Dom Josafá, feliz 2025.
(por Antonio Samarone)
O jornalista Jozailto Lima, definiu o novo pastor da Arquidiocese do Aracaju, Dom Josafá Menezes, como um “líder religioso de voz leve, postura suave e com uma aparência de enorme transigência em seus atos, ações e opiniões”.
Josafá Menezes da Silva (66 anos) é baiano de Salinas da Margarida. Chegou a Sergipe, em maio de 2024. O seu lema é pregar a palavra.
Em bela entrevista a Jozailto, Dom Josafá mostrou alegria pelo crescimento da devoção a Santa Dulce, em Sergipe, especialmente em Itabaiana, onde ocorreu o primeiro milagre da Santa. Entende o Pastor, que o chamado turismo religioso é uma forma de devoção coletiva.
O momento clama por ações.
A Paroquia de Santo Antonio e Almas de Itabaiana, em 2025, completará 350 anos. A segunda do Estado. Em Itabaiana, a igreja romana chegou antes da Coroa Portuguesa. Itabaiana, antes de ser Villa (1697), foi Freguesia (1675).
A Igreja de Santo Antonio e Almas tem história e tradição para pleitear a condição de Basílica Menor. Sei que ainda faltam certas exigências, mas nada que não possa ser equacionado. Vamos pensar grande.
Itabaiana foi forjada sob a proteção de dois padroeiros: o franciscano Santo Antonio, um demiurgo; e o beneditino São Miguel, o arcanjo padroeiro das almas do Purgatório. A Freguesia é de Santo Antonio e Almas, sendo estas, as protegidas de São Miguel.
Hoje, os padroeiros são muitos.
O arquétipo do milagre é parte do inconsciente coletivo em Itabaiana. Qualquer fato inesperado e de causa desconhecida, é logo atribuído a um milagre, de imediato.
Por exemplo: uma pessoa ingere meio quilo de formicida tatu e não morre. Antes de qualquer explicação, as pessoas dizem logo em Itabaiana: só não morreu por milagre.
Itabaiana, cidade dos milagres, não é um slogan de marketing, é uma realidade transcendente.
O milagre é o responsável por qualquer fenômeno impossível. A linguagem é parte do inconsciente individual (Lacan). Algumas vezes falamos sem o controle do consciente.
Os fenômenos naturais obedecem a uma determinada repetição, obedecem às leis dos grandes números. A ciência se vale dessas evidências. Entretanto, uma parte dos fenômenos seguem caminhos diferentes, estão fora da curva. Sem isso, não haveria evolução.
A história natural das doenças é um bom exemplo. A maioria das doenças seguem a norma. O médico acerta e o paciente morre na data prevista. Entretanto, uma mesma doença, em certas pessoas e circunstâncias, evoluem diferente.
Muitas vezes, a doença é tida como incurável, o doente é desenganado pela medicina, mas não morre. A quem atribuir esses fatos? O milagre torna-se uma explicação racional, fundado estatisticamente.
Explicar como sorte, o diagnóstico estava errado, não era a minha vez de morrer, ou outras bobagens? Os milagres são bem mais consistentes.
Sem contar os casos em que os milagres somam-se com as intervenções médicas. Já se comprovou em laboratório que a fé, orações, promessas, vontade de viver, fortalecem o sistema imunológico, aumentado a resistência do organismo.
As raízes do catolicismo em Itabaiana são profundas. A devoção à Santo Antonio é atávica. No resto do mundo, o protetor dos caminhoneiros é São Cristóvão, em Itabaiana é Santo Antonio.
Dom Josafá, o numeroso rebanho católico em Itabaiana está de braços abertos. Santa Dulce é um fenômeno religioso. As obras de caridade em Itabaiana, sob benção dela, se multiplicam na cidade.
Esperamos a igreja, sob o seu comando e do Papa Francisco, para iluminar os caminhos dos devotos de Santa Dulce, em Itabaiana.
Ouço dizer que os milagres atribuídos a Santa Dulce continuam.
Não sou um católico praticante, já fui, antes do Concílio Vaticano II.
Sou uma ovelha desgarrada, daquelas citadas nos evangelhos.
Entretanto, estou longe dos rebanhos luteranos, calvinistas ou neopentecostais. Nos censos, respondo que sou católico não praticante.
Dom Josafá, eu sinto que uma forte devoção por Santa Dulce cobre Itabaiana. Existe um projeto para a construção de um Complexo Religioso, local reservado e recursos em caixa, esperando por sua benção.
Como o senhor bem disse na entrevista a Jozailto: “A fé deve se expressar em ações que sejam incidentes na vida social do povo de Deus.” É o caso!
Antonio Samarone – Uma ovelha desgarrada.
terça-feira, 31 de dezembro de 2024
domingo, 29 de dezembro de 2024
CREUSA, A PRINCESA.
Creusa, a Princesa.
(por Antonio Samarone).
Vocês se lembram da Princesa?
Contei nas redes sociais que apreendi a ler, lendo os cordéis do meu avô. Já entrei na escola, lendo. Mal conhecia as letras, mas lia de carreirinha. Lia o cordel, ritmado. Não sei como. Passei no rigoroso exame de admissão do Murilo Braga, pela leitura. Tirei dez!
Um itabaianista erudito, Robério Santos, leu as minhas bobagens nas redes e me deu de presente natalino o livro: “O Cordel em Sala de Aula”, de Arusha Kelly, com o subtítulo, “Sugestões didáticas pedagógicas para uso da literatura popular, visando ao incremento da leitura”.
Levei um susto. Achei que era uma esquisitice minha, mas a ciência pedagógica afirma que não. O cordel pode ser usado na alfabetização. Eu fui apenas mais um caso.
Meu avô guardava, à parte, os livros de Leandro Gomes de Barros (uns trinta). Mamãe recitava de cor a peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho de Tucum. A chegada de Lampião no Inferno, é um clássico:
”Houve grande prejuízo
No inferno nesse dia
Queimou-se vinte mil conto
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro do ponto
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadoria.”
Foi nas Flechas, na casa de vovô, aos 7 anos, que li o “Pavão Misterioso”. Li ou ouvi meu avô lendo. Tanto faz. Aos 70, ainda me lembro de Creusa, a bela princesa grega, que fugiu com o turco Evangelista, num Pavão Misterioso, construído pelo português João Sem Medo.
O meu gosto pela leitura veio do Cordel. Aprendi ler o mundo, antes das palavras. Ler, sempre foi uma forma de viajar, de conhecer gente nova. Descobri pelo Cordel, que a escrita trazia uma mensagem. Ler é decifrar. Me interessei!
O conteúdo de um texto não é dado "a priori". O leitor vai dando a sua versão, criando o seu entendimento. O atual domínio da imagem, do áudio visual, afastou o texto. A leitura é trabalhosa, cansa a vista, distrai, toma tempo. O vídeo valoriza a imagem, simula objetividade. As imagens vêm sufocando as narrativas.
O Cordel é a literatura popular, em verso.
Sim, mas o que seria popular? O criado pelo povo, o que o povo gosta ou o que é superficial e simples? O Cordel vem de longe, da tradição oral portuguesa, dos tempos medievais. O Cordel pode ser impresso, improvisado em pelejas e, às vezes, acompanhados ao som das violas.
Suassuna confessava que a sua obra teatral foi inspirada na literatura popular. O Cordel viceja na Paraíba. Em Sergipe, ele engatinha. De peso, lembro-me de João Canário e João Firmino Cabral. Como a minha memória é seletiva, os dois de Itabaiana.
Muita gente letrada faz versos pobres, pouco inspirados, e depois batiza-os de literatura de Cordel. Esses não merecem a minha atenção. Deus me perdoe.
O poeta e amigo Aderaldo Luciano ensina que o Cordel tem regras, estilo, ritmo e linguagem própria. Versos com 4 tipos de estrofes: quadra, sextilha, setilha e décima. A rima do Cordel é feita para o ouvido e a memória, não para os olhos.
A literatura de Cordel tem muita coisa boa e muita porcaria, do mesmo modo que a literatura erudita. As livrarias estão apinhadas de livros eruditos irrelevantes. Livros que existem só para atiçar o ego dos seus autores.
O Cordel é uma expressão do som, uma arte para os ouvidos; as redes sociais são explosões de imagens. O reino das selfies. Os cordéis permitem as narrativas, as imagens não, são digitais, binárias.
Gostei do presente de Robério. O livro da Arusha Kelly é interessante. Parece que já é adotado no Ceará, onde a educação básica é de qualidade, desde os tempos de Ciro Gomes.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
(por Antonio Samarone).
Vocês se lembram da Princesa?
Contei nas redes sociais que apreendi a ler, lendo os cordéis do meu avô. Já entrei na escola, lendo. Mal conhecia as letras, mas lia de carreirinha. Lia o cordel, ritmado. Não sei como. Passei no rigoroso exame de admissão do Murilo Braga, pela leitura. Tirei dez!
Um itabaianista erudito, Robério Santos, leu as minhas bobagens nas redes e me deu de presente natalino o livro: “O Cordel em Sala de Aula”, de Arusha Kelly, com o subtítulo, “Sugestões didáticas pedagógicas para uso da literatura popular, visando ao incremento da leitura”.
Levei um susto. Achei que era uma esquisitice minha, mas a ciência pedagógica afirma que não. O cordel pode ser usado na alfabetização. Eu fui apenas mais um caso.
Meu avô guardava, à parte, os livros de Leandro Gomes de Barros (uns trinta). Mamãe recitava de cor a peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho de Tucum. A chegada de Lampião no Inferno, é um clássico:
”Houve grande prejuízo
No inferno nesse dia
Queimou-se vinte mil conto
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro do ponto
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadoria.”
Foi nas Flechas, na casa de vovô, aos 7 anos, que li o “Pavão Misterioso”. Li ou ouvi meu avô lendo. Tanto faz. Aos 70, ainda me lembro de Creusa, a bela princesa grega, que fugiu com o turco Evangelista, num Pavão Misterioso, construído pelo português João Sem Medo.
O meu gosto pela leitura veio do Cordel. Aprendi ler o mundo, antes das palavras. Ler, sempre foi uma forma de viajar, de conhecer gente nova. Descobri pelo Cordel, que a escrita trazia uma mensagem. Ler é decifrar. Me interessei!
O conteúdo de um texto não é dado "a priori". O leitor vai dando a sua versão, criando o seu entendimento. O atual domínio da imagem, do áudio visual, afastou o texto. A leitura é trabalhosa, cansa a vista, distrai, toma tempo. O vídeo valoriza a imagem, simula objetividade. As imagens vêm sufocando as narrativas.
O Cordel é a literatura popular, em verso.
Sim, mas o que seria popular? O criado pelo povo, o que o povo gosta ou o que é superficial e simples? O Cordel vem de longe, da tradição oral portuguesa, dos tempos medievais. O Cordel pode ser impresso, improvisado em pelejas e, às vezes, acompanhados ao som das violas.
Suassuna confessava que a sua obra teatral foi inspirada na literatura popular. O Cordel viceja na Paraíba. Em Sergipe, ele engatinha. De peso, lembro-me de João Canário e João Firmino Cabral. Como a minha memória é seletiva, os dois de Itabaiana.
Muita gente letrada faz versos pobres, pouco inspirados, e depois batiza-os de literatura de Cordel. Esses não merecem a minha atenção. Deus me perdoe.
O poeta e amigo Aderaldo Luciano ensina que o Cordel tem regras, estilo, ritmo e linguagem própria. Versos com 4 tipos de estrofes: quadra, sextilha, setilha e décima. A rima do Cordel é feita para o ouvido e a memória, não para os olhos.
A literatura de Cordel tem muita coisa boa e muita porcaria, do mesmo modo que a literatura erudita. As livrarias estão apinhadas de livros eruditos irrelevantes. Livros que existem só para atiçar o ego dos seus autores.
O Cordel é uma expressão do som, uma arte para os ouvidos; as redes sociais são explosões de imagens. O reino das selfies. Os cordéis permitem as narrativas, as imagens não, são digitais, binárias.
