O Suicídio – (por Antônio Samarone)
O suicídio público do empresário Sadi
Paulo Castiel Gitz ensejou explicações diversificadas. O tema ganhou visibilidade.
O mesmo aconteceu com o suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo (59 anos),
reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.
O suicídio é um tema passível de
abordagem jornalística, filosófica, sociológica, antropológica, psicológica,
médica, jurídica, histórica, política, religiosa, ética etc. Na maioria das
civilizações o suicídio não é bem visto. Porém, certas culturas admitem o suicídio
para reparar erros e em casos trágicos ou heroicos...
Na atualidade, o discurso psiquiátrico
se apropriou do suicídio. Existe uma Associação Brasileira de Estudos e Prevenção
do Suicídio (ABEPS). Eles acreditam que o suicídio é contagioso (efeito Werther),
admitem que o fenômeno é multifatorial, não sendo possível se atribuir a uma só
causa, mas também, defendem que o suicídio sempre está associado a
transtornos mentais, em especial, ao transtorno do humor, como a depressão. Há controvérsias...
Nessa discussão não cabe
aprofundamentos, nessa breve abordagem.
“Na Grécia e em Roma, o suicídio era
tolerado. Os epicuristas e os cínicos justificavam para escapar do sofrimento
físico e mental; os estoicos, especialmente Sêneca, o celebraram. Suicídios
romanos motivados por princípios políticos ou por questão de honra, tais como
aqueles de Catão e Lucrécia, eram reconhecidos como heroicos.” (Michael MacDonald).
Por outro lado, Pitágoras, Platão
e Aristóteles condenavam o suicídio. Em Roma o suicídio de escravos e soldados
eram proibidos. Os corpos de suicidas por enforcamento, eram deixados sem sepultamento.
Os autores cristãos, Santo Agostinho
e São Tomás de Aquino, condenavam o suicídio. Mesmo não sendo explicitamente
proibidos na Bíblia, os primeiros concílios proibiam o enterro de suicidas em
solos consagrados e negavam alguns ritos dos funerais normais.
Na Idade média, as atitudes diante
do suicídio eram de condenação teológica, medos populares e compaixão na
prática. A Igreja condenava oficialmente o suicídio.
Com a Reforma Protestante, essa
condenação foi agravada. Eles enfatizavam que o autoextermínio era um pecado
terrível, causado diretamente pelo diabo. Os séculos XVI e XVII foram de
severidade extrema contra o suicídio. A hostilidade da Reforma ao autoextermínio
aprofundou a crença em causas sobrenaturais e nos perigos dos fantasmas dos
suicidas.
As penalidades foram relaxadas no
século XVIII. O suicídio foi secularizado e na prática descriminalizado. Hoje,
as religiões cristãs tocam pouco no tema, quase não falam, pelo menos no
Brasil.
O iluminismo encorajou a
tolerância aos suicídios. A filosofia moral secular, a expansão do humanismo e
o crescente prestígio da ciência contribuíram para a tolerância. Os filósofos d’Holbach,
Voltaire, Montesquieu, Hume ofereciam justificativas filosófica. Somente Kant condenou
duramente o suicídio.
A polêmica sobre o suicídio na
Idade Moderna foi intensa. Surge a ligação dos suicídios com a doença mental.
Montesquieu atribuía uma suposta epidemia de suicídios na Inglaterra as tendências
dos seus habitantes para a doença nervosa e ao seu clima ruim. Em 1790, quase
98% dos suicídios foram considerados insanos, na Inglaterra.
A tendência de se ligar o suicídio
à doença mental, foi um recurso para torná-lo inimputável e pôr fim às
punições. As leis começaram a ser revogadas.
Por volta da segunda metade do
século XVIII, os discursos sobre o suicídio haviam sido secularizados. As visões
heroicas e trágicas se fortaleceram. Os suicídios por honra aumentaram. Durante
a Revolução Francesa houve uma onda de suicídios políticos, modelados pelo suicídio
de Catão, que se matou para protestar contra a ditadura de César.
O romantismo criou o suicídio romântico.
