terça-feira, 15 de agosto de 2023

VOZES DAS SECAS

 Vozes das secas...
(por Antonio Samarone)

Recebi do talentoso escritor Robério Santos, um livro com um título estranho: 77.15.32. Isso mesmo. De primeira, não conseguir decifrar o enigma. Se o título fosse pelo menos por extenso: setenta e sete, quinze e trinta e dois, ficaria mais fácil.

O Quinze foi o primeiro romance de Rachel de Queiroz, publicado em 1930. O Quinze de Rachel, conta a história de Chico Bento e Cordulina, um casal de retirantes que foge seca de 1915.

Li Rachel na adolescência, na biblioteca da Igreja.

Robério Santos é ponta de rama da brava família dos Cearás, gente que fugia de todas as secas. Gente, que há muito tempo, estabeleceu-se na Cruz do Cavalcante, em Sergipe.

Pensei: 77.15.32 deve falar sobre as secas de 1877 (a seca de mil dias), 1915 e 1932. Quando menino, ouvi histórias miserentas sobre a seca de 32.

Acertei! É um livro sobre as secas no Ceará e os seus retirantes. Um tema esquecido. Hoje se fala mais em aquecimento global e enchentes.

Robério sabe quase tudo sobre o cangaço, tem um canal no Youtube, muito bem frequentado, chamado o Cangaço na Literatura. Descobri que também sabe sobre as secas.

Robério Santos, em seu livro corajoso, esmiúça sobre a criação de campos de concentração, durante a seca de 1932. Espaços fechados de segregação, campo de esfomeados, os Currais do Governo. Confesso a minha ignorância sobre o tema. Isso não se ensina nas escolas.

“O único bicho que não se come é urubu. Já tentaram comer? Teve gente que tentou, mas demorou mais de cinco horas para cozinhar e nem dava para comer direito. Ô bicho fedorento!” – um trecho do livro de Robério Santos.

O livro de Robério não é de história, não é tese de faculdade, não é um ensaio, não é também o que vocês estão pensando. E é o que, um Romance?

Não sei! Só sei que o livro é bem escrito. Ele escreve em linguagem literária, indo além do texto jornalístico, que informa sem emoção.

Sugiro aos meus amigos letrados, que vivem em lançamentos de livros, em saraus, em debates intermináveis nas Academias, à procura de talentos, mendigando um bom texto, um bom capítulo, um parágrafo, pelo menos uma frase genial.

O livro de Robério Santos é bom. O texto é agradável. Uma história de Henedina e Trajano, no furação das secas.

O livro trata das secas cearenses, mas descobri, por fotos publicadas, que o poço artesiano da Praça da Igreja, em Itabaiana, onde hoje tem um coreto, foi um cata vento construído na seca de 1932.

Uma desesperada busca por Água. A água de Itabaiana deu salobra, não prestava nem para lavar roupa, nem para banho. O sabão de soda não espumava e os cabelos endureciam.

Cansei de tomar banho com essa água dura. Não tinha outra.

O livro 77.15.32. de Robério Santos é uma exceção, no apagado e pachorrento mercado editorial de Sergipe.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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