Sociedade do Cansaço... (por Antônio
Samarone)
Rosa Emília nunca descansou. Nunca
tirou férias. Médica, está completando 30 anos de formada, e nunca faltou a um
plantão. Vive para o trabalho. Solteira, teve dois filhos de experiencias fortuitas.
Rosa Emília nunca amou nem odiou ninguém. Os filhos cresceram e foram embora,
moram lá para São Paulo.
Rosa Emília foi órfã logo cedo. Viveu
parte da infância num orfanato, que ela não gosta nem de lembrar. Passou no
vestibular de medicina de primeira, sem cota, só no esforço pessoal. Perdeu (ou
ganhou) a juventude estudando. Depois, na faculdade, foi morar com uma tia, no
Santos Dumont. Essa tia já morreu.
Rosa Emília nunca questionou
muito, viciou em antidepressivos, e ia resolvendo o tédio com as drogas da
psiquiatria. Nunca comentou nem com os filhos, que tomava tarja preta. Engordou,
aumentou a glicemia, e passou a usar regularmente remédios para diabetes e
pressão. Tinha crises de enxaquecas frequentes, e dores lombares. Para cada queixa
um medicamento.
Como tudo tem o seu dia, o mês
passado encontrei Rosa Emília numa agência de turismo. Depois dos salamaleques
de praxe, perguntei: E aí, doutora, tá perdida? Ela riu. Que nada, fechei um
pacote de viagem, vou passar 30 dias no Velho Mundo.
Cansei, disse ela, quero viver,
tá na hora... Fiquei satisfeito. E mais, vou e volto de primeira classe. Vai só?
Ela disse que nada, arrumei um namorado, Pastor, aposentado da Petrobras, um
velho em boas condições de uso. E deu uma gargalhada.
Ontem encontrei com Rosa Emília
no Parque da Sementeira. Fui logo ao assunto principal, e a viagem, vai quando?
“Ela mudou o semblante, você não soube?” Não! “Fui fazer um Check Up de rotina,
e os exames apontaram sombras no pulmão. Fiz a biópsia e, imagine, câncer.
Estou indo amanhã me tratar em Porto Alegre. Já devolvi o pacote de viagem. Ainda
bem que eles aceitaram.”
“Graças a Deus que tenho o
Bradesco Plus, um plano de saúde que cobre tudo. Apartamento, médico,
acompanhante, todos os exames, e se precisar da UTI, não terei dificuldade, sem
limites. Eu passei a vida trabalhando no SUS e sei o que é. O meu plano ainda
cobre todas as despesas com o funeral. Uma maravilha! Não quero é dar trabalho
aos filhos...”
Estou até agora matutando.
Antônio Samarone.
E eu também comecei a matutar.
ResponderExcluirIncrível a natureza humano. Gostaria de viver mundo de certezas; de segurança.
eu ainda assim teria ido viajar. Nao.por 30 dias, pq 10 dias fora e morro de saudades da brisa da orla. Depois dos 55 , a gente morre a cada dia, com ou sem viagem e ai e melhor viajar.
ResponderExcluirA vida é muito curta. Ela poderia ter aproveitado muito mais. E se eu fosse ela, deixava esse câncer quieto e iria viajar.
ResponderExcluirexatamente
ResponderExcluirNada de devolver pacote. Remédio bom amar e viajar
ResponderExcluirPode não curar o câncer , mas alimenta a alma.
Opinar , opinar e opinar rosa sabe muito mais da vida que opinar.
ResponderExcluirTambém aqui matutando...acho que viajaria, talvez por um tempo mais curto. Sabe-se lá quanto tempo vai durar o tratamento
ResponderExcluirÉ de se refletir! Que lição nesse texto!
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