quarta-feira, 6 de junho de 2018

Os Reitores e os Generais...


Os Reitores e os Generais.
Texto: João Augusto Gama
João Cardoso do Nascimento Junior era o Reitor da incipiente Universidade Federal de Sergipe (UFS) quando da edição do ato institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968. A Universidade havia sido instalada em sessão solene no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe em maio daquele ano. Poucos dias antes o estudante Edson Luís fora assassinado no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, pelas forças da repressão, provocando uma onda de indignação e protestos em todo o Brasil. Aracaju não ficou de fora e o Movimento Estudantil organizou uma passeata de repúdio que culminou com uma missa campal no parque Teófilo Dantas.
Em agosto de 1968, com o apoio do Reitor, o Movimento Estudantil criou e instalou o Diretório Central dos Estudantes, fazendo no mesmo mês as eleições diretas para a sua primeira diretoria. Em 12 outubro, quando da realização do XXX Congresso Estudantil da UNE, a repressão fecha o Congresso e prende no Presídio Tiradentes, em São Paulo, toda a liderança estudantil do país, incluindo a bancada de Sergipe que solta 15 dias depois retorna à Sergipe para ser presa em dezembro, após a edição do ato institucional nº 5, sendo liberada em janeiro de 1969.
O Reitor João Cardoso era um humanista e com a sua maneira educada que transmitia tranquilidade não se deixava intimidar pelos militares. Após a edição do AI 5 as pressões da 6ª Região Militar em Salvador para que o Reitor usasse o decreto 477 que lhe dava poderes para expulsar os estudantes enquadrados na Lei de Segurança Nacional eram insuportáveis. Discreto e calmo, mas sofrendo muito, o Reitor ganhava tempo para que os estudantes se formassem. Diariamente o Reitor João Cardoso enfrentava uma batalha silenciosa, às vezes nem tanto, para evitar que a jovem universidade federal de Sergipe fosse instrumento do ódio fascista.
O general Abdon Sena era o poderoso comandante da 6ª Região Militar em Salvador a quem o comando militar em Sergipe era subordinado hierarquicamente. Nada acontecia em Sergipe sem a chancela da 6ª Região Militar. Os atos mais rotineiros da vida administrativa eram considerados assuntos de segurança Nacional. Nomeações de juízes, transferências de servidores, todo passava pelo crivo militar.
Na Bahia, o General Abdon Sena, às vésperas do Natal de 1969, enviou um ofício cheio de indignação ao governador Luiz Viana Filho mandando que ele apreendesse toda a edição da obra poética de Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, organizada por James Amado e financiada pelo governo da Bahia. Dizia o general no seu comunicado que Gregório de Matos era considerado inimigo do exército brasileiro por ser ¨subversivo, anticlerical e imoral¨. O general Abdon Sena vociferava tais bobagens, menos por ser fascista, do que por pura ignorância. Inimigo das letras, não conhecia o general nada obra do grande poeta baiano falecido há mais de três séculos.
Na década de trinta do século passado, durante a Guerra Civil Espanhola (1936/1939), Miguel de Unamuno era o Reitor da Universidade de Salamanca, uma das mais antigas universidades da Europa. Filósofo, humanista, Unamuno no princípio apoiara as forças nacionalistas do general Franco contra a jovem república, mas não podia aceitar os assassinatos de Casto de Prieto, prefeito de Salamanca e do grande poeta Federico Garcia Lorca.
No dia 12 de outubro, em comemoração ao dia da descoberta da América, realizou-se na Universidade de Salamanca o Festival da Raça Espanhola. O incidente é bastante conhecido como símbolo do fascismo e sua intolerância. Estavam presentes no palco, entre outros, a esposa de Franco, o bispo de Salamanca e o professor Francisco Maldonado que fez um violento discurso contra o nacionalismo basco e catalão que precisava ser ¨curado com bisturi do fascismo¨. Na sala alguém gritou, ¨viva la muerte¨. O general Millán Astray que tinha apenas um braço e um olho, líder da falange, acompanhou o grito necrófilo: ¨viva la muerte¨.
O filósofo Miguel de Unamuno levantou-se e disse que não podia calar-se. “Às vezes ficar em silêncio é mentir¨. Enfrentando o fascismo e os fascistas cara a cara, Unamuno disse que a Universidade é o Templo do Saber ele o seu sumo-sacerdote. É o senhor que profana este recinto sagrado. O senhor vencerá porque tem a força bruta mais que suficiente. Mas não convencerá. Pois para convencer precisará do que lhe falta: a razão e o direito em sua luta. Considero inútil exortar o senhor a pensar na Espanha”.
Dizem que o general Franco lamentou Miguel de Unamuno não ter sido fuzilado, fato que só não aconteceu , comentam os historiadores, pela presença da esposa de Franco no recinto. Pouco tempo depois, destituído do cargo de Reitor, Miguel de Unamuno morreu no isolamento.
O Reitor João Cardoso do Nascimento Júnior fez da Universidade Federal um Templo do Saber. Resistiu. Nenhum estudante foi expulso. Fato único entre as universidades públicas brasileiras. Tal como Miguel de Unamuno foi seu Sumo-Sacerdote. A Universidade Federal de Sergipe, através da coragem do seu Reitor João Cardoso, reagiu à intolerância.

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