(Cap. VI)
Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio
dos siris). (por Antônio Samarone)
A Capitania de Sergipe (parte dois.)
João III - O Piedoso (1502-1557) nasceu na
cidade de Lisboa em 06 de junho. Primeiro filho de D. Manuel I com a rainha D.
Maria de Castela. Assumiu o trono de Portugal em 19 de dezembro de 1521, alguns
dias após a morte de seu pai, e reinou durante 36 anos. Casou-se com D.
Catarina, irmã do imperador Carlos V, em 1525, e veio a falecer em junho de
1557.
A 26 de agosto de 1534, D. João
III assina carta de doação da Capitania de Sergipe a Francisco Pereira
Coutinho:
“D. João, por graça de Deus, rei
de Portugal, e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, senhor de Guiné e da
Conquista, navegação, comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc. A
quanto esta minha carta virem, faço saber que eu fiz ora doação, e mercê a
Francisco Pereira Coutinho, fidalgo da minha casa, para ele e todos os seus
filhos, e netos, herdeiros e sucessores, de juro, e herdade para sempre, da
capitania e governança de 50 léguas de terra na minha costa do Brasil, as quais
começarão na parte do rio São Francisco e correm para o sul até a parte da
Bahia de Todos os Santos.”
Senhores de baraço e cutelo.
Os donatários eram de juro e
herdade senhores de suas terras. Tinham jurisdição civil e criminal, com alçada
até cem mil réis na primeira, com alçada no crime até morte natural para
escravos, índios, peões e homens livres, para pessoas de mor qualidade até dez
anos de degredo ou cem cruzados de pena; na heresia (se o herege fosse entregue
pelo eclesiástico), traição, sodomia, a alçada iria até morte natural, qualquer
que fosse a qualidade do réu, dando-se apelação ou agravo somente se a pena não
fosse capital.
Os donatários poderiam fundar
vilas, com termo, jurisdição, insígnias, ao longo das costas e rios navegáveis;
seriam senhores das ilhas adjacentes até distância de dez léguas da costa; os
ouvidores, os tabeliães do público e judicial seriam nomeados pelos respectivos
donatários, que poderiam livremente dar terras de sesmarias, exceto à própria
mulher ou ao filho herdeiro.
O território de Sergipe é o núcleo
central da Capitania doada a Francisco Pereira Coutinho. São cinquenta léguas
de costa, do Pontal a Caixa Prego. Cabia ao donatário repartir o território,
doando sesmaria a quem bem intendesse, desde que fossem cristãos.
Se na terra houvesse minas, o Rei
de Portugal teria direito a um quinto da produção, bem como dez por cento do
pescado. O pau Brasil também era da Coroa.
O Capitão da Capitania ficava
autorizado a doar sesmaria a qualquer pessoa, desde que cristão; se encontrasse
ouro ou outros metais preciosos, era obrigado a pagar um quinto ao Rei. O pau
Brasil e plantas medicinais continuam pertencendo ao Rei. Ao donatário eram
atribuídos poderes de justiça e da fazenda pública.
Francisco Pereira Coutinho era um
fidalgo abastado, experimentado na Índia, e chegou ao Brasil em 1537, com uma
vasta comitiva, em sete naus, muita gente e muitos recursos. Inicia a ocupação
de sua capitania de forma entusiasmada, construindo engenhos, distribuindo
sesmarias, ocupando terras que não lhe pertenciam e criando um conflito com o
velho Caramuru.
Os conflitos com os Tupinambás
foram intensos. Os modos de ação de Coutinho eram incompatíveis com acordos e
negociações, agia de forma violenta e imperial. Ficou conhecido como o
Rusticão.
O poderoso Francisco Pereira
Coutinho quis desenvolver a sua capitania à força, envolvendo-se em conflitos
frequentes com os tupinambás, e um desses conflitos a soldadesca de Coutinho
assassinou um filho do cacique, agravando os conflitos.
No primeiro momento ele teve a
colaboração de Caramuru na pacificação dos gentios, harmonia que durou pouco,
pois em pouco tempo ele manda prender o próprio Caramuru. Diante do agravamento
da situação, Coutinho foge para a Capitania dos Ilhéus, tentando esfriar o
estado geral de beligerância.
Francisco Pereira Coutinho, donatário da Capitania de Sergipe, naufragou
nos baixios do Peraúnas, na Ilha de Itaparica, onde será deglutido pelos
tupinambás.
Em meados de 1547, ao retornar
para Villa Velha, sentindo-se seguro, as duas naus encalharam na extremidade
sul da Ilha de Itaparica, Francisco Pereira Coutinho é preso pelos índios e
submetido ao ritual antropofágico, que durou cinco dias, comum entre os
tupinambás. A cerimônia demorou seis dias. Sua cabeça foi partida com uma
clava, pelo irmão do índio assassinada; sua carne servida em fausto banquete.
