Ateu e à-toa... (por Antônio
Samarone)
Itabaiana sempre foi uma terra de
carolas, papa-hóstias, com poucos ateus declarados. O ateísmo era uma aposta
arriscada. E se Deus existisse? Os descrentes preferiam a dúvida, ou até mesmo
uma crença da boca para fora. Nesse campo dominava o oportunismo: é melhor
acreditar, pois existindo a gente está coberto.
Itabaiana respirava Trento. Um
terra de muitos padres e freiras.
Ateu por convicção, materialista
puro-sangue, só Zeca Cego, camponês e comerciante, que nasceu e se criou num
sítio, perto do povoado Cova da Onça. Em Itabaiana existiam agnósticos,
céticos, epicuristas, indiferentes, panteístas, maçons, macumbeiros, niilistas,
excomungados, incrédulos, hereges, mas ateu mesmo, só ele.
Zeca Cego era um típico ateu de aldeia.
Um ateísmo visceral, solitário! Um Aldeão que leu Hegel e Feuerbach, Marx e Lenine,
e mandou cunhar no frontispício de sua casa: “A religião é o ópio do povo.”
Zeca Cego nunca recebeu um
sacramento, nem por formalidade. Era pagão e se casou só no civil. Ele era um convicto,
um missionário do ateísmo: “Graças a Deus, Deus não existe”. Seu Zeca citava
Bakunin: “Se Deus realmente existisse, era preciso fazê-lo desaparecer.”
Posso afiançar que se o manifesto
de Zeca Cego tive sido publicado naquele tempo, ele teria sido excomungado em
Santa Missão. E a Congregação para a Doutrina da Fé tinha ratificado. Condenaram
Leonardo Boff por bem menos.
De lá para cá, o ateísmo cresceu.
Dom Orani João Tempesta, cardeal brasileiro, disse a semana passada que o
Brasil corre o perigo de se tornar país ateu. O religioso sabe o que está
falando.
Zeca Cego, quando jovem,
embrenhou-se na leitura dos filósofos iluministas, livros emprestados pelo Dr.
Florival. Uma leitura apressada, confusa, mas o suficiente para ele acreditar
na razão. Ele repetia com frequência: “Deus não existe, se ele existisse, isso
seria evidente e notório. Não haveria mistérios, tudo seria as claras.”
Zeca Cego repetia a tese central
do ateísmo: “Como é que um ser tão perfeito criou um universo tão miserável,
tão cheio de males, vícios e maldades, em que os homens sofrem e morrem?” Por mais
que Santo Agostinho tenha explicado, Zeca Cego nunca se convenceu.
Por que Deus concede a sua graça
a alguns e não a todos? Essa pergunta, Zeca Cego repetia obsessivamente. Ele assimilou
do Manifesto do Abade Jean Meslier, que datava de 1729. Não sei como esse
manifesto chegou as mãos dele.
O movimento dos Sem Deus nunca prosperou
em Itabaiana.
Uma pena que Zeca Cego não tenha lido
Nietzsche, pelo menos não comentou em seu manuscrito. “Deus está morto e nos o
matamos. Com que água haveremos de nos purificar?
“Frustrado de mil maneiras por
seus limites diante da natureza, da sociedade e da morte, o homem deve
sobrepujar seus sofrimentos pela crença na imortalidade bem-aventurada. Disso
nascem as necessidades religiosas.” – Freud.
Se Deus não existisse, seria
preciso inventá-lo.
Antônio Samarone.
Magnífico texto. Eu como ateu me senti representado por Zeca Cego.
ResponderExcluirParabéns professor Samarone.