(CAP. II)
Sergipe Antigo. (Ciri-gy-pe – rio
dos siris). (por Antônio Samarone)
“Em fundos vasos d’alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.”
Gonçalves Dias.
Quem são os Tupinambá, Tubüb-Abá),
Tupi,nã,mbá (descendentes dos Tupi), que habitavam o território de Sergipe antes
da chegada dos portugueses? Sabe-se que em torno de cem mil, ocupavam o
território entre a margem direita do rio São Francisco ao Recôncavo Baiano.
Os Tupinambá ocupavam o litoral
das margens direita do São Francisco até à Zona Norte de Ilhéus, depois de
terem vencidos os anteriores habitantes. Formavam dois grupos rivais – o
primeiro abarcando a área enquadrada entre pelos rios de São Francisco e Real
(atual Sergipe) e o segundo senhoreando o litoral daí até o Camamu (Norte de
Ilhéus) – o que deu origem a um estado permanente de guerra entre eles. (Couto,
Jorge).
São muito alegres de rosto e bem
assombrados... Os tupinambás que senhoreava o litoral entre o Rio Real e o Rio
São Francisco (Sergipe) eram inimigos dos que viviam na Bahia. Todos falavam a
mesma língua.
A língua falada pelos Tupis era a
“nhenhen-gatu” (língua boa), que os jesuítas apelidaram de língua geral, e que
foi falada no Brasil até o século XIX, só modificado a partir da chegada da
Família Real (1808), pela imposição do uso da língua portuguesa.
“Nhen-nhen-nhen”, por preconceito, virou sinônimo de conversa fiada.
Os Tupinambá viviam em Aldeias,
em ocas, casas muito compridas, de 300 a 400 palmos, com 50 palmos de largura;
fundadas em esteios de madeira, com janelas de palhas e cobertas de pindoba.
Entra-se por dois ou três buracos sem porta. Em cada oca residem entre 100 e
200 pessoas, o espaço de cada casal não é separado, fazem duas filas nas
laterais e um espaço vazio no meio. Dormem em redes. (Serafim Leite)
Além
da mandioca, os Tupinambá cultivavam
o
milho,
a
batata‐doce,
o
cará,
o
feijão,
o
amendoim,
o
tabaco,
a
abóbora,
o
urucu,
o
algodão,
o
carauá, cuias
e
cabaças,
as
pimentas,
o
abacaxi,
o
mamão,
a
erva‐mate,
o
guaraná,
entre
muitas
outras
plantas.
Inclusive
dezenas
de
árvores
frutíferas,
como
o
caju,
o
pequi
etc.
Faziam,
para
isso,
grandes
roçados
na
mata,
derrubando
as
árvores
com
seus
machados
de
pedra
e
limpavam
o
terreno
com
queimadas. (Darcy Ribeiro)
Não eram os selvagens, vagando
pela floresta, vivendo da caça e da pesca, descrito pelos por uma história
oficial. A desvantagem principal era bélica, não conheciam a pólvora. Para os
gregos, todas as nações estrangeiras eram bárbaras (selvagens).
C reio que não há nada de bárbaro
ou de selvagem nessa nação, a julgar pelo que me foi referido; sucede, porém,
que classificamos de barbárie o que é alheio aos nossos costumes; dir-se-ia que
não temos da verdade e da razão outro ponto de referência que o exemplo e a
ideia das opiniões e usos do país a que pertencemos. (Montaigne)
Os tupinambá eram unidos pela
língua, falava-se o tupi. A percepção que no alfabeto tupi não existia as
letras (F, L, R), isso foi logo interpretado como se os tupinambás não
possuíssem nem fé, nem lei, nem rei. Claro, interpretação feita de acordo os
interesses do branco invasor.
Cada aldeia possuía um principal,
um líder, escolhido pela valentia e compromisso coma tribo, mas que só exercia
os seus poderes em período de guerra.
Eram homens de meia estatura, de
cor muito baça, bem feitos e bem dispostos, muito alegres do rosto, e bem
assombrados; todos têm bons dentes, alvos, miúdos, sem lhes nunca apodrecerem;
têm as pernas bem feitas, os pés pequenos; trazem o cabelo da cabeça sempre aparado;
em todas as outras partes do corpo os não consentem e os arrancam como lhes
nascem; são homens de grandes forças e de muito trabalho; são muito belicosos,
e em sua maneira esforçados, e para muito, ainda que atraiçoados; são muito
amigos de novidades, e demasiadamente luxuriosos, e grandes caçadores e
pescadores, e amigos de lavouras. (Gabriel Soares de Souza - 1857)
Os tupinambá possuíam várias
mulheres, mas a verdadeira esposa era a primeira, a quem as demais mantinham
obediência. Quando as meninas iniciavam o seu costume (catamênio) estão aptas
para o sexo, passam a carregar atada na cinta um fio de algodão com flores
penduradas. Durante a conquista, os índios procuravam retirar as flores da
cinta das noviças, quando consentidas, o ritual do desfloramento (desvirginamento)
se consumava e fio de algodão era rompido.