Gostei do presente de Robério. O livro da Arusha Kelly é interessante. Parece que já é adotado no Ceará, onde a educação básica é de qualidade, desde os tempos de Ciro Gomes.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
A PRIMEIRA AULA
A Primeira Aula.
(por Antonio Samarone)
Naquele tempo a escola só aceitava alunos aos sete anos. Ninguém acreditava que antes, se aprendesse alguma coisa. Não era fácil ser criança.
Mamãe me ensinou a ler em casa. Eu aprendi a ler antes do abc. Não sabia soletrar, lia a palavra inteira, sem saber direito o som nem das letras, nem dos fonemas. Não existiam nem “eme” nem “ene”, era “mê” e “nê”. Eu lia de carreirinha e cantando, no ritmo do cordel. Não sei como.
Os ingleses foram alfabetizados no século XVII para ler a bíblia, Eu, no século XX, para ler a literatura de cordel, do meu avô.
Minha primeira professora foi Lourdes de Chico Patativa. A escola era num puxadinho na casa dela. A lembrança da primeira aula ficou restrita ao cheiro da banana. Explico: Na mochila, mamãe colocou um caderno melhoramento, aquele com o mapa do Brasil na capa. Um lápis preto, uma borracha raspadeira, um copo que abria e fechava e uma banana madura, para a merenda.
Mamãe determinou: não coma a banana antes do recreio. Quando botei o pé fora do batente, só pensava em comê-la. Passei a aula com essa obsessão. Lembro-me do cheiro dessa banana até hoje.
Não existia a merenda escolar coletiva. Quem não levasse, ficava ximando. Só quando entrei na Escola do Padre, conheci essa dádiva divina. O Padre Everaldo (Bode Cheiroso), mandava servir uma caneca de leite com chocolate, que eu não conhecia. Eu adorava repetir.
Os meninos ricos não gostavam, o caldeirão ficava quase cheio. Eu gostava até do cheiro xaroposo do leite com chocolate.
Toddy era um privilégio, uma iguaria. Provei pela primeira vez Toddy com biscoito Cream Cracker aos 13 anos, na casa de Zé Silveira. Achei um luxo. Eu só conhecia as bolachas fofas de Zé Gordinho e os tradicionais bolachão de canela, de Frei Paulo.
O meu ensino primário foi tenebroso. Zanzei de escola em escola, passei pelo Grupo Guilhermino Bezerra, pelas escolas de Helena de Branquinha e de Jozeita do Beco Novo, até chegar na Escola do Padre. Da escola primária, só me lembro das traquinagens. Aprendi a ler com mamãe.
O educandário Cônego Vicente de Jesus, da igreja, era pago. Escola para os meninos ricos. Meu pai era membro do Círculo Operário, uma organização católica de combate ao comunismo. Meu pai era trabalhador rural, pataqueiro, mas entrou num círculo operário. Por conta disso, os filhos estudavam de graça.
De graça (virgula), prestávamos alguns serviços a escola, como contrapartida. Mas eu não tenho nada a reclamar, foi lá que aprendi o que se aprende na escola, para passar no exame de admissão e entrar no ginásio.
Na Escola do Padre, fui aluno da grande Maria Pereira, no segundo ano primário.
A escola do Padre (foto) era uma festa. Além da merenda, o pátio do colégio era cheio de brinquedos, tinha um campinho de areia e as salas de aula ficavam num sobrado. Eu achava as janelas altas e perigosas. Cair delas, era morte certa. Até um dia em que um colega, Antonio Viera Primo, fez um desafio: “eu vou pular da janela do sobrado.” Pulou e não teve nada.
Virou brincadeira: pular das janelas do sobrado. Eu, mofino, nunca tive coragem.
As inspeções higiênicas é outra lembrança da escola primária. As professoras queriam ver se as unhas, as orelhas, os pés, os sovacos e as virilhas dos alunos estavam limpos. Se encontrassem uma lêndea, o menino estava no inferno. Os meninos, de pescoços lodentos, não iam para o recreio. Nesse quesito, eu me saia bem.
Ser piolhento era uma humilhação. Mamãe era vaidosa, não queria passar essa vergonha. Me dava banho de cuia e bucha de cerca diariamente. Desconhecia sabonete, o banho era com sabão de soda, feito em casa. Fiquei traumatizado: odeio água fria nas costas.
Naquele tempo as professoras batiam. E batiam muito! A palmatória era destacada no “bureau” das mestras. Eu nunca apanhei. Mamãe nunca autorizou. Mesmo nas sabatinas, eu pouco apanhava. A escola do padre era moderna, os alunos não apanhavam.
Outra atividade costumeira nas escolas, era acompanhar enterro de anjo. A mortalidade infantil alarmante (150 óbitos, por mil nascidos vivos). Era comum as mães pedirem as professoras, para deixar os alunos acompanharem os sepultamentos dos seus filhos. Fui a muitos.
Deus me perdoe, era uma folga. Os esquifes eram brancos ou azuis.
Antonio Samarone (médico sanitarista)
A CULTURA EM ITABAIANA, NO ANO JUBILAR DE 2025.
A Cultura em Itabaiana, no ano Jubilar de 2025.
(por Antonio Samarone)
O mote, o guia, o fio condutor da cultura em 2025, em Itabaiana, será a comemoração dos 350 anos. Data festejada com a Igreja. O fato definidor foi a criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas, em 1675.
Os primeiros colonos ocuparam o Vale do Jacarecica no início do século XVII. Criaram o Arraial de Santo e Almas, construíram a Igreja Velha. O desejo era tornar-se Villa. Criaram a Irmandade das Santas Almas do Purgatório (1665), compraram um terreno no Tabuleiro de Ayres da Rocha.
Antes de ser Villa, o Bispo de Salvador criou uma Freguesia (Paróquia) em Itabaiana. A Igreja chegou antes. A maioria dos historiadores considera esse fato, o batismo institucional de Itabaiana, a sua data oficial de nascimento.
Em síntese, é esse fato glorioso que iremos comemorar.
No início do século XVII, no período da União Ibérica e domínio dos Holandeses no Nordeste, a Serra de Itabaiana foi objeto de desejo, em busca de metais preciosos. A lenda de Belchior Dias Moreia gerou ambições legítimas. Itabaiana passou pela fase do ouro.
No início do Brasil Colônia, o território de Itabaiana alargava-se de Divina Pastora a Jeremoabo. Depois do ouro, a criação de gado para abastecer o recôncavo baiano e a Capitania de Pernambuco, foi a atividade econômica dominante. A Era dos Curraleiros!
Não é por coincidência, que a Estrada Real que ligava Salvador a Olinda cortasse Itabaiana. O gado é um produto que anda. As boiadas chagavam aos mercados com as próprias pernas.
Na segunda metade do Dezenove, despontou a febre do algodão. A guerra de secessão nos EUA, gerou uma carência de algodão para alimentar o nascimento da revolução industrial. Foi o algodão e os seus descaroçadores, que permitiu o primeiro crescimento do polo urbano de Itabaiana. A Sede da Villa continuava acanhada e pobre. O casario que aparece nas fotos antigas servem de testemunho.
A sede urbana ganhou um formato.
A partir do início do século XIX, a área não ocupada pela cana-de-açúcar, tornaram-se produtores de alimentos. Cebola, farinha, ovos e hortaliças. Itabaiana tornou-se o celeiro de Sergipe. Uma época de muito trabalho e muita pobreza. Uma produção de subsistência, vendia-se o pequeno excedente.
Foi a labuta dos feirantes, que criou a cultura do comércio. Um povo que sabe vender e comprar. Nunca encontrei um comerciante com cara feia em Itabaiana. O cliente sempre tem razão.
Com a chegada do Império, o território de Sergipe foi amputado. Itabaiana perdeu muito. Na República veio o desmembramento do Agreste. Surgem Frei Paulo, Campo do Brito, Ribeirópolis, Moita Bonita, e tantos outros.
Em meados do século XX, com a chegada do Murilo Braga (1949) e da BR – 235 (1953), Itabaiana tomou um novo caminho econômico: de província agrícola a polo comercial. Um surto de crescimento transformou a cidade.
Na política, Euclides Paes Mendonça liderou num primeiro momento, rasgando a cidade de avenidas, ruas e estradas. Construiu até um campo de aviação.
Na segunda metade do século XX, Itabaiana viveu um longo período onde a economia prosperava, mas a política marcava passo, com brigas e picuinha. Havia uma dissonância entre a política e a economia.
A cidade mesmo assim crescia, enfrentado a política atolada no atraso. A economia foi puxada pelo setor de transporte (a capital dos caminhões), e por um comércio competitivo. O empreendedorismo é parte da alma itabaianense.
No início do século XXI, uma nova força política, liderada por Valmir de Francisquinho, destravou a política. A economia encontrou um campo fértil e cresceu. O mercado imobiliário criou uma nova cidade. A população passou dos cem mil habitantes, Itabaiana tornou-se região metropolitana.
Hoje, a economia viceja. Itabaiana se tornou uma porta aberta ao investimento. As redes nacionais disputam o mercado com os empresários locais, em pé de igualdade. O comércio do ouro é vitorioso. Itabaiana é o maior produtor de semijoias do Nordeste. As fábricas de carrocerias, a cerâmica, produtos agrícolas, os supermercados, a castanha, material de construção, tudo competitivo. As madeireiras alcançam os mercados dos sertões da Bahia e Alagoas.
Ia esquecendo, o agronegócio, em especial o milho, é o novo xodó dos investidores em Itabaiana. No Maranhão, Bahia, Alagoas, Sergipe, quem tiver terreno ocioso para arrendar, é só abrir a boca. No início de janeiro, ocorrerá um novo encontro do SEALBA, em Itabaiana.
Deixe-me revelar um segredo: em pouco tempo, o turismo religioso ambiental explodirá em Itabaiana. Itabaiana, digo melhor, o Agreste, é o principal polo de desenvolvimento de Sergipe.
É nessa a conjuntura econômica que Itabaiana chega aos 350 anos. É nessa conjuntura que Valmir exercerá o seu terceiro mandato de Prefeito. A política está pronta para somar-se, realizar o que lhe cabe. Criar as condições para o desenvolvimento de Itabaiana.
Itabaiana Grande olha para frente. A duplicação da BR – 235, perimetrais, moderno hospital, aeroporto, teatro, centro de convenções, atrair hotéis e pousadas, infraestrutura urbana, um choque de eficiência administrativa. Valmir tem clareza da sua missão.
A cultura é o sal, que dar sentido, que cria as narrativas. Itabaiana é um viveiro de talentos artísticos. A arte é a nossa alma. A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição completará 280 anos, a Filarmônica 28 de Agosto inaugurou uma Escola de Sanfona, a primeira do Brasil; a festa dos caminhoneiros, a Bienal retomará a sua grandeza, itabaianenses despontam no cenário nacional (Mestrinho, Robério Santos e Natanzinho Lima), o cinema de rua, o festival da canção, etc.
Feliz 2025!
Antonio Samarone. Médico sanitarista.
(por Antonio Samarone)
O mote, o guia, o fio condutor da cultura em 2025, em Itabaiana, será a comemoração dos 350 anos. Data festejada com a Igreja. O fato definidor foi a criação da Freguesia de Santo Antonio e Almas, em 1675.
Os primeiros colonos ocuparam o Vale do Jacarecica no início do século XVII. Criaram o Arraial de Santo e Almas, construíram a Igreja Velha. O desejo era tornar-se Villa. Criaram a Irmandade das Santas Almas do Purgatório (1665), compraram um terreno no Tabuleiro de Ayres da Rocha.
Antes de ser Villa, o Bispo de Salvador criou uma Freguesia (Paróquia) em Itabaiana. A Igreja chegou antes. A maioria dos historiadores considera esse fato, o batismo institucional de Itabaiana, a sua data oficial de nascimento.
