergipanas que ele foi
deglutido pelos índios, vou detalhar quem foi o Bispo e como atuava. O cronista
da Companhia de Jesus, padre Simão de Vasconcelos, assim descrevia o Bispo Pero
Fernandes Sardinha:
"foi este prelado varão
insigne em letras, e em virtudes, afamado pregador de seus tempos: estudara na
Universidade de Paris, onde se graduou de doutor; foi mandado à Índia com o
ofício de Vigário Geral, e pelo bem que nele se houve, mereceu ser eleito Bispo
do Brasil, por El-Rei D. João o terceiro. Era dotado de grande zelo do serviço
de Deus e das almas, e nele tinham posto os olhos e esperanças, os moradores
de sua diocese.”
Por outro lado o sexagenário d.
Pero era infernizado, briguento, e logo se indispôs com meia cidade, inclusive
com os jesuítas, que não lhe perdoavam o pouco que ligava à vida escandalosa e
nada exemplar que levavam os seus cônegos clérigos.
O primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha atacaria muito os
jesuítas por ouvirem confissões por meio de intérpretes, procedimento que ele
julgava irregular.
Na visão de Almeida Prado, o
Bispo Sardinha era virtuoso, mas afligido de temperamento exaltado, e do vezo
de corrigir meio mundo, comum dos que procuram oportunidades para irritar e se
irritarem.
Sardinha não tirava a palavra
excomunhão dos lábios, e na Bahia era o avantesma do seu pecaminoso rebanho,
que apavorava sem muito discernimento, perseguindo aos desafetos com terríveis
ameaças a respeito da perdição futura, mais multas e penitências que sobre eles
atirava, enquanto fechava os olhos sobre os deslizes dos que por cálculo ou
fraqueza o lisonjeavam.
O Bispo Sardinha não se arreceava
em fazer inimigos, e depois de feitos em enfrentá-los, mesquinhos ou poderosos,
num exagero extravagante de catador de nugás e inconsciente semeador de
discórdias" O Bispo não abria mão dos seus princípios.
Lycurgo Santos Filho, relata as
desavenças do Bispo: historiadores e cronistas tornaram bem conhecida a
acirrada contenda que, no Salvador, se travou entre o primeiro Bispo do Brasil,
d. Pero Fernandes Sardinha e o segundo Governador Geral, d. Duarte da Costa.
As duas mais altas autoridades da
Colônia dividiram a cidade, com suas quezílias, em duas facções poderosas, que
poderosos eram os contendores. Cada um de seu lado, Bispo e Governador,
injuriavam-se mutuamente, sem que pessoalmente a eles nada sucedesse.
Sofriam os partidários, que foram
perseguidos, presos e espancados à ordem de um ou de outro, pois que ambos
possuíam quase idênticos poderes. Como autoridade civil e militar, mandava e
desmandava o Governador; como autoridade eclesiástica, o Bispo multava e
confiscava e prendia quem bem quisesse, à menor suspeita ou denúncia de
judaísmo e heresia.
Continua Lycurgo, D. Duarte da
Costa, o Governador Geral, nobre palaciano, filho de um valido de D. Manuel,
contribuiu por sua vez, com ações e palavras, para o desenrolar do conflito.
Teve razão no início. Apoiado pelo padre Luiz da Gram e principais da cidade,
procurou chamar o Bispo à razão, pedindo-lhe que fosse mais cordato, mais
indulgente, não carregasse tanto nas multas e penitências.
D. Pero exasperou-se e num
sermão, de modo velado, mas com endereço certo, pediu o castigo dos céus para
os desregramentos sexuais de d. Álvaro (filho do Governador) e companheiros. O
pai não gostou da pregação e, desde então, teve início a luta entre as duas
principais autoridades da Colônia.
Quase todos os funcionários da
Coroa e muitos dos "homens bons" da cidade, como Diogo Muniz Barreto,
que foi Alcaide-mor da Bahia e provedor da Misericórdia, permaneceram fiéis ao
Governador. O mesmo não sucedeu com o Senado da Câmara, onde grande parte dos
camaristas tornou o partido do Bispo.
Trouxe Nosso Senhor o Bispo D.
Pero Fernandes Sardinha, honrado e virtuoso, zeloso na reformulação dos
costumes dos cristãos; mas quanto aos gentios e a sua salvação se dava pouco,
porque não os tinha como o seu bispo, eles lhes pareciam incapazes de toda a
doutrina, por sua bruteza e bestealidade, nem os tinha por ovelhas do seu
curral. Nisso residia a principal divergência entre o primeiro Bispo e os
Jesuítas.
D. Pero Fernandes Sardinha (1552
– 1556) – O Papa Júlio III, a 5 de fevereiro de 1551, pela bula Super specula
militantes Ecclesiae, desmembra o Brasil de Funchal e cria uma diocese com Sé
na Bahia de Todos os Santos.
D. Pero Sardinha antigo vigário
geral na Índia, mestre em teologia, pessoa de boas letras e doutrina, chegou a
Bahia em 22 de junho de 1552, vésperas de São João. O bem-vindo Bispo bateu
logo de frente com os Jesuítas. Segundo Serafim leite:
O Prelado punha tacha em tudo
quanto os jesuítas praticavam para a moralização da terra e catequização dos
índios. Os jesuítas confessavam por intérpretes, reprovou tal uso; faziam
disciplinas públicas, combateu-os; atacavam as mancebias, desculpou-as;
ensinavam a doutrina no colégio, dispensou-o; aceitavam alguns costumes
indígenas, decretou-o que eram ritos gentílicos. O Prelado fazia questão que os
índios andassem vestidos.
A vida de D. Pero Fernandes
Sardinha, no Brasil, é uma tessitura compacta de desavenças com o poder civil,
com o seu Clero e com os Jesuítas.
A avaliação que Serafim Leite faz
do primeiro Bispo do Brasil, D. Pero Vaz Caminha, não é positiva, considerava-o
de caráter arrevesado, que liberava excomunhão como multas pecuniárias, e não
possuía a indispensável incontinência da língua numa terra ainda em formação,
onde a cizânia da intriga faria o resto.
O juízo que a história emite de
D. Pero Fernandes Sardinha é severo.
Tendo, antes de chegar ao Brasil,
dado boa conta de si, foi vítima do meio, inconsistente e em ebulição.
Parece-nos que não chegou a compreender a terra. Tendo letras, não se serviu
dela para o bem da catequese... Amigo do culto e de cerimonias litúrgicas
solenes, não sentiu amor pelos índios.
Serafim Leite não poupou o Bispo
Sardinha: uma virtude, porém, tinha o primeiro prelado do Brasil. Envolto num
torvelinho de paixões, disputas e intrigas, ninguém invocou contra ele
prevaricações em matéria de bons costumes. Mas isto não bastava...
Pero Fernandes Sardinha, filho de
Gil Fernandes Sardinha e Lourença Fernandes, nasceu em 1495, natural de Évora,
foi professor nas Universidades de Paris, Coimbra e Salamanca. Morreu aos 61
anos, em 1556.
No próximo capítulo tratarei da
morte do Bispo, importante para a história de Sergipe.
Antônio Samarone.
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