quarta-feira, 6 de março de 2019

SEU CELESTINO


Seu Celestino...(por Antonio Samarone)

Quarta-Feira de Cinzas inspira sentimentos contraditórios. O fim do carnaval, festa pagã; e o começo da quaresma, tempo de reflexão para os católicos. Para muitos, a preocupação é o que vai dizer em casa, quando chegar quarta-feira de cinzas, como dizia um velho frevo. 

Mas não acordei com vontade de falar de carnaval. Quero falar de um assunto fora de moda, a quaresma. Talvez alguns leitores parem por aqui.

A cinza extrai o seu simbolismo por ser aquilo que resta após o fogo. O cadáver é o resíduo do corpo depois que se extingue o fogo da vida. Em Itabaiana, Seu Celestino da Sambaíba, rezador de Via Sacra, cobria-se com cinzas por toda a quaresma, como sinal de renúncia de toda vaidade terrena. A cinza era o símbolo da humildade, do arrependimento e da penitência.

Celestino era um pregador, quase um santo. Na quaresma, imitava o profeta Jonas, cobria-se de cinzas. Ouvi da boca dele: “Pulvis es et in pulverem reverteris é a única verdade bíblica incontestável, e talvez a mais profunda.” Pensava eu, ele tá certo, até os agnósticos acreditam. Essa assertiva saiu antes da boca de Abrahão: Eu me atrevo a falar ao meu Senhor, eu que sou poeira e cinza. (Gênesis, 18:27). O próprio Deus tinha dito a Adão a mesma coisa (Gênesis 3:19). 

Como as coisas de Deus são misteriosas, ensinava Celestino, a cinza representa o fim e o começo, a morte e a vida, o eterno retorno. Lhe confesso que não entendia, mas ele só podia estar certo. Afinal, o pássaro Fênix nasceu das cinzas.

O catolicismo popular, quando existia, era sincrético, mistura tudo. Seu Celestino acreditava que as cinzas anulavam as “coisas feitas”. Enterrar nas cinzas muambas, despachos, feitiços, ebó reverteria os efeitos para quem preparou. 

A quaresma, segundo Celestino, é o período de 40 dias entre a aparição de Jesus ressuscitado e a sua ascensão ao céu. Quarenta é um número cabalístico para os judeus! Celestino lembrava que Saul, Davi e Salomão reinaram por 40 anos; o dilúvio durou 40 dias, Moisés é chamado por Deus aos 40 anos, e passou 40 dias no Monte Sinai; Jesus pregou por 40 meses, e foi atentado por 40 dias pelo Satanás. Buda e Maomé começaram as suas pregações aos 40 anos.

Esclarecia Celestino, a quaresma não dura quarenta dias atoa. Eu fiquei pensando, nem a quarentena foi inventada pelos médicos. Antigamente o resguardo das mulheres paridas durava 40 dias, e o luto fechado também. 
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Amanhã, em homenagem ao Seu Celestino, vou procurar uma igreja para fazer a “imposição das cinzas”, esperando que o padre tenha guardado as palmas usadas no Domingo de Ramos, tocado fogo, e com as cinzas, faça o sinal da cruz em minha testa, com a tradicional admoestação: “Lembra-te de que és pó, e ao pó retornarás.”

Antonio Samarone.

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