Em síntese, é esse fato glorioso que iremos comemorar.
No início do século XVII, no período da União Ibérica e domínio dos Holandeses no Nordeste, a Serra de Itabaiana foi objeto de desejo, em busca de metais preciosos. A lenda de Belchior Dias Moreia gerou ambições legítimas. Itabaiana passou pela fase do ouro.
No início do Brasil Colônia, o território de Itabaiana alargava-se de Divina Pastora a Jeremoabo. Depois do ouro, a criação de gado para abastecer o recôncavo baiano e a Capitania de Pernambuco, foi a atividade econômica dominante. A Era dos Curraleiros!
Não é por coincidência, que a Estrada Real que ligava Salvador a Olinda cortasse Itabaiana. O gado é um produto que anda. As boiadas chagavam aos mercados com as próprias pernas.
Na segunda metade do Dezenove, despontou a febre do algodão. A guerra de secessão nos EUA, gerou uma carência de algodão para alimentar o nascimento da revolução industrial. Foi o algodão e os seus descaroçadores, que permitiu o primeiro crescimento do polo urbano de Itabaiana. A Sede da Villa continuava acanhada e pobre. O casario que aparece nas fotos antigas servem de testemunho.
A sede urbana ganhou um formato.
A partir do início do século XIX, a área não ocupada pela cana-de-açúcar, tornaram-se produtores de alimentos. Cebola, farinha, ovos e hortaliças. Itabaiana tornou-se o celeiro de Sergipe. Uma época de muito trabalho e muita pobreza. Uma produção de subsistência, vendia-se o pequeno excedente.
Foi a labuta dos feirantes, que criou a cultura do comércio. Um povo que sabe vender e comprar. Nunca encontrei um comerciante com cara feia em Itabaiana. O cliente sempre tem razão.
Com a chegada do Império, o território de Sergipe foi amputado. Itabaiana perdeu muito. Na República veio o desmembramento do Agreste. Surgem Frei Paulo, Campo do Brito, Ribeirópolis, Moita Bonita, e tantos outros.
Em meados do século XX, com a chegada do Murilo Braga (1949) e da BR – 235 (1953), Itabaiana tomou um novo caminho econômico: de província agrícola a polo comercial. Um surto de crescimento transformou a cidade.
Na política, Euclides Paes Mendonça liderou num primeiro momento, rasgando a cidade de avenidas, ruas e estradas. Construiu até um campo de aviação.
Na segunda metade do século XX, Itabaiana viveu um longo período onde a economia prosperava, mas a política marcava passo, com brigas e picuinha. Havia uma dissonância entre a política e a economia.
A cidade mesmo assim crescia, enfrentado a política atolada no atraso. A economia foi puxada pelo setor de transporte (a capital dos caminhões), e por um comércio competitivo. O empreendedorismo é parte da alma itabaianense.
No início do século XXI, uma nova força política, liderada por Valmir de Francisquinho, destravou a política. A economia encontrou um campo fértil e cresceu. O mercado imobiliário criou uma nova cidade. A população passou dos cem mil habitantes, Itabaiana tornou-se região metropolitana.
Hoje, a economia viceja. Itabaiana se tornou uma porta aberta ao investimento. As redes nacionais disputam o mercado com os empresários locais, em pé de igualdade. O comércio do ouro é vitorioso. Itabaiana é o maior produtor de semijoias do Nordeste. As fábricas de carrocerias, a cerâmica, produtos agrícolas, os supermercados, a castanha, material de construção, tudo competitivo. As madeireiras alcançam os mercados dos sertões da Bahia e Alagoas.
Ia esquecendo, o agronegócio, em especial o milho, é o novo xodó dos investidores em Itabaiana. No Maranhão, Bahia, Alagoas, Sergipe, quem tiver terreno ocioso para arrendar, é só abrir a boca. No início de janeiro, ocorrerá um novo encontro do SEALBA, em Itabaiana.
Deixe-me revelar um segredo: em pouco tempo, o turismo religioso ambiental explodirá em Itabaiana. Itabaiana, digo melhor, o Agreste, é o principal polo de desenvolvimento de Sergipe.
É nessa a conjuntura econômica que Itabaiana chega aos 350 anos. É nessa conjuntura que Valmir exercerá o seu terceiro mandato de Prefeito. A política está pronta para somar-se, realizar o que lhe cabe. Criar as condições para o desenvolvimento de Itabaiana.
Itabaiana Grande olha para frente. A duplicação da BR – 235, perimetrais, moderno hospital, aeroporto, teatro, centro de convenções, atrair hotéis e pousadas, infraestrutura urbana, um choque de eficiência administrativa. Valmir tem clareza da sua missão.
A cultura é o sal, que dar sentido, que cria as narrativas. Itabaiana é um viveiro de talentos artísticos. A arte é a nossa alma. A Filarmônica Nossa Senhora da Conceição completará 280 anos, a Filarmônica 28 de Agosto inaugurou uma Escola de Sanfona, a primeira do Brasil; a festa dos caminhoneiros, a Bienal retomará a sua grandeza, itabaianenses despontam no cenário nacional (Mestrinho, Robério Santos e Natanzinho Lima), o cinema de rua, o festival da canção, etc.
Feliz 2025!
Antonio Samarone. Médico sanitarista.
terça-feira, 24 de dezembro de 2024
ITABAIANA, 350 ANOS. AS MEMÓRIAS DO DOUTOR FRAGA.
Itabaiana, 350 anos. As memórias do doutor Fraga.
(por Antonio Samarone).
Em 1926, Itabaiana estava sem médicos. O último, foi embora para Salvador, e não voltou.
Joaquim Fraga Lima é baiano de Patrocinio do Coité. Nasceu em 29 de junho de 1899, dia de São Pedro. Formou-se em medicina em 1925, na última turma onde a defesa de tese era obrigatória. Ou seja, saiu Doutor da Faculdade.
Fraga Lima chegou a Itabaiana, em 05 de março de 1926. Foi morar na Pensão de Dona Balbina, á única da cidade. Clinicou em Itabaiana, até 04 de fevereiro de 1932, quando se transferiu para Aracaju. Nesse período, o Juiz de Direito de Itabaiana era o lagartense Gervásio Prata, pai de Marieta, futura esposa do doutor.
O esporte preferido dos doutores Fraga Lima e Gervásio Prata, em Itabaiana, era a caça, no sítio de Espiridião Noronha. Eles contam vaidosos o abatimento de inocentes perdizes, a potência da espingarda Laporte, calibre 20, e o super faro do perdigueiro Rex.
Em suas memórias, Fraga Lima ressalta a grandeza moral de Seu Teixerinha (Miguel Teixeira da Cunha: “um homem inteligente, primeiro fotografo de Sergipe, católico fervoroso, com bastante vigor mental, não obstante os 80 anos já vividos. Era viúvo e tinha dois filhos, um dos quais vivia nas Amazonas; era um virtuoso da Flauta. Voltou a Itabaiana, com duas filhas. Uma dirigia o coro da Igreja.”
A fotografia possui raízes profundas em Itabaiana.
O Dr. Fraga Lima foi amigo de Bento Preto, das Flechas. Bento José de Carvalho, foi escravo do padre Francisco Antonio de Carvalho Lima, até os 15 anos. Aprendeu a ler, casou-se e teve muitos filhos. Todos alfabetizados. O filho mais velho, Moyses, doutor, e proprietário de farmácia em Estância... Uma família de pretos letrados.
Bento era espirituoso, engraçado e de moral ilibada. Conta-se que os comerciantes de Itabaiana quando queriam pagar as mercadorias compradas aos atacadistas em Salvador, mandava o dinheiro por Bento Preto. Às vezes muito dinheiro. Nunca foi roubado, nem nunca deixou de cumprir fielmente a arriscada missão.
Ao lado de Quintino de Lacerda, Bento Preto foi outra personalidade notável das Flechas, onde tenho parte de minhas raízes.
Nas Flechas, na casa de meu avô, vivi inesquecíveis experiências nas farinhadas, comi beiju de amendoim, ainda quentes; bebi leite nos peitos das vacas; ouvi centenas de histórias de cordel, cantadas por ele; vi meu avô exercendo o ofício de ferreiro, tradição da família; li almanaques; peguei passarinhos em arapucas, depois soltava; rezei o terço em volta do oratório de minha avô, Mãe Céu.
O ex escravo Bento Preto foi um notável, em Itabaiana.
Fraga Lima destacou em suas memórias, a figura de Paulo Cordeiro, dono da funerária, que passou para o filho, Abílio. Funcionava no sobrado onde funcionou a Câmara Municipal, a casa de Chico Bateria, depois foi o Bar de Papinha. Paulo também era muito espirituoso. Conta-se, que na hora de morrer, Paulo pediu a esposa que cobrisse os seus pés. “Rosa, cubra meus pés, que a morte está procurando um pé.” Ou seja, um motivo!
As memórias de Fraga Lima, capta a profunda ironia da alma itabaianense. Descobre o primeiro comunista em Itabaiana, Brasiliano de Jesus. Um sujeito conversador, chegado a resenhas. Brasiliano era amigo de Luiz Carlos Prestes, desde os tempos da Coluna. Depois, Prestes aderiu ao credo vermelho, e Brasiliano o acompanhou.
Certa feita, numa roda de conversa, onde estava presente o Tenente Honorio de Mendonça, tido como o homem mais rico de Itabaiana, Brasiliano se saiu como esta: “Preste vem aí, quando ele entrar na Praça, em mando o Mano (piston da Banda), tocar a corneta, chamando a população. Depois, eu subo numa cadeira, faço uma saudação a Prestes e seus camaradas. Quando terminar, eu digo: Prestes velho, me acompanhe, onde eu fizer uma cruz de giz na porta, pode entrar que tem dinheiro. É a burguesia!”
O doutor Fraga ainda conta, que foi Batista Itajay quem proibiu os tabaréus irem à feira de ceroulas e camisa de algodão. Se foi ele quem proibiu, não posso afirmar, mas que iam de ceroulas, as fotos antigas comprovam.
O lagartense Batista Itajay era médico, farmacêutico e tornou-se chefe político de Itabaiana.
Em 1945, Fraga Lima assumiu a chefia do Serviço de Proteção a Lepra. Em 19 de abril, inaugurou e foi o primeiro Diretor da Colônia Lourenço Magalhães (Leprosário).
O primeiro Leprosário funcionou em um terreno de 400 tarefas, por onde passava uma das estradas Itabaiana/Aracaju.
O velho Leprosário foi transferido para o Bairro Vermelho, próximo ao Bugio. O Leprosário antigo virou o atual Conjunto Jardim, em Socorro; e o novo Leprosário virou o Conjunto Maria do Carmo.
Fraga Lima fez parte do Movimento Integralista de Plínio Salgado. Em 1964, foi um entusiasmado apoiador do Golpe Militar.
Um fato pouco conhecido pelos historiadores sergipanos: O doutor Fraga Lima, passou 81 dias na penitenciária, acusado de colaborar com os alemães, por ocasião do afundamento dos navios mercantes, nas costas de Sergipe.
“No mesmo episódio, foram presos os seguintes integralistas sergipanos: Agnaldo Celestino, Osmário Leite, Jacinto Figueiredo, Rosalvo Queiroz, Antonio Ferreira de Melo Couto, José Resende, João Ouro, José Carlos Serrano, gerente do Banco do Brasil, Libânio Andrade, Antonio Vicente Ferreira, Mendes do Banco Mercantil, Enoch Sampaio, Moreno Garcia, José Carlos Monteiro de Souza, do Banco do Brasil, Dr. Sérgio Valério, Engenheiro das obras do Porto de Aracaju, e Políbio Mendes.” – Fraga Lima.
“A cultura é uma expressão do inconsciente coletivo.” – Jung.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
(por Antonio Samarone).
Em 1926, Itabaiana estava sem médicos. O último, foi embora para Salvador, e não voltou.
