Drogas: a dupla moral.
Fui a um aniversário e tomei um
susto, com a variedade e a quantidade de bebidas alcoólicas servidas. Sem
exagero, os garçons passavam a cada 3 minutos: querem o que, uísque, vinho ou
cerveja? Mesmo assim, não ficava copo cheio na mesa.
Eu fiquei acanhado para dizer que
não usava álcool, e achei de comentar baixinho: eu não uso nenhum psicotrópico,
e que se precisasse usar, preferiria a maconha, pelos reduzidos agravos a
saúde. Assanhei uma caixa de maribondos...
A turma reagiu: maconha, que
horror! O mais exaltado, um médico, bolsonariano até a alma, esbravejou:
maconha, isso é coisa de comunista! O pau quebrou. De comunista? O doutor não
se conteve, e levou a discussão para a política: se não bastasse a ideologia de
gênero, a partidarização das escolas; agora vem você com essa asneira de legalizar a
maconha. O Capitão tá chegando, para botar ordem nesse país. Eu nem tinha
falado em legalizar nada, nem tinha interesse em discutir política.
Mas aquilo me incomodou e cair na
besteira de aprofundar o debate. Disse ser uma grande hipocrisia, uma dupla
moral. Como o álcool, extremamente lesivo à saúde, tinha o seu uso festejado,
estimulado, tornado quase obrigatório em alguns eventos; e a maconha, usada até
como remédio, era amaldiçoada, considerada a “erva do demônio”, e duramente
proibida.
A turma de fogo, e eu sóbrio.
Vejam as minhas chances nesse debate. Falava-se três ou quatro de cada vez,
todos aos gritos. A racionalidade sufocada pela paixão política. Cheguei a
suspeitar que Bolsonaro, comparado com a sua base, não é tão de ultra direita
assim.
Tentei sair da política e voltar para a
discussão das drogas. Apelei para uma narrativa de sanitarista. Gente, deixe eu
falar! Me levantei, aumentei o tom da voz, e abri fogo:
O álcool etílico, etanol ou
“spiritus vini” é quimicamente o (C2 H5 OH). Uma droga que se move facilmente
através das membranas celulares. O álcool é o único psicotrópico de livre uso
no Brasil.
Tem mais, além do etanol, são
encontrados nas bebidas alcoólicas, outros produtos de sua maturação ou
fermentação, como metanol, butanol, aldeídos, esteres, histaminas, fenóis,
ferro, chumbo e cobalto, que são, em grande parte, responsáveis pela
diferenciação de sabor entre os tipos de bebidas.
Fui vomitando dados: segundo o
Ministério da Saúde, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas é crescente no
Brasil. A prevalência em 2006 era de 15,7%; elevando-se para 19,1%, em 2017.
Trocando em miúdos: 19% da população consome álcool abusivamente no Brasil. O
álcool sozinho, faz mais estragos que todas as drogas juntas. E tome
argumentos!
Vocês sabem que existe uma
inconteste relação do uso do álcool com a violência doméstica, homicídios e
acidentes de trânsito. Só em 2017, os acidentes de trânsito causaram 32.615
óbitos; e 181.021 internações hospitalares, no SUS. Os procedimentos custaram
aproximadamente R$ 260 milhões.
O álcool é o maior problema da
Saúde Pública, exagerei: estão relacionadas ao consumo de álcool: anemia, gastrite;
hepatite; cirrose hepática; impotência: infertilidade; pancreatite; infarto;
trombose; câncer (especialmente no fígado, na laringe, na boca, no esôfago, no
pâncreas e na faringe); pelagra; polineuropatia alcoólica; demência de
Korsafoff e anorexia alcoólica.
Gente, o Código Internacional de
Doenças (CID – 10), relaciona vários transtornos mentais e
comportamentais devidos ao uso do álcool: intoxicação aguda, síndrome de
dependência, síndrome de abstinência, delirium tremens, transtorno psicótico e
síndrome amnésica.
O meu colega médico, bolsonariano
até a alma, me rebateu com uma frase: “isso é papo de comunista”. Ele foi
aplaudido de pé, e eu, recebi uma sonora vaia. Depois, eu mesmo achei o meu discurso
chato, professoral e pretensioso, mas que não tinha nada a ver com o comunismo.
Nem a bandeira de legalizar a
maconha; nem a da redução do consumo de álcool; encontraram acolhida naquela
turma. Acho que vou deixar de ir para certos aniversários.
Antônio Samarone.
Nenhum comentário:
Postar um comentário