A Solidão Voluntária
(Parte I) (por Antônio Samarone).
Peregrinando
pelas redondezas do Raso da Catarina, conheci o Frei Romeu, um velho
franciscano do Sertão da Bahia. Conversa vai, conversa vem, eu quis saber se a
vida de frade era muito solitária. Ele me respondeu com uma conferência.
O Frei Romeu
começou a conversa pela bíblia:
Logo após a criação,
em pouco tempo, Deus identificou que não era bom que o homem vivesse só e lhe
arrumou uma companhia. A solidão já nasceu malvista.
O homem da
caverna vivia coletivamente, não era possível o isolamento, por uma questão de
segurança. O homem não podia afastar-se da horda, do bando, do clã, da tribo,
da aldeia. Nem os deuses estavam só, viviam no Olimpo.
A solidão era
própria dos mitos e dos heróis. O indivíduo é efêmero, só o coletivo possui
permanência e estabilidade. O filosofo grego era um homem da praça pública.
Para Aristóteles o homem é um animal social e político.
A solidão não
era bem vista nem pelo paganismo, nem pelo antigo testamento. Em Roma a solidão
era a punição por um crime: o exilium...
A solidão só ganhou
prestígio com o cristianismo. Eu sou um eremita, adoro a solidão, disse-me o
velho frade cheio de fé.
E continuou:
Sou devoto de João
Batista, um eremita adorado. João se vestia com peles de camelos, com um cinto
de couro em volta dos rins e alimentava-se de gafanhotos e mel selvagem. Jesus era
atraído pelo deserto, e se isolou por 40 dias, onde foi tentado pelo Satanás.
Sempre rezava sozinho.
A partir do
século III era comum a procura da vida no isolamento do deserto. Uma leva de
eremitas e anacoretas vagavam penitentes. Monges do deserto passaram a atrair
multidões. Hoje é diferente, eu vivo quase só.
A igreja sempre
desconfiou desses solitários, e por isso estimulou a criação da vida monástica.
Levar a vida ascética, afastada, mas não sozinhos. Criou-se os mosteiros e a
ordens religiosas. Uma solidão sob vigilância.
A grande
doença dos eremitas é a acídia, talvez o que chamamos hoje de depressão. O solitário
obcecado pela acídia fixa os olhos na janela e a sua imaginação lhe pinta um
visitante fictício; uma ranger da porta o faz saltar; ouvindo vozes; prostrado,
com uma tristeza irracional.
A partir do século
V, a Igreja começou a condenar as pessoas a exclusão da vida comum dos cristão.
Surge e excomunhão. A solidão involuntária. A sansão era reservada aos Bispos.
O excomungado era rejeitado pela comunidade dos vivos e dos mortos, ele perdia até
o direito a uma sepultura sagrada.
Outros foram
excluídos por sentenças judiciárias. Os prisioneiros confinados nas masmorras e
calabouços, numa solidão até a morte. Apesar do esvaziamento das prisões na
idade média. Havia a preferência por outras penas: mutilações, marcas com ferro
em brasa, fogueira, forca, esquartejamento, decapitação.
Por volta do
Século XV, com o renascimento, surgiu a solidão humanista. Petrarca publicou
“De vita solitária”, uma apologia a solidão. “A multidão urbana é um rebanho
depravado, a vida rural é sadia e virtuosa”, escreve ele. A solidão humanista
era opção de intelectuais ricos. Era o nascimento do individualismo.
A Reforma
Protestante reforçou as bases do individualismo. Cada crente passou a se
considerar um eleito.
O Frei Romeu é
um homem culto, antes de assumir a vida religiosa foi professor de filosofia em
Bucareste. Ele é de família ucraniana.
E continuou:
A biblioteca
de Montaigne, no andar superior de uma torre do seu castelo, era um santuário,
um lugar elevado da solidão humana, onde ele penetrava com uma alegria não
dissimulada. A solidão era um luxo.
Com o
humanismo, a Renascença e a Reforma a solidão passou a ser vista positivamente.
Os aspectos penitencial e ascético foram substituídos pela visão reconfortante
e voluntária.
Era a ascensão
do individualismo.
Depois eu
conto o resto da conversa com o Frei Romeu.
Antônio
Samarone.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirViver é solitário, por mais que se esteja acompanhado. No máximo, um compartilhar de solidões disfarçadas de companheirismo. É que se pode viver sozinho, sozinho; ou sozinho, acompanhado. E muitas vezes, apesar de se estar sozinho, uma multidão se apodera do espaço objetivamente solitário do aspirante da solitude e este fica à deriva, sem saber o rumo certo a tomar pra chegar no silêncio verdadeiro. Outras vezes, há tanto barulho ao derredor que faz com que, sem mais nem menos, um dinâmico e avassalador Silêncio finque pé se torne a mais preciosa das companhias... É, meu amigo! O Homem é, de fato, um ser social. Com ou sem outros homens...
ResponderExcluirViver é solitário, por mais que se esteja acompanhado. No máximo, um compartilhar de solidões disfarçadas de companheirismo. É que se pode viver sozinho, sozinho; ou sozinho, acompanhado. E muitas vezes, apesar de se estar sozinho, uma multidão se apodera do espaço objetivamente solitário do aspirante da solitude e este fica à deriva, sem saber o rumo certo a tomar pra chegar no silêncio verdadeiro. Outras vezes, há tanto barulho ao derredor que faz com que, sem mais nem menos, um dinâmico e avassalador Silêncio finque pé e se torne a mais preciosa das companhias... É, meu amigo! O Homem é, de fato, um ser social. Com ou sem outros homens...
ResponderExcluirViver é solitário, por mais que se esteja acompanhado. No máximo, um compartilhar de solidões disfarçadas de companheirismo. É que se pode viver sozinho, sozinho; ou sozinho, acompanhado. E muitas vezes, apesar de se estar sozinho, uma multidão se apodera do espaço objetivamente solitário do aspirante à solitude e este fica à deriva, sem saber o rumo certo a tomar pra chegar no silêncio verdadeiro. Outras vezes, há tanto barulho ao derredor que faz com que, sem mais nem menos, um dinâmico e avassalador Silêncio finque pé e se torne a mais preciosa das companhias... É, meu amigo! O Homem é, de fato, um ser social. Com ou sem outros homens...
ResponderExcluirKkk
ResponderExcluirSolitariamente, vozes internas me pediram pra ir burilando as concordâncias do texto inicial... É que fui me precipitando barulhentamente e publicando sem fazer as necessárias correções.😀
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