Joaquim Fraga Lima é baiano de Patrocinio do Coité. Nasceu em 29 de junho de 1899, dia de São Pedro. Formou-se em medicina em 1925, na última turma onde a defesa de tese era obrigatória. Ou seja, saiu Doutor da Faculdade.
Fraga Lima chegou a Itabaiana, em 05 de março de 1926. Foi morar na Pensão de Dona Balbina, á única da cidade. Clinicou em Itabaiana, até 04 de fevereiro de 1932, quando se transferiu para Aracaju. Nesse período, o Juiz de Direito de Itabaiana era o lagartense Gervásio Prata, pai de Marieta, futura esposa do doutor.
O esporte preferido dos doutores Fraga Lima e Gervásio Prata, em Itabaiana, era a caça, no sítio de Espiridião Noronha. Eles contam vaidosos o abatimento de inocentes perdizes, a potência da espingarda Laporte, calibre 20, e o super faro do perdigueiro Rex.
Em suas memórias, Fraga Lima ressalta a grandeza moral de Seu Teixerinha (Miguel Teixeira da Cunha: “um homem inteligente, primeiro fotografo de Sergipe, católico fervoroso, com bastante vigor mental, não obstante os 80 anos já vividos. Era viúvo e tinha dois filhos, um dos quais vivia nas Amazonas; era um virtuoso da Flauta. Voltou a Itabaiana, com duas filhas. Uma dirigia o coro da Igreja.”
A fotografia possui raízes profundas em Itabaiana.
O Dr. Fraga Lima foi amigo de Bento Preto, das Flechas. Bento José de Carvalho, foi escravo do padre Francisco Antonio de Carvalho Lima, até os 15 anos. Aprendeu a ler, casou-se e teve muitos filhos. Todos alfabetizados. O filho mais velho, Moyses, doutor, e proprietário de farmácia em Estância... Uma família de pretos letrados.
Bento era espirituoso, engraçado e de moral ilibada. Conta-se que os comerciantes de Itabaiana quando queriam pagar as mercadorias compradas aos atacadistas em Salvador, mandava o dinheiro por Bento Preto. Às vezes muito dinheiro. Nunca foi roubado, nem nunca deixou de cumprir fielmente a arriscada missão.
Ao lado de Quintino de Lacerda, Bento Preto foi outra personalidade notável das Flechas, onde tenho parte de minhas raízes.
Nas Flechas, na casa de meu avô, vivi inesquecíveis experiências nas farinhadas, comi beiju de amendoim, ainda quentes; bebi leite nos peitos das vacas; ouvi centenas de histórias de cordel, cantadas por ele; vi meu avô exercendo o ofício de ferreiro, tradição da família; li almanaques; peguei passarinhos em arapucas, depois soltava; rezei o terço em volta do oratório de minha avô, Mãe Céu.
O ex escravo Bento Preto foi um notável, em Itabaiana.
Fraga Lima destacou em suas memórias, a figura de Paulo Cordeiro, dono da funerária, que passou para o filho, Abílio. Funcionava no sobrado onde funcionou a Câmara Municipal, a casa de Chico Bateria, depois foi o Bar de Papinha. Paulo também era muito espirituoso. Conta-se, que na hora de morrer, Paulo pediu a esposa que cobrisse os seus pés. “Rosa, cubra meus pés, que a morte está procurando um pé.” Ou seja, um motivo!
As memórias de Fraga Lima, capta a profunda ironia da alma itabaianense. Descobre o primeiro comunista em Itabaiana, Brasiliano de Jesus. Um sujeito conversador, chegado a resenhas. Brasiliano era amigo de Luiz Carlos Prestes, desde os tempos da Coluna. Depois, Prestes aderiu ao credo vermelho, e Brasiliano o acompanhou.
Certa feita, numa roda de conversa, onde estava presente o Tenente Honorio de Mendonça, tido como o homem mais rico de Itabaiana, Brasiliano se saiu como esta: “Preste vem aí, quando ele entrar na Praça, em mando o Mano (piston da Banda), tocar a corneta, chamando a população. Depois, eu subo numa cadeira, faço uma saudação a Prestes e seus camaradas. Quando terminar, eu digo: Prestes velho, me acompanhe, onde eu fizer uma cruz de giz na porta, pode entrar que tem dinheiro. É a burguesia!”
O doutor Fraga ainda conta, que foi Batista Itajay quem proibiu os tabaréus irem à feira de ceroulas e camisa de algodão. Se foi ele quem proibiu, não posso afirmar, mas que iam de ceroulas, as fotos antigas comprovam.
O lagartense Batista Itajay era médico, farmacêutico e tornou-se chefe político de Itabaiana.
Em 1945, Fraga Lima assumiu a chefia do Serviço de Proteção a Lepra. Em 19 de abril, inaugurou e foi o primeiro Diretor da Colônia Lourenço Magalhães (Leprosário).
O primeiro Leprosário funcionou em um terreno de 400 tarefas, por onde passava uma das estradas Itabaiana/Aracaju.
O velho Leprosário foi transferido para o Bairro Vermelho, próximo ao Bugio. O Leprosário antigo virou o atual Conjunto Jardim, em Socorro; e o novo Leprosário virou o Conjunto Maria do Carmo.
Fraga Lima fez parte do Movimento Integralista de Plínio Salgado. Em 1964, foi um entusiasmado apoiador do Golpe Militar.
Um fato pouco conhecido pelos historiadores sergipanos: O doutor Fraga Lima, passou 81 dias na penitenciária, acusado de colaborar com os alemães, por ocasião do afundamento dos navios mercantes, nas costas de Sergipe.
“No mesmo episódio, foram presos os seguintes integralistas sergipanos: Agnaldo Celestino, Osmário Leite, Jacinto Figueiredo, Rosalvo Queiroz, Antonio Ferreira de Melo Couto, José Resende, João Ouro, José Carlos Serrano, gerente do Banco do Brasil, Libânio Andrade, Antonio Vicente Ferreira, Mendes do Banco Mercantil, Enoch Sampaio, Moreno Garcia, José Carlos Monteiro de Souza, do Banco do Brasil, Dr. Sérgio Valério, Engenheiro das obras do Porto de Aracaju, e Políbio Mendes.” – Fraga Lima.
“A cultura é uma expressão do inconsciente coletivo.” – Jung.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
domingo, 22 de dezembro de 2024
O GINÁSIO MURILO BRAGA.
O Ginásio Murilo Braga.
(por Antonio Samarone)
O Murilo Braga completou 75 anos, discretamente. Distante de sua importância histórica. Perdeu-se a memória? O colégio foi decisivo para o desenvolvimento de Itabaiana.
Destaco a solenidade de conclusão da primeira turma:
Em 27 de dezembro de 1953, ocorreu a festa de conclusão do curso ginasial, da primeira turma em Itabaiana. A importância do evento pode ser avaliada pela grandeza da festa: pela manhã, missa de ação de graça, celebrada pelo Monsenhor Eraldo Barbosa. Logo após a missa foi cantado o “Te Deum”, seguido da benção do Santíssimo Sacramento.
A solenidade de entregas dos certificados aconteceu à tarde no próprio Ginásio, com muitos discursos. A noite foi a vez do baile, com a banda da polícia militar. Enfim, um dia inteiro de comemorações.
O Paraninfo da turma foi simplesmente o Ex-Governador do Estado, Dr. José Rollemberg Leite. Justa homenagem, a quem tinha implantado o curso ginasial em Itabaiana.
Entre as autoridades presentes destacaram-se o Prof. Acrísio Cruz, representando o Governador Arnaldo Garcez; o deputado itabaianense Sylvio Teixeira, os políticos Manoel Teles, Jason Correia e o diretor do Ginásio Murilo Braga, Dr. Pedro Garcia Moreno.
Na abertura da solenidade, falou em nome dos alunos o estudante José Queiroz da Costa e em nome dos professores, Melquíades José de Souza.
Em seguida, usou da palavra o Paraninfo, dizendo-se satisfeito em ter construído aquele Ginásio em Itabaiana e desejando felicidades aos seus afilhados, sendo a festa concluída com a palavra do representante do Governador.
Toda a solenidade foi transmitida pelo serviço local de alto-falante.
Doce memória!
Antonio Samarone. Ex aluno do Murilo Braga.
O NATAL SEMPRE CHEGA.
O Natal sempre chega. (por Antonio Samarone)
Caçulo Ferreiro, 82 anos, tinha acabado de armar o seu presépio, uma tradição da Matapoã. Final de tarde, deitou-se para descansar e tomar fresca, na velha rede da varanda. Um hábito atávico. Uma rede branca, encardida e pensa.
O inesperado: os punhos puídos da rede partiram-se repentinamente e Caçulo caiu indefeso, no chão batido, quebrando de vez o colo do fêmur e a bacia.
Os velhos temem as quedas, os catarros e as caganeiras. As duas últimas, a melhoria da higiene pessoal e a geriatria deram um jeito. Sobrou a queda, como causa importante de óbito entre os idosos. Entre as quedas, a de rede é a mais temida.
Caçulo é o último dos ferreiros da Matapoã. Um homem sóbrio, religioso, culto e original. Na exegese bíblica, Caçulo desbanca qualquer pastor, e até mesmo padres formados em teologia.
Após a queda, Caçulo, apesar das dores, não para de falar. Tudo em duplo sentido: “eu cair por soberba, já sabia que rede não é para velhos, mas insistia. Carrego os meus órgãos há 82 anos. Eles possuem memória e aprenderam a conviver com as minhas esquisitices. Dessa vez, cair! Talvez a e definitiva queda.”
“Os tombos (quedas) sempre me assustaram. O tombo contém todo o simbolismo mitológico da queda bíblica. A queda do pecado original. A soberba vem antes da queda. Lúcifer, Adão e Eva, Babel e Prometeu incorreram no mesmo erro: a soberba contra os deuses.” – Caçulo Ferreiro.
O arquétipo da queda é universal.
Caçulo Ferreiro é o último sábio da Matapoã. O principal arquétipo da velhice é do velho sábio. Hoje, os velhos já não pode desempenhar qualquer papel em nossa sociedade, porque a velhice se agarra tão convulsivamente à vida que perde aquela soltura imprescindível ao velho sábio.
Caçulo não teme a morte, só pede que seja depois do Natal. Seu presépio está montado. Ele só espera assistir a última missa do galo, no Vaticano. Pela TV. Ele adora o “Pater Noster” catando em latim.
Caçulo, mesmo moribundo, me confidenciou: Os sinais da velhice, possuem significados bíblicos:
“Deixamos de ver o que está próximo (presbiopia). O olhar passa por cima disso e vagueia na distância. A finalidade é obter uma visão de conjunto e enxergar longe, em sentido figurado.”
“Na perda da memória recente, a tarefa é nítida: libertar-se das ninharias do cotidiano e descobrir de preferência o grande arco da vida. É preciso lembrar-se dos temas importantes da vida e interiorizá-los.”
“A surdez da velhice mostra aos afetados que eles não podem mais ouvir determinadas coisas. É natural suspeitar que eles já as ouviram demasiadas vezes e agora desligaram. Há muita coisa que eles absolutamente não ouvem mais, mas outras, contra as expectativas, são ouvidas, e bem.”
“A única ameaça, que desconheço o significado, é o "grande esquecimento". Uma doença que termina fazendo com que se perca a razão é uma provocação para as pessoas, numa sociedade que coloca a razão acima de tudo."
"Quando o psiquiatra bávaro Alois Alzheimer a descreveu pela primeira vez, há quase um século, os médicos não sabiam nada a respeito.” E, até hoje, sabem muito pouco.
“A degeneração do cérebro é o último recado contra a soberba humana.”
“Nos estágios avançados das demências, o sofrimento à noite adquire proporções impressionantes. Quando as pessoas despertam em pânico e aos gritos ou perambulam pela casa, é difícil de entender para as pessoas que cuidam deles. Como as pessoas estão sem orientação e sem memória, elas acordam à noite em completa escuridão, sem saber onde estão e, mais tarde, também sem saber quem são.” Caçulo Ferreiro.
