terça-feira, 24 de dezembro de 2024

ITABAIANA, 350 ANOS. AS MEMÓRIAS DO DOUTOR FRAGA.

Itabaiana, 350 anos. As memórias do doutor Fraga.
(por Antonio Samarone).

Em 1926, Itabaiana estava sem médicos. O último, foi embora para Salvador, e não voltou.

Joaquim Fraga Lima é baiano de Patrocinio do Coité. Nasceu em 29 de junho de 1899, dia de São Pedro. Formou-se em medicina em 1925, na última turma onde a defesa de tese era obrigatória. Ou seja, saiu Doutor da Faculdade.

Fraga Lima chegou a Itabaiana, em 05 de março de 1926. Foi morar na Pensão de Dona Balbina, á única da cidade. Clinicou em Itabaiana, até 04 de fevereiro de 1932, quando se transferiu para Aracaju. Nesse período, o Juiz de Direito de Itabaiana era o lagartense Gervásio Prata, pai de Marieta, futura esposa do doutor.

O esporte preferido dos doutores Fraga Lima e Gervásio Prata, em Itabaiana, era a caça, no sítio de Espiridião Noronha. Eles contam vaidosos o abatimento de inocentes perdizes, a potência da espingarda Laporte, calibre 20, e o super faro do perdigueiro Rex.

Em suas memórias, Fraga Lima ressalta a grandeza moral de Seu Teixerinha (Miguel Teixeira da Cunha: “um homem inteligente, primeiro fotografo de Sergipe, católico fervoroso, com bastante vigor mental, não obstante os 80 anos já vividos. Era viúvo e tinha dois filhos, um dos quais vivia nas Amazonas; era um virtuoso da Flauta. Voltou a Itabaiana, com duas filhas. Uma dirigia o coro da Igreja.”

A fotografia possui raízes profundas em Itabaiana.

O Dr. Fraga Lima foi amigo de Bento Preto, das Flechas. Bento José de Carvalho, foi escravo do padre Francisco Antonio de Carvalho Lima, até os 15 anos. Aprendeu a ler, casou-se e teve muitos filhos. Todos alfabetizados. O filho mais velho, Moyses, doutor, e proprietário de farmácia em Estância... Uma família de pretos letrados.

Bento era espirituoso, engraçado e de moral ilibada. Conta-se que os comerciantes de Itabaiana quando queriam pagar as mercadorias compradas aos atacadistas em Salvador, mandava o dinheiro por Bento Preto. Às vezes muito dinheiro. Nunca foi roubado, nem nunca deixou de cumprir fielmente a arriscada missão.

Ao lado de Quintino de Lacerda, Bento Preto foi outra personalidade notável das Flechas, onde tenho parte de minhas raízes.

Nas Flechas, na casa de meu avô, vivi inesquecíveis experiências nas farinhadas, comi beiju de amendoim, ainda quentes; bebi leite nos peitos das vacas; ouvi centenas de histórias de cordel, cantadas por ele; vi meu avô exercendo o ofício de ferreiro, tradição da família; li almanaques; peguei passarinhos em arapucas, depois soltava; rezei o terço em volta do oratório de minha avô, Mãe Céu.

O ex escravo Bento Preto foi um notável, em Itabaiana.

Fraga Lima destacou em suas memórias, a figura de Paulo Cordeiro, dono da funerária, que passou para o filho, Abílio. Funcionava no sobrado onde funcionou a Câmara Municipal, a casa de Chico Bateria, depois foi o Bar de Papinha. Paulo também era muito espirituoso. Conta-se, que na hora de morrer, Paulo pediu a esposa que cobrisse os seus pés. “Rosa, cubra meus pés, que a morte está procurando um pé.” Ou seja, um motivo!

As memórias de Fraga Lima, capta a profunda ironia da alma itabaianense. Descobre o primeiro comunista em Itabaiana, Brasiliano de Jesus. Um sujeito conversador, chegado a resenhas. Brasiliano era amigo de Luiz Carlos Prestes, desde os tempos da Coluna. Depois, Prestes aderiu ao credo vermelho, e Brasiliano o acompanhou.

Certa feita, numa roda de conversa, onde estava presente o Tenente Honorio de Mendonça, tido como o homem mais rico de Itabaiana, Brasiliano se saiu como esta: “Preste vem aí, quando ele entrar na Praça, em mando o Mano (piston da Banda), tocar a corneta, chamando a população. Depois, eu subo numa cadeira, faço uma saudação a Prestes e seus camaradas. Quando terminar, eu digo: Prestes velho, me acompanhe, onde eu fizer uma cruz de giz na porta, pode entrar que tem dinheiro. É a burguesia!”

O doutor Fraga ainda conta, que foi Batista Itajay quem proibiu os tabaréus irem à feira de ceroulas e camisa de algodão. Se foi ele quem proibiu, não posso afirmar, mas que iam de ceroulas, as fotos antigas comprovam.

O lagartense Batista Itajay era médico, farmacêutico e tornou-se chefe político de Itabaiana.

Em 1945, Fraga Lima assumiu a chefia do Serviço de Proteção a Lepra. Em 19 de abril, inaugurou e foi o primeiro Diretor da Colônia Lourenço Magalhães (Leprosário).

O primeiro Leprosário funcionou em um terreno de 400 tarefas, por onde passava uma das estradas Itabaiana/Aracaju.

O velho Leprosário foi transferido para o Bairro Vermelho, próximo ao Bugio. O Leprosário antigo virou o atual Conjunto Jardim, em Socorro; e o novo Leprosário virou o Conjunto Maria do Carmo.

Fraga Lima fez parte do Movimento Integralista de Plínio Salgado. Em 1964, foi um entusiasmado apoiador do Golpe Militar.

Um fato pouco conhecido pelos historiadores sergipanos: O doutor Fraga Lima, passou 81 dias na penitenciária, acusado de colaborar com os alemães, por ocasião do afundamento dos navios mercantes, nas costas de Sergipe.

“No mesmo episódio, foram presos os seguintes integralistas sergipanos: Agnaldo Celestino, Osmário Leite, Jacinto Figueiredo, Rosalvo Queiroz, Antonio Ferreira de Melo Couto, José Resende, João Ouro, José Carlos Serrano, gerente do Banco do Brasil, Libânio Andrade, Antonio Vicente Ferreira, Mendes do Banco Mercantil, Enoch Sampaio, Moreno Garcia, José Carlos Monteiro de Souza, do Banco do Brasil, Dr. Sérgio Valério, Engenheiro das obras do Porto de Aracaju, e Políbio Mendes.” – Fraga Lima.

“A cultura é uma expressão do inconsciente coletivo.” – Jung.

Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
 

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