sábado, 30 de março de 2024

UM NEGÓCIO DA CHINA


 Um Negócio da China.
(por Antonio Samarone)

Finalmente, Pachequinho colou grau em medicina. Um esforço familiar. O pai, Seu Pacheco, contabilizou o investimento na ponta do lápis: um milhão e cento e oitenta mil reais. A Faculdade SNTP - Saúde não tem Preço, do grupo Mercantil, cobra mensalidades extorsivas.

O curso, bem, o curso é uma arrumação. O manto imaginário das ciências médicas cobre quase tudo. A SNTP forma bons médicos? Essa pergunta depende do que se entenda por “bons médicos”. A medicina de mercado é hegemônica. A regra do mercado é o lucro.

Pachequinho nunca pensou em especializações. Tempo é dinheiro. O investimento precisa de retorno. O saber médico sem o espírito empreendedor do médico não vai longe.

Na semana seguinte, o consultório de Pachequinho estava de portas abertas, na Galeria Bom Preço, Rua do Mercado. O ponto é bom. Rejeitou todos os convênios, só atendia a particulares e a vista. Os dias se passaram e a clientela não aparecia. Um ou outro gato-pingado.

Pachequinho não penou até aqui, para entregar os pontos. Estava disposto a vitória a qualquer custo. Soube que o diabo continuava comprando almas, só que o preço estava defasado.

Ficou sabendo que o SEBRAE estava ofertando um curso para jovens empreendedores: “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”.

Não perdeu tempo. Com a capacitação, vários negócios apareceram.

Pachequinho descobriu que uma empresa coreana oferecia bobinas de eletro estimulação magnética, em forma de leasing, cobrando uma pequena parcela por procedimentos realizados. A empresa coreana ainda garantia um curso gratuito de capacitação para o doutor.

Pachequinho se capacitou e espalhou nas redes sociais que estava realizando o Transcranial magnetic stimulation ou TMS, assim mesmo, em inglês. Passou a usar a estimulação magnética para quase tudo, uma panaceia.

Eu sei, a “Estimulação Magnética Transcraniana” pode ajudar no diagnóstico de alterações dos parâmetros neurofisiológicos.

Entretanto, o uso feito por Pachequinho foi o tratamento da depressão. Cada sessão custa mil e quinhentos reais. O tratamento completo são 6 sessões. Nesse caso, o custo final é reduzido para cinco mil reais. As despesas podem ser dividida em dez parcelas e aceita-se qualquer cartão.

Se o paciente indicar o tratamento para outra pessoa, recebe um bônus de quinhentos reais por cada paciente encaminhado. Essa rede tem funcionado. A clínica de Pachequinho já possui 12 bobinas em atividade, 24 horas, e a fila é grande. As sessões das 22 às 7 horas, custam apenas 750 reais. Uma pechincha!

Pronto, o investimento da Família Pacheco foi recuperado em menos de um ano. A clínica de Pachequinho cresceu, montou filiais, diversificou os procedimentos ofertados, suspendeu o leasing e comprou as bobinas.

No Brasil, a medicina de mercado nada de braçada. Cada um é o juiz de si próprio. A conduta do médico é livre, o limite é a sua própria consciência.

Pachequinho deixou a faculdade com uma lembrança. Na solenidade de formatura, o orador, um médico conceituado, revelou em seu discurso: “Hipócrates acreditava que as doenças são curadas por uma “vis mediatrix naturae”, ou seja, as doenças evoluem para a cura. Cabe ao médico não atrapalhar”.

Convenhamos, as sessões de magnetismo do Doutor Pachequinho não atrapalham. Em última instância, funcionam como placebo.

Pachequinho abusa em suas condutas, na esperança que esse princípio hipocrático continue em vigor. É o que vem salvando Pachequinho.

Do ponto de vista econômico, Pachequinho fez um bom casamento. Hoje é um homem rico. Investiu em fazendas e passou a plantar milho. Já pensa em entrar na política.

As bobinas eletro magnéticas do Doutor Pachequinho, continuam eficientes caça-níqueis.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

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