“O meu medo, primo, ferreiro ilustre, não é da morte, mas do grande esquecimento.”
“Vou morrer lúcido. A queda é parte da condição humana.”
Rogo a Deus, que Caçulo Ferreiro alcance o Natal. Já é depois de amanhã.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana)
Caçulo Ferreiro, 82 anos, tinha acabado de armar o seu presépio, uma tradição da Matapoã. Final de tarde, deitou-se para descansar e tomar fresca, na velha rede da varanda. Um hábito atávico. Uma rede branca, encardida e pensa.
O inesperado: os punhos puídos da rede partiram-se repentinamente e Caçulo caiu indefeso, no chão batido, quebrando de vez o colo do fêmur e a bacia.
Os velhos temem as quedas, os catarros e as caganeiras. As duas últimas, a melhoria da higiene pessoal e a geriatria deram um jeito. Sobrou a queda, como causa importante de óbito entre os idosos. Entre as quedas, a de rede é a mais temida.
Caçulo é o último dos ferreiros da Matapoã. Um homem sóbrio, religioso, culto e original. Na exegese bíblica, Caçulo desbanca qualquer pastor, e até mesmo padres formados em teologia.
Após a queda, Caçulo, apesar das dores, não para de falar. Tudo em duplo sentido: “eu cair por soberba, já sabia que rede não é para velhos, mas insistia. Carrego os meus órgãos há 82 anos. Eles possuem memória e aprenderam a conviver com as minhas esquisitices. Dessa vez, cair! Talvez a e definitiva queda.”
“Os tombos (quedas) sempre me assustaram. O tombo contém todo o simbolismo mitológico da queda bíblica. A queda do pecado original. A soberba vem antes da queda. Lúcifer, Adão e Eva, Babel e Prometeu incorreram no mesmo erro: a soberba contra os deuses.” – Caçulo Ferreiro.
O arquétipo da queda é universal.
Caçulo Ferreiro é o último sábio da Matapoã. O principal arquétipo da velhice é do velho sábio. Hoje, os velhos já não pode desempenhar qualquer papel em nossa sociedade, porque a velhice se agarra tão convulsivamente à vida que perde aquela soltura imprescindível ao velho sábio.
Caçulo não teme a morte, só pede que seja depois do Natal. Seu presépio está montado. Ele só espera assistir a última missa do galo, no Vaticano. Pela TV. Ele adora o “Pater Noster” catando em latim.
Caçulo, mesmo moribundo, me confidenciou: Os sinais da velhice, possuem significados bíblicos:
“Deixamos de ver o que está próximo (presbiopia). O olhar passa por cima disso e vagueia na distância. A finalidade é obter uma visão de conjunto e enxergar longe, em sentido figurado.”
“Na perda da memória recente, a tarefa é nítida: libertar-se das ninharias do cotidiano e descobrir de preferência o grande arco da vida. É preciso lembrar-se dos temas importantes da vida e interiorizá-los.”
“A surdez da velhice mostra aos afetados que eles não podem mais ouvir determinadas coisas. É natural suspeitar que eles já as ouviram demasiadas vezes e agora desligaram. Há muita coisa que eles absolutamente não ouvem mais, mas outras, contra as expectativas, são ouvidas, e bem.”
“A única ameaça, que desconheço o significado, é o "grande esquecimento". Uma doença que termina fazendo com que se perca a razão é uma provocação para as pessoas, numa sociedade que coloca a razão acima de tudo."
"Quando o psiquiatra bávaro Alois Alzheimer a descreveu pela primeira vez, há quase um século, os médicos não sabiam nada a respeito.” E, até hoje, sabem muito pouco.
“A degeneração do cérebro é o último recado contra a soberba humana.”
“Nos estágios avançados das demências, o sofrimento à noite adquire proporções impressionantes. Quando as pessoas despertam em pânico e aos gritos ou perambulam pela casa, é difícil de entender para as pessoas que cuidam deles. Como as pessoas estão sem orientação e sem memória, elas acordam à noite em completa escuridão, sem saber onde estão e, mais tarde, também sem saber quem são.” Caçulo Ferreiro.
“O meu medo, primo, ferreiro ilustre, não é da morte, mas do grande esquecimento.”
“Vou morrer lúcido. A queda é parte da condição humana.”
Rogo a Deus, que Caçulo Ferreiro alcance o Natal. Já é depois de amanhã.
Antonio Samarone (Secretário de Cultura de Itabaiana)
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
OS MOUROS, EM ITABAIANA.
Os Mouros, em Itabaiana.
(por Antonio Samarone)
Sou indagado com frequência sobre a influência holandesa e judaica na cultura itabaianista. Todo louro de olhos azuis, em Itabaiana, se acha descendente de holandeses. E todo comerciante itabaianista sabido, se acha judeus.
Não sei! Ainda procuro as evidências.
Os meus ascendentes do Matebe, Candeias e Capunga, são galegos, da Galícia. Os ascendentes das Flechas, Matapoã e Sambaiaba, são do Norte de Portugal. Todos cruzados com índios e negros, é que informa os estudos do DNA mitocondrial. Somos pardos e curibocas.
Vou falar um pouco sobre a influência espanhola, em Itabaiana.
Durante a ocupação de Sergipe (1590), vivíamos sob o domínio da União Ibérica (Portugal/Espanha – 1580 a 1660). Os primeiros colonos que chegaram ao Vale do Jacarecica, fundaram o Arraial de Santo Antonio e Almas. Itabaiana Grande (Itapvámuçu) já estava lá, era a Serra.
Pleiteando ser Villa, criaram a Irmandade das Almas (1665), para viabilizar a compra de um local onde construir a Villa. Compraram um Sítio no tabuleiro de Ayres da Rocha. Transferiram o Arraial. Em 1675, o Bispo de Salvador criou a Freguesia de Santo e Almas. A Igreja chegou antes da Coroa. Tornou-se Villa, somente em 1697.
A nova povoação se deu em torno de um grande espaço vazio (atual Praça Fausto Cardoso). O novo livro de Robério Santos, apresenta detalhes reveladores:
“A praça da rua media duzentos metros de comprimento no lado Norte, contando com o cemitério antigo; duzentos e dez metros no lado Sul; cento e nove metros nos fundos da Igreja (Rua do Sol) e sessenta e sete metros no lado Oeste. Era um grande espaço vazio, muito diferente de outras localidades na redondeza, em que as casinhas se espremiam em torno da igreja.”
Nesse espaço vazio (largo), ocorriam as festas, eventos religiosos, feiras e comemorações.
Prossegue Robério Santos:
“Havia seis entradas para a Praça: esquina da Intendência, Travessa Paulino Menezes, o beco que sai na Rua 13 de Maio (Rua do Cisco); a Travessa Manoel Andrade, a do Sobrado que outrora fora a Câmara de Vereadores (Bar de Papinha), antigo beco do cemitério; uma ruela ao lado, Travessa José Cornélio da Fonseca; outra travessa ao lado da Igreja que se estende pelo Beco Novo (Rua Riachuelo e depois Coronel Sebrão; ao lado esquerdo da Matriz outro entrada, seguindo pela Rua do Futuro (atual Tobias Barreto).”
Essa forma de ocupação, um grande espaço retangular (Largo), com as casas, órgãos públicos e sobrados voltados para dentro, com entradas estreitas, é o modelo das praças espanholas, de herança Moura. Essas casas eram compridas, fechando o quadrado. Não havia vizinhos pelos fundos.
A Plaza Mayor, em Madrid, é uma praça retangular, rodeada por todos os lados de edifícios, sendo as entradas por nove pórticos. A Plaza Mayor tem 129 metros de comprimento e 94 de largura. A de Itabaiana é maior e possui seis entradas.
Todo cidade do mundo que sofreu influência espanhola, tem a sua Plaza Mayor.
Um velho manuscrito de Feltre Bezerra, informa que os Frades Beneditinos, os mesmos que criaram a Irmandade das Santas Almas do Purgatório, em Itabaiana, usavam plantas e "croquis", dos arquitetos espanhóis Juan Gomez, Vilanueva e Herrera, na criação das Vilas no Brasil.
Itabaiana sofreu clara influência dos beneditinos, ofuscada pela força de Santo Antonio (franciscano). A Villa é de Santo Antonio e Almas. O “ora et labora” é a súmula da vida monástica dos beneditinos”. Continua sendo observada em Itabaiana.
Por falar em influência espanhola, o Largo São Francisco em São Cristóvão é arquitetura espanhola (comprovada); como a padroeira, Nossa Senhora da Vitória, que protegeu os espanhóis na batalha de Lepanto.
O que tornou São Cristóvão patrimonio cultural da humanidade, foi o modelo de urbanização espanhola, dos tempos da União Ibérica.
Nas fotos antigas de Itabaiana, antes dos canteiros, do coreto, das fontes luminosas e da arborização, fica claro o grande vazio retangular em torno da Igreja (o largo mouro), da Praça Fausto Cardoso.
Um modelo de urbanização moura, trazida pelos espanhóis. A ideia de cidadela, seguiu as cidades muradas, no imaginário de segurança contra invasores. No Brasil, talvez, por medo dos índios.
Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
(por Antonio Samarone)
Sou indagado com frequência sobre a influência holandesa e judaica na cultura itabaianista. Todo louro de olhos azuis, em Itabaiana, se acha descendente de holandeses. E todo comerciante itabaianista sabido, se acha judeus.
Não sei! Ainda procuro as evidências.
Os meus ascendentes do Matebe, Candeias e Capunga, são galegos, da Galícia. Os ascendentes das Flechas, Matapoã e Sambaiaba, são do Norte de Portugal. Todos cruzados com índios e negros, é que informa os estudos do DNA mitocondrial. Somos pardos e curibocas.
Vou falar um pouco sobre a influência espanhola, em Itabaiana.
Durante a ocupação de Sergipe (1590), vivíamos sob o domínio da União Ibérica (Portugal/Espanha – 1580 a 1660). Os primeiros colonos que chegaram ao Vale do Jacarecica, fundaram o Arraial de Santo Antonio e Almas. Itabaiana Grande (Itapvámuçu) já estava lá, era a Serra.
Pleiteando ser Villa, criaram a Irmandade das Almas (1665), para viabilizar a compra de um local onde construir a Villa. Compraram um Sítio no tabuleiro de Ayres da Rocha. Transferiram o Arraial. Em 1675, o Bispo de Salvador criou a Freguesia de Santo e Almas. A Igreja chegou antes da Coroa. Tornou-se Villa, somente em 1697.
A nova povoação se deu em torno de um grande espaço vazio (atual Praça Fausto Cardoso). O novo livro de Robério Santos, apresenta detalhes reveladores:
“A praça da rua media duzentos metros de comprimento no lado Norte, contando com o cemitério antigo; duzentos e dez metros no lado Sul; cento e nove metros nos fundos da Igreja (Rua do Sol) e sessenta e sete metros no lado Oeste. Era um grande espaço vazio, muito diferente de outras localidades na redondeza, em que as casinhas se espremiam em torno da igreja.”
Nesse espaço vazio (largo), ocorriam as festas, eventos religiosos, feiras e comemorações.
Prossegue Robério Santos:
“Havia seis entradas para a Praça: esquina da Intendência, Travessa Paulino Menezes, o beco que sai na Rua 13 de Maio (Rua do Cisco); a Travessa Manoel Andrade, a do Sobrado que outrora fora a Câmara de Vereadores (Bar de Papinha), antigo beco do cemitério; uma ruela ao lado, Travessa José Cornélio da Fonseca; outra travessa ao lado da Igreja que se estende pelo Beco Novo (Rua Riachuelo e depois Coronel Sebrão; ao lado esquerdo da Matriz outro entrada, seguindo pela Rua do Futuro (atual Tobias Barreto).”
Essa forma de ocupação, um grande espaço retangular (Largo), com as casas, órgãos públicos e sobrados voltados para dentro, com entradas estreitas, é o modelo das praças espanholas, de herança Moura. Essas casas eram compridas, fechando o quadrado. Não havia vizinhos pelos fundos.
