domingo, 2 de dezembro de 2018

DROGAS: A DUPLA MORAL.



Drogas: a dupla moral.

Fui a um aniversário e tomei um susto, com a variedade e a quantidade de bebidas alcoólicas servidas. Sem exagero, os garçons passavam a cada 3 minutos: querem o que, uísque, vinho ou cerveja? Mesmo assim, não ficava copo cheio na mesa.

Eu fiquei acanhado para dizer que não usava álcool, e achei de comentar baixinho: eu não uso nenhum psicotrópico, e que se precisasse usar, preferiria a maconha, pelos reduzidos agravos a saúde. Assanhei uma caixa de maribondos...

A turma reagiu: maconha, que horror! O mais exaltado, um médico, bolsonariano até a alma, esbravejou: maconha, isso é coisa de comunista! O pau quebrou. De comunista? O doutor não se conteve, e levou a discussão para a política: se não bastasse a ideologia de gênero, a partidarização das escolas; agora vem você com essa asneira de legalizar a maconha. O Capitão tá chegando, para botar ordem nesse país. Eu nem tinha falado em legalizar nada, nem tinha interesse em discutir política.

Mas aquilo me incomodou e cair na besteira de aprofundar o debate. Disse ser uma grande hipocrisia, uma dupla moral. Como o álcool, extremamente lesivo à saúde, tinha o seu uso festejado, estimulado, tornado quase obrigatório em alguns eventos; e a maconha, usada até como remédio, era amaldiçoada, considerada a “erva do demônio”, e duramente proibida.

A turma de fogo, e eu sóbrio. Vejam as minhas chances nesse debate. Falava-se três ou quatro de cada vez, todos aos gritos. A racionalidade sufocada pela paixão política. Cheguei a suspeitar que Bolsonaro, comparado com a sua base, não é tão de ultra direita assim.

Tentei sair da política e voltar para a discussão das drogas. Apelei para uma narrativa de sanitarista. Gente, deixe eu falar! Me levantei, aumentei o tom da voz, e abri fogo:

O álcool etílico, etanol ou “spiritus vini” é quimicamente o (C2 H5 OH). Uma droga que se move facilmente através das membranas celulares. O álcool é o único psicotrópico de livre uso no Brasil.

Tem mais, além do etanol, são encontrados nas bebidas alcoólicas, outros produtos de sua maturação ou fermentação, como metanol, butanol, aldeídos, esteres, histaminas, fenóis, ferro, chumbo e cobalto, que são, em grande parte, responsáveis pela diferenciação de sabor entre os tipos de bebidas.

Fui vomitando dados: segundo o Ministério da Saúde, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas é crescente no Brasil. A prevalência em 2006 era de 15,7%; elevando-se para 19,1%, em 2017. Trocando em miúdos: 19% da população consome álcool abusivamente no Brasil. O álcool sozinho, faz mais estragos que todas as drogas juntas. E tome argumentos!

Vocês sabem que existe uma inconteste relação do uso do álcool com a violência doméstica, homicídios e acidentes de trânsito. Só em 2017, os acidentes de trânsito causaram 32.615 óbitos; e 181.021 internações hospitalares, no SUS. Os procedimentos custaram aproximadamente R$ 260 milhões.

O álcool é o maior problema da Saúde Pública, exagerei: estão relacionadas ao consumo de álcool: anemia, gastrite; hepatite; cirrose hepática; impotência: infertilidade; pancreatite; infarto; trombose; câncer (especialmente no fígado, na laringe, na boca, no esôfago, no pâncreas e na faringe); pelagra; polineuropatia alcoólica; demência de Korsafoff e anorexia alcoólica.

Gente, o Código Internacional de Doenças (CID – 10), relaciona vários transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool: intoxicação aguda, síndrome de dependência, síndrome de abstinência, delirium tremens, transtorno psicótico e síndrome amnésica.

O meu colega médico, bolsonariano até a alma, me rebateu com uma frase: “isso é papo de comunista”. Ele foi aplaudido de pé, e eu, recebi uma sonora vaia. Depois, eu mesmo achei o meu discurso chato, professoral e pretensioso, mas que não tinha nada a ver com o comunismo.

Nem a bandeira de legalizar a maconha; nem a da redução do consumo de álcool; encontraram acolhida naquela turma. Acho que vou deixar de ir para certos aniversários.
Antônio Samarone. 

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