O Fim do Sono. (por Antônio Samarone)
A celebre frase de John Lennon,
“o sonho não acabou”, perdeu a validade?
A vida cotidiana está se
rompendo. Os incansáveis esforços da ideologia neoliberal em criar mercado a
partir de qualquer coisa está avançando. Agora é a vez do sono...
Ivo Antônio (51 anos) é químico. Desempregado.
Trabalhou muito tempo numa empresa terceirizada. Sempre foi sindicalizado,
combativo, sempre brigou por seus direitos trabalhistas. Nunca abriu mão de
nada.
Ficou três anos desempregado, fazendo
bico. Vivendo com o salário da mulher, professora da rede municipal de
Laranjeiras. Os dois filhos, casados, passaram a ajudar em casa.
Ivo Antônio desabou, viu a sua
dignidade ir de águas abaixo. Bateu uma tristeza profunda. Só dormia com tarja
preta. Pensou seriamente em suicídio.
Ontem chamei um Uber para ir à
UFS. Uma surpresa, Pedro Ivo era o motorista. Depois dos salamaleques de práxis,
começamos um papo. E aí, meu amigo, tá gostando de trabalhar na Uber?
"Muito! Deixei de ser trabalhador,
virei empresário de mim mesmo. Estou na batalha 14 horas por dia, mas satisfeito.
Não tenho patrão. Ninguém manda em mim. Transformei a insônia em trabalho. Estou
superando a barreira do sono, para aproveitar integralmente o tempo para ganhar
dinheiro."
Eu não aguentei: o que as granjas
fazem com os pintos?
Ele reagiu: “você continua
comunista? A disponibilidade para consumir, trabalhar, compartilhar, responder,
curtir, 24 horas por dia, 7 dias por semana, pode ser a salvação da economia.”
"Já existem pesquisas científicas
buscando a fórmula para criar o homem sem sono. Embora o sono não possa ser
completamente eliminado, pode ser profundamente atingido. Será a última
fronteira a ser ultrapassada pela ação do mercado, disse-me ele."
Pedro Ivo está mudado, perdeu a esperança no próximo, na utopia de uma sociedade mais justa, e me revelou
convicto: “votei em Bolsonaro e não estou arrependido. Só o individuo existe, é cada um por si. Quando eu estava desempregado os companheiros desapareceram. Nem telefonema recebia."
Misericórdia!
Fiquei pensando, o capitalismo pôs
moderno está empurrando a humanidade para uma aventura. Uma sociedade do
cansaço da alma, da falta de esperança, onde o hiper consumo é o único caminho
para a felicidade.
Eu conhecia estudos sobre o sono como formas
mais eficazes de tortura e sobre a criação de um estado de vigilância mais
duradouro, restritos ao campo das técnicas militares. Hoje querem atingir o
sono dos trabalhadores e dos consumidores. Não sabia.
O fim da importância do universo
onírico do sono, ameaçado pelas visões atuais que “tratam o sono e sonho como
um mero ajuste da sobrecarga da vigília”.
Tudo vira um ativo rentável. O
sono (ou a sua falta), já é rentável para a indústria farmacêutica. Agora vai
ser monitorado para gerar lucro, mais valia. O sono está sendo estudado, classificado,
medido, rastreado, medicalizado a fim de aproveitá-lo ao máximo no menor tempo
possível.
Antônio Samarone.
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