A Plaza Mayor, em Madrid, é uma praça retangular, rodeada por todos os lados de edifícios, sendo as entradas por nove pórticos. A Plaza Mayor tem 129 metros de comprimento e 94 de largura. A de Itabaiana é maior e possui seis entradas.
Todo cidade do mundo que sofreu influência espanhola, tem a sua Plaza Mayor.
Um velho manuscrito de Feltre Bezerra, informa que os Frades Beneditinos, os mesmos que criaram a Irmandade das Santas Almas do Purgatório, em Itabaiana, usavam plantas e "croquis", dos arquitetos espanhóis Juan Gomez, Vilanueva e Herrera, na criação das Vilas no Brasil.
Itabaiana sofreu clara influência dos beneditinos, ofuscada pela força de Santo Antonio (franciscano). A Villa é de Santo Antonio e Almas. O “ora et labora” é a súmula da vida monástica dos beneditinos”. Continua sendo observada em Itabaiana.
Por falar em influência espanhola, o Largo São Francisco em São Cristóvão é arquitetura espanhola (comprovada); como a padroeira, Nossa Senhora da Vitória, que protegeu os espanhóis na batalha de Lepanto.
O que tornou São Cristóvão patrimonio cultural da humanidade, foi o modelo de urbanização espanhola, dos tempos da União Ibérica.
Nas fotos antigas de Itabaiana, antes dos canteiros, do coreto, das fontes luminosas e da arborização, fica claro o grande vazio retangular em torno da Igreja (o largo mouro), da Praça Fausto Cardoso.
Um modelo de urbanização moura, trazida pelos espanhóis. A ideia de cidadela, seguiu as cidades muradas, no imaginário de segurança contra invasores. No Brasil, talvez, por medo dos índios.
Antonio Samarone. Secretário de Cultura de Itabaiana.
domingo, 15 de dezembro de 2024
ITABAIANA, 350 ANOS. VICENTE DE BELO.
Itabaiana, 350 anos - Vicente de Belo.
(por Antonio Samarone)
A farinha de mandioca de Itabaiana, ainda é a melhor do Nordeste. Virou marca de qualidade. Hoje, essa tradição estendeu-se pelo Agreste sergipano. Do Tipiti dos Tupinambás a farinha pó do Rio das Pedras, foram séculos de avanços tecnológicos.
Nas tradicionais casas de farinha, tudo era artesanal: a prensa, o rodete, o forno de barro, o rodo, a raspa, o cocho e a peneira. Em Itabaiana, quem trouxe o motor para substituir o rodete, foi Vicente de Belo.
Vicente de Belo montou uma loja, na parte térrea da casa paterna, na esquina da Rua do Cisco, com a Rua das Flores, e trouxe os motores de casa de farinha de São Paulo. Uma revolução tecnológica.
Vicente Machado Menezes (Vicente de Belo) nasceu no Pé do Veado, em 30 de novembro de 1927. Filho de Felisbelo Machado Menezes (Belo) e Cecilia Ferreira de Almeida (Cila), numa família de vários irmãos: João; Zeca; Zé Pequeno; Lourdes (Mãe do Veio Belo); Mariá; Maria Pequena (esposa de Zé de Fulosina).
Vicente se criou nas terras do pai, como todos os meninos da roça. Tomou muita mordida de formiga preta, ou seja, trabalhou na enxada. Frequentou a escola de Dona Nalzir.
Vicente de Belo, filho de um grande pecuarista, se destacou no comércio. Foi o que se chama em Itabaiana um grande balcão, sabia vender e comprar, tinha talento para os negócios. A Casa São Vicente, continua exitosa, vendendo material elétrico/eletrônico, e derivados.
Vicente de Belo casou-se com Dona Maria Josefina Meneses (Dona Juzi), em 26 de setembro de 1963, na Igreja de Santo Antonio e Almas. Tiveram 3 filhos, dois deram continuidade ao empreendimento do pai: João Vicente e Luciene (professora).
Dona Juzi é filha de João do Volta (Pecuarista) e Dona Lucila Goes, descendente dos "Bezerras", de Frei Paulo. Ou seja, as raízes econômicas de Vicente e Dona Juzi eram a pecuária. Herdeiros dos curraleiros, que colonizaram Itabaiana, desde o século XVII.
Dona Juzi era da tradicional família dos "Voltas", pecuaristas famosos da Região. Uma família grande em Itabaiana: Antonio Fernandes (sogro do médico Marcondes); Zé Bangala; Nico; Salete; Eunice, mãe de Ivo; Luci; Bosco; Euclides; Abílio; Vadinho e Rivas (Vereador). Faltou alguém?
Vicente de Belo foi um comerciante bem-sucedido, um homem probo, conservador, temente a Deus, pacato, voltado para a família, que ajudou no desenvolvimento de Itabaiana.
Aí veio a política!
Entre o fim do Estado Novo (1945) e o Golpe Militar de 1964, o Brasil viveu um interregno democrático, onde as disputas políticas afloraram. Em Itabaiana, vivia uma transição: de uma economia de agrícola para comercial. A chegada da BR – 235 e dos caminhões, impulsionaram o comércio.
Entre 1945 e 1964, as disputas políticas em Itabaiana (PSD – Manoel Teles X UDN – Euclides Paes Mendonça), envolviam o controle do comércio atacadista. As paixões e a violência foram aos extremos). A disputa terminou em assassinatos.
Os militares acabaram os Partidos, criou a ARENA, e obrigou que adversários odientos, sentassem a mesma mesa, carregassem a mesma bandeira.
Em Itabaiana houve um acordo para chapa única: na primeira eleição (1967) a ex UDN indicaria o Prefeito e o ex PSD indicaria o Vice.
E assim foi feito. Em 1967, Vicente de Belo, um conciliador, foi indicado pela UDN e Derivaldo Correia, sobrinho de Jason Correia, pelo PSD. A vitória foi tranquila. O MDB lançou José Enio Araújo.
Vicente de Belo, tornou-se um torna-se o Prefeito (1967 a 1971) da transição, das lutas políticas em Itabaiana. Já tinha sido Vereador, por um mandato.
Nas eleições seguintes (1972), para se cumprir o acordo pacificador, inverteu-se, o ex PSD indicou Mozart Fonseca e a ex UDN, indicou Pituca de Seu Heleno, para vice.
Aqui houve uma dissidência. O novo líder político, Chico de Miguel, eleito deputado estadual em 1966, na época preso, não concordou com a chapa. Faltando 15 dias para as eleições, Chico decidiu apoiar o candidato do MDB, o alfaiate Filadelfo Araújo, que disputava sem nenhuma chance. Resultado, Chico de Miguel, preso, elegeu Filadelfo. Nasceu aí um novo chefe político, Chico de Miguel, que dominou a política de Itabaiana, por décadas.
Em 1976, as disputas políticas estavam restabelecidas em Itabaiana. Chico de Miguel elegeu o filho, Antonio Teles de Mendonça - Prefeito e José Américo Bispo - Vice, com estrondosa votação. A ARENA II, antigo PSD em Itabaiana, lançou Fernando Mendonça, filho de Etelvino.
Vicente de Belo foi uma exceção aos enfrentamentos e paixões políticas: foi Prefeito de Itabaiana, numa chapa de conciliação. Um pacificador! Fato isolado, na aquecida história politica de itabaiana.
Vicente de Belo foi eleito em 12 de março de 1967 e tomou posse em 30 de março, às vésperas do terceiro aniversário do Golpe Militar. Fez uma administração pacífica, sem ódios, voltada para realizações.
Em sua gestão, dezenas de ruas foram pavimentadas a paralelepípedo; urbanizou a Praça Fausto Cardoso (foto); construiu a Praça de Santa Cruz, com o seu monumento a Apolo 11; iniciou a construção da rede de esgoto; pavimentou o Largo Santo Antonio e o José do Prado Franco; reformou e construiu estradas vicinais para os povoados.
Em seu mandato, foi construído Estadio Presidente Médici, atual Etelvino Mendonça, pelo governador Lourival Batista.
Vicente de Belo encerrou o seu mandato de Prefeito em 31 de dezembro de 1971, retornando a sua vida privada, de próspero comerciante.
Um fato relevante: desconheço os inimigos de Vicente de Belo. Entrou e saiu da política dignamente.
Vicente de Belo faleceu em 26 de junho de 1994, aos 67 anos, após longa enfermidade.
O Prefeito Vicente de Belo, deixou um legado de paz e realizações para Itabaiana. Deixou também a Casa São Vicente e dois filhos (João Vicente e Luciene), que dão continuidade ao legado do pai.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura de Itabaiana.
(A foto é do acervo de Almeida Bispo.)
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
O DIREITO A RANZIZICE.
O Direito a Ranzinzice.
(por Antonio Samarone)
Nos últimos 50 anos, houve um empoderamento das crianças e uma perda de importância dos velhos. Eu peguei a transição: quando eu era menino, os velhos eram poucos, mas, de certa forma, pesavam socialmente.
Os meninos não tinham vontades, nem quereres. Eu envelheci e tudo mudou: os meninos se empoderaram, mandam até nos pais e nos professores. Já os velhos, viraram até uma ameaça, durante a Pandemia.
Num congresso estudantil, os jovens pediram um conselho a Nelson Rodrigues. Ele foi sucinto: - “envelheçam!”. Era a velhice ciosa da sua importância.
Me aposentei da Faculdade de Medicina, por desencanto. Ensinava “Saúde e Sociedade”. Um aluno me perguntou na primeira aula: “professor, do conteúdo de sua disciplina, o que eu posso usar como procedimento e ofertar em meu consultório?”
Percebi que estudar as relações "saúde/sociedade" estava superado. O currículo deveria ofertar o curso “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”, em convênio com o SEBRAE.
Assisti a um seminário estudantil recente, na Faculdade de Medicina da UFS, onde uma consagrada decana, experiente, professora doutora, acrescentava um exagerado comentário elogioso após cada apresentação dos alunos. Ela sabia da superficialidade, mas fazia média, jogava para a plateia, para agradar aos poderosos jovens.
“Apresentação encantadora”, repetia acriticamente a decana. São os tempos!
Aos setenta, não posso cantar como Piaf, “Non, je ne regrette rien”. Eu me arrependo de muita coisa: não gastaria tanto tempo com a política; não tinha talento; não era a minha vocação.
Entrei na política querendo consertar o mundo, deixei pior...
Fui grosseiro com muitos amigos. “Se ficaram mágoas em mim/ Mãe tira do meu coração/ E aqueles que eu fiz sofrer peço perdão.” – RC.
Me arrependo de não ter dedicado mais tempo a minha família, dedicado mais tempo a minha esposa, acompanhado mais o meu filho e tomado a minha sogra como exemplo de sabedoria. Ainda é tempo... Peço perdão, pelos erros!
Entrei na medicina por vaidade. Fiz o vestibular como um desafio. Sem cotas, o segundo grau no Murilo Braga iniciando, sem acesso ao pré-vestibular, trabalhando durante o dia, mas queria passar em um curso disputado.
Uma tia, tinha me feito um insulto: “É muita pretensão, um filho de Maria Lourdes e Elpídio, um Zé Ninguém, querendo ser médico.” Tomei como um desaforo.
Como septuagenário, em gozo dos meus direitos, abro mão do sagrado direito a ranzinzice. O direito a dizer o que se pensa, na cara do mal-assombrado, quando quiser, sem mediações, nem arrodeio.
Exercerei plenamente o direito a impaciência, concedido pelo Estatuto dos Idosos, o direito de me fazer de surdo, como proteção à enxurrada diária de bobagens.
Farei o bom uso do enfraquecimento natural da memória, facilitadora do desapego. As boas lembranças fortalecem a saudade e aos apegos à vida. Não falo do fim da memória, O fim da memória é a demência, o apagamento, a morte antecipada do espírito.
Falo dos benefícios do esquecimento seletivo da memória.
