segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O PERIGO VERMELHO RONDA ITABAIANA



O perigo vermelho ronda Itabaiana. 

No dia santo, da imaculada Conceição, fui a Itabaiana. Ser querer, encontrei com Araponga, um filosofo da província, que levou a vida no anonimato. Poucos sabem, sobre a sua erudição. Foi ele que, há muitos anos, me falou detalhadamente sobre o pensamento de Descarte. Ele citava o “cogito ergo sum”, sempre em latim, e aquilo me impressionava.

Araponga anda assustado! Me revelou que um grupo direitista, clandestinamente, criou em Itabaiana o Movimento Olavo de Carvalho (MOC). O grupo pretende entrar em contato com Steve Bannon, para transformar o MOC numa “think tank”. Enquanto isso não acontece, o MOC iniciou o jogo sujo. 

O MOC começou a ameaçar os subversivos (ou supostos): deixe o Capitão assumir, que os comunistas serão varridos de Itabaiana, e você é um deles. Araponga não se conforma, não aceita ser chamado de comunista! Quando jovem, ele até tentou organizar uma centúria poética em Itabaiana, inspirado no realismo português de Eça de Queiroz. Araponga também não nega a sua admiração por Antero de Quental. Mas comunista, é demais...

Araponga nunca se meteu em política, muito menos com o comunismo. Até que em Itabaiana existiam alguns comunas, discretos, reservados, pois nunca foi fácil ser marxista no interior de Sergipe. Mas já morreram quase todos.

Segundo um intelectual itabaianense, afamado na Universidade de Pernambuco, os comunistas de Itabaiana não perdiam uma trezena de Santo Antonio, e uma meia dúzia era da Irmandade das Almas, saiam nas procissões com o secular colete verde, sob o comando de Zé Bigodinho.

Agora, me apareceu esse MOC querendo caçar comunistas em Itabaiana. Eles não descansam, enquanto não identificarem todos os inimigos. Não está fácil encontrar comunistas nem na Rússia, imagine em Itabaiana.

Araponga filosofou: se governa com “panem et circenses”, mas quando não se consegue, oferecer o sangue dos inimigos (reais ou imaginários) serve de consolo. Em Itabaiana, Araponga acha que ele foi o primeiro escolhido. Ele não pode negar a sua admiração por Antero de Quental, nem que segue as suas ideias, e adora os seus livros. Certa feita, foi à Portugal só para visitar o túmulo de Antero.

Araponga possui uma tela portuguesa (cópia), do famoso duelo de espada entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão, e nunca negou sua imensa simpatia pelo primeiro. 

Ele não sabe como descobriram a sua ligação com Antero de Quental. Araponga é antigo, nunca usou as redes sociais, nem sabe; não anda de conversinha nas esquinas, nem o seu nome ele divulga; não gosta de aparecer. Poucos conhecem a sua filiação à maçonaria. Ele já pensa em usar essa condição em sua defesa: não existem comunistas na maçonaria.

Estou num beco sem saída, desabafou Araponga! O MOC entende a minha simpatia por Antero de Quental como uma prova inabalável da adesão ao credo vermelho. A perseguição está sendo feroz! Achei aquela conversa sem pé nem cabeça, e retruquei: não é possível, você deve estar vendo fantasmas, delirando. 

Araponga se aborreceu com a minha descrença, e bradou: os filisteus vão tomar conta do mundo, como dizia Antero de Quental. Com medo que eu não soubesse quem eram os filisteus, ele abriu um parêntese: os filisteus eram um povo inculto, que só possuíam interesses materiais, vulgares e convencionais.

Para encurtar a conversa, mesmo eu desconfiando da existência ou não desse MOC, aconselhei que ele botasse as barbas de molho, mas que não deixasse de pregar as ideias subversivas de Antero de Quental, em Itabaiana. E enceramos a conversa.

Antonio de Samarone.

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