quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

SÓ É VELHO QUEM QUER.

Só é velho quem quer!
(por Antonio Samarone).

Uma das chatices para os idosos é a Saúde. Todos têm um conselho, uma regra, uma disciplina a sugerir: não coma isso, não faça aquilo, cuidado com as quedas, faça um check-up, faça exercícios, controle a glicemia, evite gorduras e doces... Tudo, numa ladainha interminável.

Já existe um dispositivo intradérmico, on-line, que controla a pressão, batimentos cardíacos, frequência respiratória, níveis de colesterol e açúcar no sangue, passos, cochilos, ingestão hídrica, sudorese, peidos e bufas, roncos e pesadelos. Ao final do dia, o aplicativo emite um relatório, com gráficos, tabelas e análises dos riscos.

Deixar de cumprir qualquer item obrigatório da ciência médica, coloca o idoso no banco dos réus, na qualidade de culpado, por suas mazelas. A morte precisa nos encontrar saudáveis.

A surdez torna-se uma graça para os idosos. A perda de memória seletiva um alívio, que facilita a convivência social. A tradicional pergunta: “lembra-se de mim?”, que a gente responde por educação: “sim!”, e o chato insiste: “como é o meu nome?”. A idade nos desobriga de responder a essas inconveniências.

A medicina tem um catecismo de vida saudável. Tudo, sob a chancela de verdades cientificas. A velhice é a maior fonte de renda para a medicina: 80% dos gastos com a saúde são proporcionados pelos idosos.

Os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários estão em declínio no Brasil. Em 2003, a lei 10.741, instituiu o “Estatuto da Pessoa Idosa”, garantindo dez direitos fundamentais, entre eles o da Saúde. O Estatuto, só não garantiu o direito à salvação da alma.

O Estatuto do Idoso criou, no papel, um Brasil paradisíaco para os velhos. Hipócrates, o pai da medicina ocidental, considerava que a senilidade chegava aos 50 anos. Hoje, a lei elevou para 80 anos.

Claro, essa lei não pegou. Desta, conquistamos apenas o direito às filas especiais em supermercados, bancos e aeroportos. Filas geralmente mais lentas. O direito a viajar gratuitamente e sentados nos transportes coletivos. E mais, uma ou outra bobagem.

Recentemente, um Senador da República, por Sergipe, apresentou um projeto de lei, obrigando os Planos de Saúde a oferecerem uma linha telefônica exclusiva aos segurados idosos. Os direitos sociais dos idosos viraram bagatelas.

A ideologia da eterna juventude nega a velhice: só é velho quem quer. Esta negação, tornou difícil a empatia dos mais jovens. A velhice e a morte são afastadas da reflexão, escondidas, negadas.

Não existe interesse pelas experiências dos que estão envelhecendo.

Os velhos não são mais os depositários da Cultura e da Sabedoria. Nos últimos 50 anos, houve um empoderamento das crianças e dos jovens, e uma perda de importância dos velhos. A experiência de vida é vista como um autoengano.

Pessoalmente, o idoso precisa suportar a medicalização da sua velhice pacientemente. Senti-la como um benefício.

A medicalização da velhice é uma forma de supressão da identidade pessoal.

O carimbo de paciente é despersonalizante. O controle é compulsivo e as regras de comportamentos, impostas.

Antonio Samarone – Septuagenário.
 

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