Antonio Samarone – Septuagenário.
(por Antonio Samarone)
Nos últimos 50 anos, houve um empoderamento das crianças e uma perda de importância dos velhos. Eu peguei a transição: quando eu era menino, os velhos eram poucos, mas, de certa forma, pesavam socialmente.
Os meninos não tinham vontades, nem quereres. Eu envelheci e tudo mudou: os meninos se empoderaram, mandam até nos pais e nos professores. Já os velhos, viraram até uma ameaça, durante a Pandemia.
Num congresso estudantil, os jovens pediram um conselho a Nelson Rodrigues. Ele foi sucinto: - “envelheçam!”. Era a velhice ciosa da sua importância.
Me aposentei da Faculdade de Medicina, por desencanto. Ensinava “Saúde e Sociedade”. Um aluno me perguntou na primeira aula: “professor, do conteúdo de sua disciplina, o que eu posso usar como procedimento e ofertar em meu consultório?”
Percebi que estudar as relações "saúde/sociedade" estava superado. O currículo deveria ofertar o curso “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”, em convênio com o SEBRAE.
Assisti a um seminário estudantil recente, na Faculdade de Medicina da UFS, onde uma consagrada decana, experiente, professora doutora, acrescentava um exagerado comentário elogioso após cada apresentação dos alunos. Ela sabia da superficialidade, mas fazia média, jogava para a plateia, para agradar aos poderosos jovens.
“Apresentação encantadora”, repetia acriticamente a decana. São os tempos!
Aos setenta, não posso cantar como Piaf, “Non, je ne regrette rien”. Eu me arrependo de muita coisa: não gastaria tanto tempo com a política; não tinha talento; não era a minha vocação.
Entrei na política querendo consertar o mundo, deixei pior...
Fui grosseiro com muitos amigos. “Se ficaram mágoas em mim/ Mãe tira do meu coração/ E aqueles que eu fiz sofrer peço perdão.” – RC.
Me arrependo de não ter dedicado mais tempo a minha família, dedicado mais tempo a minha esposa, acompanhado mais o meu filho e tomado a minha sogra como exemplo de sabedoria. Ainda é tempo... Peço perdão, pelos erros!
Entrei na medicina por vaidade. Fiz o vestibular como um desafio. Sem cotas, o segundo grau no Murilo Braga iniciando, sem acesso ao pré-vestibular, trabalhando durante o dia, mas queria passar em um curso disputado.
Uma tia, tinha me feito um insulto: “É muita pretensão, um filho de Maria Lourdes e Elpídio, um Zé Ninguém, querendo ser médico.” Tomei como um desaforo.
Como septuagenário, em gozo dos meus direitos, abro mão do sagrado direito a ranzinzice. O direito a dizer o que se pensa, na cara do mal-assombrado, quando quiser, sem mediações, nem arrodeio.
Exercerei plenamente o direito a impaciência, concedido pelo Estatuto dos Idosos, o direito de me fazer de surdo, como proteção à enxurrada diária de bobagens.
Farei o bom uso do enfraquecimento natural da memória, facilitadora do desapego. As boas lembranças fortalecem a saudade e aos apegos à vida. Não falo do fim da memória, O fim da memória é a demência, o apagamento, a morte antecipada do espírito.
Falo dos benefícios do esquecimento seletivo da memória.
Antonio Samarone – Septuagenário.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
SETENTA ANOS - EM BUSCA DOS ORÁCULOS.
Setenta anos – em busca dos oráculos.
(Por Antonio Samarone)
Nunca pensei em chegar aos setenta, mas cheguei! O nome é bonito: septuagenário.
Gastei parte da vida com coisas fúteis. Empunhei bandeiras utópicas. Combati o bom combate e perdi! Quase tudo. O mundo desandou por caminhos que eu acreditava superados.
Fui ateu na juventude. Acreditava que o homem era a medida das coisas. Fui discípulo do iluminismo do século XIX. Busquei o paraíso perdido. Uma ilusão.
Errei! Negar o sagrado foi uma manifestação de arrogância.
Deparei-me com três mistérios: o Cosmo, a Vida e a Consciência.
Todas as cosmogonias são metafóricas. A Terra sozinha, já é um mistério. Explicar a origem da vida quimicamente ou pelo criacionismo dos catecismos esbarram na mesma fantasia. A vida e a morte continuam misteriosas.
Por último, como explicar a origem da consciência? Talvez o mais difícil. Já acreditei que a ciência chegaria lá, seria uma questão de tempo. Se a consciência subsiste ao corpo, não sei, e desconheço quem sabe. A consciência sente, pensa, percebe e intui. É muito, para ser apenas um fenômeno da matéria organizada.
Hoje, citando Einstein, acredito no Deus de Spinoza. Deus é a harmonia do cosmo! Só que esse deus absoluto não nos socorre, nos momentos de aflição.
A alma humana, nos momentos de sofrimento, precisa de amparo. Quando precisamos de socorro, misericórdia ou proteção, buscamos as divindades interiores. Que pode ser Jesus, Javé ou Alá, Buda ou Maomé, Oxum ou Tupã, Dionisio ou Orfeu.
Sinto a complexidade da psique humana. Percebo a força do inconsciente e dos instintos, e a ação poderosa dos arquétipos. A consciência possui história, herdou resíduos arcaicos. Muita coisa está fora da compreensão humana.
Na Grécia, os doentes pediam a Asclépio, o deus da medicina, um sonho para indicar-lhes a cura.
Por mais que busquemos um comportamento racional, continuamos à mercê de forças fora do nosso controle. A ciência é impiedosa, ela não afasta a nossa inquietude.
Na reta de chegada, o objetivo central é manter o sopro da vida. Comemorar cada dia, enfrentar as contingências sem lamentações.
Quem quiser briga, aproveite até domingo. Depois, será só contemplação. A vida é um curto sonho!
Por que nos privarmos de crenças que ajudam nas crises e dão um certo sentido à vida?
Antonio Samarone – Septuagenário.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
SUCESSOS NACIONAIS.
Sucessos Nacionais.
(por Antonio Samarone)
Eu perguntava sempre a Luiz Antonio Barreto: por que Sergipe nunca projetou um nome nacionalmente famoso na música? Ele discordava! Dava exemplos que só ele conhecia. “Sabe aquela música, sucesso de Noel Rosa? O compositor é sergipano! Sabe aquela outra, e a outra,” e não parava de citar.
Luiz Antonio era uma enciclopédia de Sergipe. Eu cobrava um nome que fez sucesso no Brasil. E, se possível, sucesso internacional.
Para evitar mal entendidos, não estou dizendo que os nossos cantores e cantoras não possuam talentos, pelo contrário, muitos possuem. O que me deixa perplexo é não conseguirem a glória nacional. Eu desconheço as causas.
Um amigo baiano me perguntou: “por que os cestos de caranguejos em Sergipe são descobertos e os caranguejos não fogem?” Perguntei a um velho pescador, em Terra Caída. Ele resumiu: “em Sergipe, quando um caranguejo quer subir pelas paredes do cesto, os outros o puxam para baixo.”
Deve ser isso...
Depois de muita espera, os nomes surgiram. Não por coincidência, os dois, filhos de Itabaiana.
Quando o padre Francisco da Silva Lobo, criou uma orquestra sacra em Itabaiana (1745), por sinal, completa 280 anos, em 2025, ele não previa que a semente germinaria e a música fosse enraizada culturalmente em Itabaiana.
Quem são os dois sergipanos, sucessos nacionais inquestionáveis?
1. Erivaldo Junior Alves de Oliveira (Mestrinho).
2. Natã Lima Nascimento (Natanzinho Lima).
O primeiro, faz sucesso até entre os amantes da música clássica europeia. A classe média adora. O segundo, faz sucesso no “arrocha”, uma música das massas populares. Hoje, um nome nacional.
Os talentos só brotam em solos musicalmente férteis.
A minha tese, é que o sucesso de Mestrinho e Natanzinho começaram há 280 anos, quando o padre Francisco da Silva Lobo criou a orquestra sacra em Itabaiana.
Itabaiana é a Capital sergipana da música.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
(por Antonio Samarone)
Eu perguntava sempre a Luiz Antonio Barreto: por que Sergipe nunca projetou um nome nacionalmente famoso na música? Ele discordava! Dava exemplos que só ele conhecia. “Sabe aquela música, sucesso de Noel Rosa? O compositor é sergipano! Sabe aquela outra, e a outra,” e não parava de citar.
Luiz Antonio era uma enciclopédia de Sergipe. Eu cobrava um nome que fez sucesso no Brasil. E, se possível, sucesso internacional.
Para evitar mal entendidos, não estou dizendo que os nossos cantores e cantoras não possuam talentos, pelo contrário, muitos possuem. O que me deixa perplexo é não conseguirem a glória nacional. Eu desconheço as causas.
Um amigo baiano me perguntou: “por que os cestos de caranguejos em Sergipe são descobertos e os caranguejos não fogem?” Perguntei a um velho pescador, em Terra Caída. Ele resumiu: “em Sergipe, quando um caranguejo quer subir pelas paredes do cesto, os outros o puxam para baixo.”
Deve ser isso...
Depois de muita espera, os nomes surgiram. Não por coincidência, os dois, filhos de Itabaiana.
Quando o padre Francisco da Silva Lobo, criou uma orquestra sacra em Itabaiana (1745), por sinal, completa 280 anos, em 2025, ele não previa que a semente germinaria e a música fosse enraizada culturalmente em Itabaiana.
Quem são os dois sergipanos, sucessos nacionais inquestionáveis?
1. Erivaldo Junior Alves de Oliveira (Mestrinho).
2. Natã Lima Nascimento (Natanzinho Lima).
O primeiro, faz sucesso até entre os amantes da música clássica europeia. A classe média adora. O segundo, faz sucesso no “arrocha”, uma música das massas populares. Hoje, um nome nacional.
Os talentos só brotam em solos musicalmente férteis.
A minha tese, é que o sucesso de Mestrinho e Natanzinho começaram há 280 anos, quando o padre Francisco da Silva Lobo criou a orquestra sacra em Itabaiana.
Itabaiana é a Capital sergipana da música.
Antonio Samarone – Secretário de Cultura.
sábado, 7 de dezembro de 2024
UMA MORTE SACRIFICIAL - EDÉSIO VIEIRA DA SILVA FILHO
Uma morte sacrificial - Edésio Vieira da Silva Filho
(por Antonio Samarone)
O Dr. Edésio (66 anos), foi velado na Capela de São Miguel (foto) e sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas. Literalmente, esse exerceu a medicina como um sacerdócio. Teve como mortalha, o jaleco do Hospital das Clínicas.
São Miguel é co-padroeiro de Itabaiana. A Villa é de Santo Antonio e Almas. São Miguel é o protetor das Santas Almas do Purgatório.
O filho de Seu Edésio do Mercadinho, da Cepa de Matapoã e de Dona Regina, irmã de Seu Mauricio, bilheteiro do cinema de Zeca, morreu em paz, após um longo e profundo sofrimento.
Edésio ficou órfão de pai muito cedo. O irmão mais velho, João Andrade, que também era novo, assumiu a família de cinco irmãos pequenos e a mãe doente. Passaram por dificuldades. Fizeram de tudo para sobreviver.
A avó do Dr. Edésio, que eu esqueci o nome, uma senhorinha que só andava de preto, morreu tragicamente, atropelada por um caminhão, numa quarta-feira, em Itabaiana. No atropelamento, a avó salvou os dois netos, que estavam com ela.
Vejam o que disse o Dr. Átalo Crispim, um sábio da medicina, mas que não sabia dessa morte da avó de Edésio:
“Sei que ele morreu de uma doença degenerativa, autoimune, que caracteriza a assunção de um grave problema ligado a algum antepassado e que ele assumiu, consciente ou inconscientemente, mas não deu conta. Sua morte aos 66 anos indica uma morte sacrificial. Edésio era um personagem trágico e rico, como demonstrava em suas postagens; gostaria de tê-lo conhecido!”
