terça-feira, 15 de agosto de 2023

ALONSO QUIJANO

 Alonso Quijano.
Por Antonio Samarone.

“Dom Quixote investe contra gigantes ameaçadores, que são apenas moinhos de vento. Liberta pobres injustiçados, que na realidade são bandidos e malfeitores irrecuperáveis; enfim, sai pelo mundo disposto fazer justiça, mas favorece o injusto, a consertar os erros, e mais os agrava que os conserta.” – Ferreira Gullar.

Lembrei-me do camarada Leozinho.

Leozinho pertence a segunda geração de militantes avermelhados, em Itabaiana. Desde cedo, empunhou a lança do combate à burguesia. Leu os textos proibidos, frequentou as células clandestinas, correu riscos, combateu o bom combate.

Na década de 1980, ajudou a fundar o PT. Integrou as suas hostes, enquanto o Partido era dos Trabalhadores. Leozinho professava a ética de princípios, numa concepção Weberiana. Não se tratava de radicalismos, mas de coerência.

Leozinho foi do PT quando se pagava para ser militante, deixou o Partido, quando a militância passou a ser remunerada.

Leozinho nunca transigiu, nunca conciliou, nunca fez conchavos. Pagou com o isolamento, com a exclusão, com o ostracismo. A sua presença era uma sombra para os carreiristas.

Leozinho era o nosso Dom Quixote.

Leozinho sucedeu a Tonho de Doci, Zé Martins, Nilo Alfaiate, Raimundo de Felismino, Zeca Cego, João Barraca, Faustino, entre outros, que sonharam com uma revolução proletária, numa terra de artesões e camponeses.

É evidente que Leozinho não teve sucesso em sua vida política. Remava sempre contra.

Sou testemunha, nunca soube de uma indignidade praticada por Leozinho. Podiam acusá-lo de inconveniência, ranzinzice, mau humor, intransigência, nunca de oportunismo.

Eu sei, oportunismo virou esperteza, quase uma virtude, mas não era. Os oportunistas eram desprezados pelos militantes, até descobrirem que dava certo, que era um caminho pavimentado para o sucesso político.

Há muito que não ouvia falar de Leozinho. Recolheu-se a vida privada, para envelhecer com dignidade. Escapou a Peste da Covid.

Ontem, fui visitar a Ermida de Santa Dulce dos Pobres, ao pé da grande Serra, e reencontrei Leozinho. Barbudo, hábito e alpargatas franciscana, um cruz de madeira no peito, e muita paz no coração.

Irmão Leozinho! Cumprimentei-o sem pensar, na emoção. Ele respondeu, a paz do senhor, irmão Samarone. Estávamos ali, aos pés da Santa Dulce dos Pobres. Leozinho manteve a coerência, até na devoção.

Leozinho, na reta final, imita o Ingenioso Hildalgo de la Mancha, do romance de Cervantes. Reconheceu a ilusão de tentar construir um paraíso na Terra, e voltou aos braços do divino, ao ninho da igreja.

Leozinho, por princípios, tornou-se devoto de Santa Dulce dos pobres. Espero reencontrá-lo no próximo domingo, dia 06 de agosto, na peregrinação da Santa, em Itabaiana (cidade dos milagres).

“Senhores - disse Dom Quixote – vamos passo a passo, pois nos ninhos de outrora já não há pássaros agora. Eu estive louco e já estou em meu juízo perfeito, fui Dom Quixote de la Mancha, agora sou, como já disse, Alonso Quijano.”

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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