O famoso romance “Os sofrimentos do jovem Werther (1774), de Goethe, inspirou
um breve surto de suicídios por amor. Suicídios neoclássicos e românticos eram
vistos como respostas racionais ou piedosas para situações intoleráveis. Ao
mesmo tempo, o discurso psiquiátrico tornava-se mais forte.
Os médicos tinham prestado pouca
atenção aos suicídios no renascimento e mesmo no iluminismo. Contudo, à medida
que a profissão psiquiátrica emergia como uma entidade distinta, os autores médicos,
no século XIX, começavam a enfatizar que o suicídio era causado pelas doenças
mentais.
Esquirol, via o suicídio como o
desfecho da monomania. Em 1838, ele declarou: “o suicídio é um ato secundário a
uma perturbação emocional severa (délire de passion) ou insanidade (folie)”. Após
1820, o debate moral sobre o suicídio foi secularizado.
No final do século XIX, o suicídio
começou a ser relacionado com o discurso racista da degeneração, determinado tanto
geneticamente, como pelas doenças mentais e pelos fatores sociais. No Brasil,
os discursos do médico Nina Rodrigues apontavam o alcoolismo, a doença mental e
o suicídio como elevados entre os negros, visto por ele como uma sub-raça
degenerada.
Os sociólogos também pleitearam o
suicídio para o seu campo de pesquisa, consolidando-se no estudo clássico de
Durkheim “O Suicídio” (1897). Durkheim rejeitou que o suicídio fosse primariamente
causado por uma patologia individual, defendeu uma causa social de fundo. Usou
as taxas de ocorrência de suicídios como prova. No geral, essas taxas eram
constantes e quando variavam, estavam relacionadas com crenças e práticas
religiosas, depressão econômica e guerras. Durkheim criou o conceito do suicídio
anômico.
Até o final do século XVIII, as
culturas europeias adotavam como estratégias para a prevenção do suicídio a dissuasão
moral, os princípios religiosos e a ameaça de punição, com penas terríveis.
Atualmente usa-se a dissuasão psicológica e até alguns medicamentos, que a
psiquiatria acredita serem eficazes na prevenção.
Do ponto de vista farmacológica
as contradições são evidentes: as substâncias psicoativas tanto são responsabilizadas
pelo aumento, como pela redução dos riscos. Para ser consistente, se a
psiquiatria correlaciona o suicídio com alguns transtornos mentais, bastaria
tratar esses transtornos.
Ocorre que a realidade é bem mais
complexa. Por exemplo: entre 2011 e 2015 a taxa de suicídio dos índios no
Brasil foi 15,2/ por cem mil, três vezes maior que no restante da população. Em
2016, cento e seis indígenas se mataram, consolidou o Conselho Indianista
Missionário, num avanço de 18% em relação ao ano anterior. (Magalhães). Como
explicar esses dados com a teoria dos transtornos mentais como causa única do suicídio?
A história aponta outros fatos. Por
que os poetas se suicidam tanto?
“Só quero saber do que pode dar
certo, não tenho tempo a perder.” Torquato Neto, se matou aos 28 anos, no dia
do seu aniversário, em 1972. “Quanto mais próximo você está das palavras, você
se mata. Os escritores se matam mais que os pintores, e os pintores se matam
mais do que os músicos. É raro se ver um músico suicida, mas existem.” Décio
Pignatari, em depoimento num especial sobre Torquato Neto, no Youtube.
As taxas de suicídios são
crescentes. O debate precisa ser aberto. O Setembro Amarelo é uma iniciativa
dos profissionais da saúde mental, ainda não incorporada como política pública.
Nesse campo do suicídio, as dúvidas suplantam as verdades, mesmo quando as
verdades se fantasiam com o discurso científico.
Antônio Samarone.
Muito bom pelo mérito e pela oportunidade. Congratulations!
ResponderExcluirDifícil se chegar a uma conclusão num tema desse!
ResponderExcluirParabéns pela ampla abordagem de um tema complexo que precisa de atenção social e médica.
ResponderExcluirMuito lúcido seu pensamento!Bravo!
O Parabéns a Somese por ter convidado Dr .Almir para um depoimento sobre sua vida Figura notavelpelo idealismo e coragem de quebrar tabus .Um médi.co que honra a Medicina de Sergipe e do Brasil..
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