A antropofagia é uma instituição
por excelência dos tupi: ao matar um inimigo, de preferência com um golpe de
tacape, no terreiro da aldeia, que o guerreiro recebe novos nomes, ganha
prestígio político, acede ao casamento e até a uma imortalidade imediata.
Todos, homens, mulheres, velhas e crianças, além de aliados de outras aldeias,
devem comer a carne do morto. Uma única exceção a esta regra: o matador não
come sua vítima.
Comer é o corolário necessário da
morte no terreiro, e as duas práticas se ligam: "Não se têm por vingados
com os matar senão com os comer". Morte ritual e antropofagia são o nexo
das sociedades tupis. Como bem sintetizou Manuela Carneiro da Cunha.
“De todas as honras e gostos da vida, nenhum é
tamanho para este gentio como matar e tomar nomes nas cabeças de seus
contrários, nem entre eles há festas que cheguem às que fazem na morte dos que
matam com grandes cerimônias, as quais fazem desta maneira.” (Fernão Cardim).
Os portugueses acreditavam que os
índios eram animais, não possuíam alma, não possuíam natureza humana. A dúvida
foi levada ao Vaticano, e através do breve Pastorale oficcium, em 29 de maio de
1537; seguido da bula, Sublimis Deus, de 02 de junho do mesmo ano, o Papa Paulo
III (o mesmo que convocou o Concilio de Trento), concluiu que os índios eram
gente, possuíam alma, e poderiam ser catequizados.
Um aspecto curioso desta bula é
sua discussão de como lidar com a poligamia. Após a conversão, os índios tinham
que se casar com a primeira esposa, mas se eles não conseguissem lembrar,
poderiam escolher, dentre as esposas, aquela de sua preferência.
Em 29 de maio de 1537, da Bula
Veritas Ipsa pelo Papa Paulo III, declarando serem os índios homens e que, como
tal, tinham alma, reforça o entendimento geral de que a bestialidade era a
característica dominante ou a imagem que os colonizadores, tanto espanhóis como
portugueses, atribuíam às pessoas indígenas.
Essa decisão da Igreja cria uma
dificuldade para os colonizadores, a escravidão dos índios foi condenada,
passando ser autorizada apenas diante de uma guerra justa. Na prática, a Bula
era pouco observada.
Bula Veritas Ipsa – 1537.
“Nós outros, pois, que ainda que
indignos, temos às vezes de Deus na terra, e procuramos com todas as forças
achar suas ovelhas, que andam perdidas fora de seu rebanho, para reduzi-las a
ele, pois este é nosso oficio; reconhecendo que aqueles mesmos Índios, como
verdadeiros homens, não somente são capazes da Fé de Cristo, senão que acodem a
ela, correndo com grandíssima prontidão, segundo nos consta: e querendo prover
nestas cousas de remédio conveniente com autoridade Apostólica, pelo teor das
presentes letras, determinamos, e declaramos, que os ditos Índios, e todas as
mais gentes que daqui em diante vierem à notícia dos Cristãos, ainda que
estejam fora da Fé de Cristo, não estão privados, nem devem sê-lo, de sua
liberdade, nem do domínio de seus bens, e que não devem ser reduzidos a
servidão. Declarando que os ditos índios, e as demais gentes hão de ser
atraídas, e convidadas à dita Fé de Cristo, com a pregação da palavra divina, e
com o exemplo de boa vida.”
A
antropofagia
expressava
o
atraso
da economia dos
Povos Tupi.
Comiam seus prisioneiros de
guerra
porque
um
cativo
rendia
pouco
mais
do
que
consumia, não existindo incentivos
para
integrá‐lo
à
comunidade
como
escravo.
Escravidão.
Ao contrário da tradicional
justificativa da escravidão, onde os prisioneiros de guerra, que seriam
naturalmente eliminados, recebem a proposta de tornar-se escravo como uma
generosidade do vencedor, entre a morte e a escravidão, fica patente que dos
males o menor.
A escravidão implantada no Brasil
pelos portugueses foi numa ordem inversa, criavam-se as guerras justas com o
objetivo de prear-se os índios para escravizá-los. A incipiente economia no
Brasil (cana, gado, extração e subsistência) foi tocada com a mão de obra
escrava. Como os índios não aceitaram pacificamente essa condição foram
eliminados, num genocídio abominável.
Os portugueses na ocupação do
Brasil comportavam-se em sua relação com os nativos numa condição de supremacia
absoluta, não existia a noção de crime.
As terras dos índios foram
ocupadas, suas filhas e mulheres ficaram à disposição dos machos brancos, suas aldeias
queimadas, sua cultura abolida (etnocídios), e uma eliminação física em massa,
seja em “guerras justas”, sejam pessoalmente. Matar um índio não implicava em
consequências para o assassino, nem ao menos era necessário explicar as razões
do assassinato.
Antônio Samarone.
Muito boa a resenha sobre Don Francisco Coutinho e seu trágico destino
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