Ainda criança, Edésio já era um ermitão. Nasceu coberto de religiosidade. Passava dias na grande Serra. Sozinho, nas entranhas da natureza.
Andava de mosteiro em mosteiro, buscando realizar a sua vocação sacerdotal. Certa feita, o Padre Amaral o convidou para a visita regular que ele fazia aos enfermos. Edésio o acompanhou. Na passagem pelas enfermarias do Hospital São José, Edésio viu um clarão, e ao fundo, a imagem de Dr. Pedro Moreno, o médico dos pobres, em Itabaiana.
Edésio entendeu, a sua vocação religiosa seria vivenciada junto aos doentes, como médico. E fez isso a vida inteira. Edésio formou-se na UFS, em Sergipe, mas exerceu a medicina em São Paulo. Um eterno plantonista. Um anjo para os seus pacientes.
Qualquer um doente de Itabaiana, que precisasse de tratamento em São Paulo. Bastava ligar. Conhecendo ou não, lá estava Edésio, disposto "de corpo e alma", para servir aos conterrâneos sofredores.
Não verdade, a sua medicina era um sacerdócio. Morreu sem deixar cabedais.
Nos Tempos da Covid, Edésio não arredou pé dos hospitais.
Uma jovem médica sergipana, recém-formada, foi a São Paulo fazer a residência médica. Na lide pelos corredores e enfermarias dos hospitais da grande metrópole, Clara encontrou com Edésio, que comandava o plantão. Se conheceram. Edésio quis saber quem era a recém-chegada: “sou Clara Augusta, neta de Dr. Pedro Moreno, de Itabaiana." Edésio desmanchou-se em prantos.
Dr. Edésio, sou seu irmão de destino. Sei o seu valor. Não alcanço o mistério da vida, muito menos o da morte. Seja lá o que for, você será acolhido.
Edésio deixou a viúva, Jucilene Paixão, que foi minha aluna, e uma filha.
Antonio Samarone – septuagenário!
(por Antonio Samarone)
O Dr. Edésio (66 anos), foi velado na Capela de São Miguel (foto) e sepultado no Cemitério de Santo Antonio e Almas. Literalmente, esse exerceu a medicina como um sacerdócio. Teve como mortalha, o jaleco do Hospital das Clínicas.
São Miguel é co-padroeiro de Itabaiana. A Villa é de Santo Antonio e Almas. São Miguel é o protetor das Santas Almas do Purgatório.
O filho de Seu Edésio do Mercadinho, da Cepa de Matapoã e de Dona Regina, irmã de Seu Mauricio, bilheteiro do cinema de Zeca, morreu em paz, após um longo e profundo sofrimento.
Edésio ficou órfão de pai muito cedo. O irmão mais velho, João Andrade, que também era novo, assumiu a família de cinco irmãos pequenos e a mãe doente. Passaram por dificuldades. Fizeram de tudo para sobreviver.
A avó do Dr. Edésio, que eu esqueci o nome, uma senhorinha que só andava de preto, morreu tragicamente, atropelada por um caminhão, numa quarta-feira, em Itabaiana. No atropelamento, a avó salvou os dois netos, que estavam com ela.
Vejam o que disse o Dr. Átalo Crispim, um sábio da medicina, mas que não sabia dessa morte da avó de Edésio:
“Sei que ele morreu de uma doença degenerativa, autoimune, que caracteriza a assunção de um grave problema ligado a algum antepassado e que ele assumiu, consciente ou inconscientemente, mas não deu conta. Sua morte aos 66 anos indica uma morte sacrificial. Edésio era um personagem trágico e rico, como demonstrava em suas postagens; gostaria de tê-lo conhecido!”
Ainda criança, Edésio já era um ermitão. Nasceu coberto de religiosidade. Passava dias na grande Serra. Sozinho, nas entranhas da natureza.
Andava de mosteiro em mosteiro, buscando realizar a sua vocação sacerdotal. Certa feita, o Padre Amaral o convidou para a visita regular que ele fazia aos enfermos. Edésio o acompanhou. Na passagem pelas enfermarias do Hospital São José, Edésio viu um clarão, e ao fundo, a imagem de Dr. Pedro Moreno, o médico dos pobres, em Itabaiana.
Edésio entendeu, a sua vocação religiosa seria vivenciada junto aos doentes, como médico. E fez isso a vida inteira. Edésio formou-se na UFS, em Sergipe, mas exerceu a medicina em São Paulo. Um eterno plantonista. Um anjo para os seus pacientes.
Qualquer um doente de Itabaiana, que precisasse de tratamento em São Paulo. Bastava ligar. Conhecendo ou não, lá estava Edésio, disposto "de corpo e alma", para servir aos conterrâneos sofredores.
Não verdade, a sua medicina era um sacerdócio. Morreu sem deixar cabedais.
Nos Tempos da Covid, Edésio não arredou pé dos hospitais.
Uma jovem médica sergipana, recém-formada, foi a São Paulo fazer a residência médica. Na lide pelos corredores e enfermarias dos hospitais da grande metrópole, Clara encontrou com Edésio, que comandava o plantão. Se conheceram. Edésio quis saber quem era a recém-chegada: “sou Clara Augusta, neta de Dr. Pedro Moreno, de Itabaiana." Edésio desmanchou-se em prantos.
Dr. Edésio, sou seu irmão de destino. Sei o seu valor. Não alcanço o mistério da vida, muito menos o da morte. Seja lá o que for, você será acolhido.
Edésio deixou a viúva, Jucilene Paixão, que foi minha aluna, e uma filha.
Antonio Samarone – septuagenário!
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
SÓ É VELHO QUEM QUER.
Só é velho quem quer!
(por Antonio Samarone).
Uma das chatices para os idosos é a Saúde. Todos têm um conselho, uma regra, uma disciplina a sugerir: não coma isso, não faça aquilo, cuidado com as quedas, faça um check-up, faça exercícios, controle a glicemia, evite gorduras e doces... Tudo, numa ladainha interminável.
Já existe um dispositivo intradérmico, on-line, que controla a pressão, batimentos cardíacos, frequência respiratória, níveis de colesterol e açúcar no sangue, passos, cochilos, ingestão hídrica, sudorese, peidos e bufas, roncos e pesadelos. Ao final do dia, o aplicativo emite um relatório, com gráficos, tabelas e análises dos riscos.
Deixar de cumprir qualquer item obrigatório da ciência médica, coloca o idoso no banco dos réus, na qualidade de culpado, por suas mazelas. A morte precisa nos encontrar saudáveis.
A surdez torna-se uma graça para os idosos. A perda de memória seletiva um alívio, que facilita a convivência social. A tradicional pergunta: “lembra-se de mim?”, que a gente responde por educação: “sim!”, e o chato insiste: “como é o meu nome?”. A idade nos desobriga de responder a essas inconveniências.
A medicina tem um catecismo de vida saudável. Tudo, sob a chancela de verdades cientificas. A velhice é a maior fonte de renda para a medicina: 80% dos gastos com a saúde são proporcionados pelos idosos.
Os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários estão em declínio no Brasil. Em 2003, a lei 10.741, instituiu o “Estatuto da Pessoa Idosa”, garantindo dez direitos fundamentais, entre eles o da Saúde. O Estatuto, só não garantiu o direito à salvação da alma.
O Estatuto do Idoso criou, no papel, um Brasil paradisíaco para os velhos. Hipócrates, o pai da medicina ocidental, considerava que a senilidade chegava aos 50 anos. Hoje, a lei elevou para 80 anos.
Claro, essa lei não pegou. Desta, conquistamos apenas o direito às filas especiais em supermercados, bancos e aeroportos. Filas geralmente mais lentas. O direito a viajar gratuitamente e sentados nos transportes coletivos. E mais, uma ou outra bobagem.
Recentemente, um Senador da República, por Sergipe, apresentou um projeto de lei, obrigando os Planos de Saúde a oferecerem uma linha telefônica exclusiva aos segurados idosos. Os direitos sociais dos idosos viraram bagatelas.
A ideologia da eterna juventude nega a velhice: só é velho quem quer. Esta negação, tornou difícil a empatia dos mais jovens. A velhice e a morte são afastadas da reflexão, escondidas, negadas.
Não existe interesse pelas experiências dos que estão envelhecendo.
Os velhos não são mais os depositários da Cultura e da Sabedoria. Nos últimos 50 anos, houve um empoderamento das crianças e dos jovens, e uma perda de importância dos velhos. A experiência de vida é vista como um autoengano.
Pessoalmente, o idoso precisa suportar a medicalização da sua velhice pacientemente. Senti-la como um benefício.
A medicalização da velhice é uma forma de supressão da identidade pessoal.
O carimbo de paciente é despersonalizante. O controle é compulsivo e as regras de comportamentos, impostas.
Antonio Samarone – Septuagenário.
(por Antonio Samarone).
Uma das chatices para os idosos é a Saúde. Todos têm um conselho, uma regra, uma disciplina a sugerir: não coma isso, não faça aquilo, cuidado com as quedas, faça um check-up, faça exercícios, controle a glicemia, evite gorduras e doces... Tudo, numa ladainha interminável.
Já existe um dispositivo intradérmico, on-line, que controla a pressão, batimentos cardíacos, frequência respiratória, níveis de colesterol e açúcar no sangue, passos, cochilos, ingestão hídrica, sudorese, peidos e bufas, roncos e pesadelos. Ao final do dia, o aplicativo emite um relatório, com gráficos, tabelas e análises dos riscos.
Deixar de cumprir qualquer item obrigatório da ciência médica, coloca o idoso no banco dos réus, na qualidade de culpado, por suas mazelas. A morte precisa nos encontrar saudáveis.
A surdez torna-se uma graça para os idosos. A perda de memória seletiva um alívio, que facilita a convivência social. A tradicional pergunta: “lembra-se de mim?”, que a gente responde por educação: “sim!”, e o chato insiste: “como é o meu nome?”. A idade nos desobriga de responder a essas inconveniências.
A medicina tem um catecismo de vida saudável. Tudo, sob a chancela de verdades cientificas. A velhice é a maior fonte de renda para a medicina: 80% dos gastos com a saúde são proporcionados pelos idosos.
Os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários estão em declínio no Brasil. Em 2003, a lei 10.741, instituiu o “Estatuto da Pessoa Idosa”, garantindo dez direitos fundamentais, entre eles o da Saúde. O Estatuto, só não garantiu o direito à salvação da alma.
O Estatuto do Idoso criou, no papel, um Brasil paradisíaco para os velhos. Hipócrates, o pai da medicina ocidental, considerava que a senilidade chegava aos 50 anos. Hoje, a lei elevou para 80 anos.
Claro, essa lei não pegou. Desta, conquistamos apenas o direito às filas especiais em supermercados, bancos e aeroportos. Filas geralmente mais lentas. O direito a viajar gratuitamente e sentados nos transportes coletivos. E mais, uma ou outra bobagem.
Recentemente, um Senador da República, por Sergipe, apresentou um projeto de lei, obrigando os Planos de Saúde a oferecerem uma linha telefônica exclusiva aos segurados idosos. Os direitos sociais dos idosos viraram bagatelas.
A ideologia da eterna juventude nega a velhice: só é velho quem quer. Esta negação, tornou difícil a empatia dos mais jovens. A velhice e a morte são afastadas da reflexão, escondidas, negadas.
Não existe interesse pelas experiências dos que estão envelhecendo.
Os velhos não são mais os depositários da Cultura e da Sabedoria. Nos últimos 50 anos, houve um empoderamento das crianças e dos jovens, e uma perda de importância dos velhos. A experiência de vida é vista como um autoengano.
Pessoalmente, o idoso precisa suportar a medicalização da sua velhice pacientemente. Senti-la como um benefício.
A medicalização da velhice é uma forma de supressão da identidade pessoal.
O carimbo de paciente é despersonalizante. O controle é compulsivo e as regras de comportamentos, impostas.
Antonio Samarone – Septuagenário.
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