Minha Escola Primária.
Passando esses dias pela frente
do Asilo “Lar Cidade de Deus, avistei a minha professora primária (uma delas),
Dona Helena de Branquinha. Estava lá, numa cadeira de rodas. Achei que ela
baixou a cabeça quando me avistou. Não fiquei à vontade, não soube o que fazer.
O Educandário Santa Terezinha, de
Dona Helena, ficava no segundo trecho do Beco Novo. Era uma casa de sala
grande, com todas as séries misturadas. Sentávamos em bancos compridos, como
numa igreja. Para se escrever existia uma mesa grande. Defronte, a professora e
o quadro negro. Na mesa da professora, só me lembro de uma régua comprida,
feita de braúna, e da maldita palmatória.
Nas dependências da escola não
havia sanitário. Quem precisasse, ia no fundo do quintal, onde existia um
mata-pasto. As folhas serviam de papel higiênico. Como controle, para que não
saísse mais de um aluno de cada vez, existia uma pedra em cima da mesa da
professora, chamada de licença. Se a pedra não estivesse na mesa, era porque o
último que saiu não tinha voltado.
Certa feita a professora comprou
uma escarradeira, para evitar que se cuspisse no chão, nos pés de paredes, ou
tivesse que pedir licença para ir cuspir lá fora. Naquele tempo os meninos
cuspiam muito. A professora comprou uma escarradeira de estanho, banca com
flores azuis. Não tenho lembrança do seu uso, quem iria cuspir num objeto tão
bonito? E agora, cuspi no chão não se justificava, existia a escarradeira. O
jeito era segurar o cuspe. Acho que essa mania de cuspir começou a declinar
após a introdução das escarradeiras nas escolas.
Dar a mão à palmatória: umas das
atividades pedagógicas mais temidas no educandário de Dona Helena era as
sabatinas aos sábados. A tabuada era cantada de trás para frente e da frente
para trás. Cinco X quatro, vinte; cinco X cinco, vinte e cinco; cinco X seis,
trinta... E assim até acabar. O coitado que errasse, a palmatória comia. Seis
bolos, de doer até no fundo da alma. Não era raro o caboclo se mijar. O meu
receio é que a turma da “escola sem partido” traga esse recurso disciplinar de
volta.
A regra era: “escreveu não leu, o
pau comeu”. Essa metáfora de se dizer que o aluno reprovado levava pau, fazia
sentido. Não era só na tabuada. Também se cantava os verbos. A professora
ordenava: conjugue o presente do subjetivo do verbo dizer. Se o aluno não
soubesse ou tivesse esquecido, à palmatória cantava...
Qualquer desobediência, o castigo
era moral e físico. Colocar o aluno de joelhos, com os braços abertos, e um
livro grosso em cada mão; ficar em pé, num canto, por duas horas; encher um
caderno com uma frase que o aluno escreveu errado, até ficar com câimbra nos
dedos; etc. Todos esses castigos eram públicos, para servir de exemplos para os
sonsos.
Eu escapei um pouco da violência
nas escolas. Minha mãe não concordava que se batesse num filho dela. Se errou,
me conte que eu tomo as providências. Se quiser bater, vá parir, dizia mamãe. Fui logo transferido para o Grupo Escolar
Guilhermino Bezerra, ali era público, não se batia. A liberdade era tanta, que eu
até estranhei.
A novidade no Grupo, era a
professora inspecionar a higiene pessoal dos alunos. Olhar se os meninos estavam
com as unhas, orelhas, pescoço ou cabelos sujos. Procurar saber se tinham
escovado os dentes. Com medo de passar vergonha, e ser mandado de volta para
casa por imundice, muitos passaram a tomar banho com maior zelo.
A
educação nos Grupos Escolares não era voltada somente para os livros, se começava a introduzir a educação do corpo.
Antonio
Samarone.
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