Entre os tupinambá eram frequentes
os casamentos de tios com sobrinhos, o chamado casamento avuncular.
No dizer de Gaspar Barléu, “Ultra
aequinotialem non peccavi” (não existe pecado abaixo do Equador). Os tupinambás
eram muito luxuriosos, nada era proibido, e a homossexualidade muito frequente.
Os partos ocorriam sem
assistência de parteiras, as Tupinambá parem sozinhas. Depois de lavarem-se nos
rios, o recém-nascido é entregue ao pai que ficam com a criança na rede, o
couvade, uma espécie de choco ou resguardo. Os tupinambás não castigavam os
filhos.
São muito alegres de rosto, e bem
assombrados... Os tupinambás que senhoreava o litoral entre o Rio Real e o Rio
São Francisco (Sergipe) eram inimigos dos que viviam na Bahia. Todos falavam a
mesma língua.
Cabia as mulheres a fiação do
algodão, a fabricação das redes, confeccionar as embiras, semear e plantar
roças, a produção da farinha e derivados, produzir o vinho (cauim), preparar
comidas e alimentos.
Bem disse Montaigne sobre os Tupinambá,
em seu inspirado ensaio “Dos Canibais”:
É uma nação, diria eu a Platão,
em que não existe gênero de tráfico, conhecimento de letras, ciência de
números, nome de magistrado ou de outra dignidade que indique superioridade
política, servidão, riqueza ou pobreza, contratos, sucessões, partilhas; de
ocupações, apenas as agradáveis; de relações de parentesco, só as comuns; nem
vestimentas, nem agricultura, nem metais; não bebem vinho nem cultivam cereais.
Da mentira, da traição, da dissimulação, da avareza, da inveja, da
maledicência, do perdão ignoram até a palavra. Quão distante desta perfeição
julgaria ele a república que imaginou! Em tudo o que aí fica dito não há nada
de mau; o que há é que esta gente não usa calções.
“Viri o diis recentes” - Homens
que acabam de sair das mãos de Deus”. (Sêneca, Ep., XC)
Os índios inventaram as redes de
dormir, que eles chamavam de “ini”. Leitos seguros e confortáveis, que podem
ser instaladas em qualquer ambiente, bastando dois paus e uma corda. As redes
também eram usadas no transporte de pessoas doentes, sem condições de andar.
Quem primeiro noticiou foi
Caminha, descrevendo suas casas: “Todas duma só peça, sem nenhum repartimento,
tinham dentro muitos esteios; e de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos,
alta, em que dormiam.”
No festim canibal dos tupinambás
os homens capturavam e matavam os inimigos e as mulheres produziam o cauim.
Enquanto um tupinambá não executava cerimonialmente um prisioneiro ele não
poderia nem se casar, nem ter filhos. Era um rito de passagem.
As guerras entre os tupinambá
eram sempre por questões de honra e de vingança.
Por que os Tupinambás viviam
entre si em permanente guerra? Não lutavam por propriedade particular, pois não
ficavam com as terras dos vencidos, não existia a cobiça, o roubo ou a ambição
de reinar. A única razão era vingar a morte de seus pais e antepassados. Uma
guerra desinteressada e uma antropofagia de vingança e não alimentar.
Quando alguém de uma tribo
inimiga ia ser comido, bradava com frequência um insulto: vocês ao me comerem
estão apenas comendo a carne dos seus antepassados que nós comemos antes. Essa
vingança não tinha fim.
"Tu choraste em presença da
morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois
choraste, meu filho não és!” – (Gonçalves Dias)
Não houve uma descoberta do
Brasil, o território era habitado por civilizações de traços culturais e modos
de vida bem definidos, embora se permitisse dentro disso grande diversidade. A
cultura, os meios de produção e a organização social e militar dos nativos
locais eram bem mais sofisticados do que sugere a imagem do silvícola nu, como
no paraíso bíblico. (Thales Guaracy)
Foram tão marcantes e presentes
na realidade brasileira que, mesmo com a escravização, a guerra de extermínio e
as epidemias trazidas pelos europeus, deixaram forte influência na linguagem,
cultura e comportamento da população.
“Só a antropofagia nos une. Única
lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not
tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos
Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem.” Lei do antropófago. (Oswald
de Andrade – 1928).
Antônio Samarone.
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