quarta-feira, 6 de março de 2019

O JENIPAPEIRO DE DONA SINHÁ


O Jenipapeiro de Dona Sinhá (por Antonio Samarone).

Criei-me protegido pelas sombras do jenipapeiro de Sinhá Fonfom, minha vizinha no Beco Novo. Já comi jenipapo de tudo que é forma e jeito. Mesmo assim, o suco de jenipapo não falta lá em casa. 

Com a idade, passei a acreditar em quase tudo. O agrônomo Lima, um vocacionado por utopias, me levou no Arauá para mostrar-me a única plantação de jenipapeiros das Américas. Claro, como negócio, não deu certo.

O agrônomo Lima ainda não abriu mão dos jenipapeiros. Ele fez uma pesquisa provando que o jenipapo é a única fruta no mundo que não apodrece. Isso mesmo! Ele me lançou um desafio: você já viu um jenipapo podre? Eu não! Então... A partir dessa convicção apressada do doutor Lima, onde eu chego, reproduzo essa verdade: o jenipapo não apodrece! Pode até mineralizar, me confirmou o agrónomo Lima, mas não apodrece.

O Genipa brasiliensis (mudaram para Genipa americana?), a nhandipab, fruta-de-esfregar, era o grande recurso dos Tupinambás para a ornamentação individual, tribal e religiosa. Com o seu belo azul escuro, o jenipapo, ao lado do urucum, era usado por todos os índios. Homens, mulheres e crianças.

Nos conta Gabriel Soares de Souza: “quando se põe essa tinta é branca como água, e quando se enxuga é preta como azeviche; e quanto mais a lavam, mais preta se faz; e dura nove dias; no cabo dos quais se vai tirando. Tem virtude dessa tinta fazer secar as pústulas das boubas dos índios, e a quem se cura com ela. ”A tinta do jenipapo, a genipina, afasta os insetos, protege e refresca a pele.

O povo não seguiu os índios na pintura, mas aprecia o jenipapo com a degustação e produção de jenipapadas, sucos, refrescos, vinho e licor. Alcancei o vinho de jenipapo produzido artesanalmente em Itabaiana. Não sei dizer se ainda existe... Será se na Lá Távola, do meu amigo Haroldo, vende vinho de jenipapo?

Continua Souza: “a madeira do jenipapeiro é branca como buxo, de que se fazem muitos e bons remos. Enquanto verdes são pesados, mas depois de secos são muitos leves. A madeira não fende nem estala, do que se faz toda a sorte de poleame, por ser doce de lavrar; e os cabos e cepos para todas as ferramentas.”

Pelo seu valor nutritivo, alta concentração de vitamina C, proteínas, cálcio, fosforo, tanino, pectina e ferro. Existe uma crença popular ser o jenipapo bom para anemia, pela presença do ferro (o povo tá certo). 

O jenipapo pode ser consumido como doce em compotas (calda e creme), balas e doce cristalizado. Deixa-se o jenipapo, aberto em fatias, secando ao sol até desidratar. Envolve-se com um pouco de açúcar e canela, ficando uma palma em forma de mãozinha. As doceiras de São Cristóvão mantem essa tradição. A bala de jenipapo é uma delícia, além de ser diet. 

O preconceito racista apontava a mancha escura nas costas dos recém-nascidos, chamada de jenipapo, como prova da mestiçagem. Tá vendo, dizia as fofoqueiras, bonitinho, cabelo bom, olhos claros, mas tem o jenipapo nas costas. Ainda bem que isso acabou.

Câmara Cascudo garante que o jenipapeiro cura moléstia do baço. “Remédio de botica não serve para o baço: É só botar o pé no tronco do jenipapeiro, na altura que puder. Corte a casca na medida do seu pé. Pendure no fumeiro da cozinha. A casca vai engelhando e o baço também.” Esta simpatia é muito popular no Norte do Brasil.

Antonio Samarone.

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