domingo, 14 de abril de 2024
A SABEDORIA É UMA VERDADE NARRADA
A Sabedoria é uma verdade narrada.
(por Antonio Samarone)
João Conrado (86 anos), é o mais antigo paneleiro do Tabuleiro dos Caboclos. Pai de Santo e Rezador. Na verdade, a sua especialidade é contar histórias, reais ou inventadas. A sabedoria vem de longe.
Imensas rodas de gente de oiças abertas, formam-se para ouvir Conrado, nos finais de tarde. Gente estropiada da labuta. As narrativas precisam de silêncio. Nem os cachorros latem. Por vezes acende-se uma fogueira.
A comunidade do Tabuleiro, quase quilombola, resiste ao massacre da informação dos Big datas, da objetividade dos algoritmos. O smartphone permite apenas a troca acelerada de informações. Não permite narrações. Atropela as empatias.
O capitalismo se apropriou das narrativas. A informação fragmentou o tempo.
O mundo de Conrado é encantado. Sua sabedoria reflete a sua experiência de vida. A narrativa precisa de tempo, paciência para escutar. A narrativa produz histórias que permitem margens para o milagre e o mistério. O cérebro é analógico.
“Narrar e escutar atentamente historias se condicionam mutuamente. A comunidade narrativa é uma comunidade de ouvintes atentos.” – Chu Han
A comunidade do Tabuleiro dos Caboclos foge da caixa preta dos algoritmos. Não sei até quando. O lado épico da verdade está em extinção. Essa gente nada tem a perder, com diz o Velho Manifesto.
Foi no Tabuleiro dos Caboclos que nasceu o futebol em Itabaiana, que, ao lado da religiosidade e do espírito desbravador dos caminhoneiros, formam um alicerce cultural.
São os últimos habitantes de um mundo encantado, que resistem a dessacralização da vida.
O fogo mítico ainda não foi extinto. Não se mija impunemente nas fogueiras.
Se a vida não puder mais ser narrada, a sabedoria entra em decadência. Ela será substituída pela “técnica de solução de problemas”, que os deslumbrados chamam de inteligência artificial.
A força das reuniões do Consulado de Itabaiana, às quintas, na Praça, consiste em manter aberto o espaço das narrativas. Estamos perdendo a paciência em ouvir calados. Os que não querem ouvir, são os coveiros das narrativas.
Conrado também exerce o papel de conselheiro. “Ouça um conselho que eu lhe dou de graça": não adianta dormir que a dor não passa.” Chico.
“A vida que se desloca de um presente para outro, de uma crise para outra, de um problema para outro, reduz-se a uma sobrevivência.” Chu Han. Uma vida desnuda.
Para que o mais banal dos acontecimentos se torne uma aventura, basta que nos ponhamos a narrá-lo. – Satre.
Antonio Samarone – médico sanitarista
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