Lata d´água na cabeça. (por Antônio
Samarone)
A água era rara em Itabaiana,
antes da água encanada. Os ricos construíam cisternas, para garantir a sua
água. Os remediados comprovam aos carregadores, e os pobres se largavam em busca
das águas barrentas dos tanques e açudes. Tanque do Povo, no centro; Tanquinho,
Santa Cruz, Aloque, Açudes Velho, Novo e do Matadouro na periferia.
O Beco Novo se acordava alvoroçado,
uma procissão de gente em direção ao Tanquinho, em busca de água, para se fazer
o café e lavar o rosto. Banho, banho mesmo, era uma fidalguia.
Nem menino escapava dessa
via-sacra em busca de água. Quando eu passava na esquina do Beco do Ouvidor
gritava: Dona Mãezinha, não vai mandar os meninos buscar água? Ela já levantava
com cipó na mão: acorda preguiçosos, o filho de comadre Lurdes já fez três viagem
ao Tanquinho. Eu saia rindo da perversidade.
Entre os carregadores de água,
que abasteciam a cidade, com quatro latas no lombo dos jegues, duas de cada
lado, e que viviam disso, lembro-me de Seu Carbureto, um senhor baixinho, pés
descalços, sempre avexado, que enchia a caixa d’água do Bar Brasília e dos
ricos da Praça. Eu achava que uma lata d’água de Seu Carbureto deveria custar
uma fortuna. Quem fim levaram os filhos de Seu Carbureto, são vivos?
Sei que é quase impossível uma
pessoa que sempre teve água na torneira imaginar o que estou contando. No dia em
que chegou água em Itabaiana, ficamos acordados esperando os primeiros pingos
na torneira. Por volta das 9 horas da manhã, surgiu o boato: na Rua da Vitória
já chegou. Eu sair na carreira para ser o primeiro a ver novidade na casa de Rosália.
E era verdade! Uma aguinha fraca, chirriando, passava horas para se encher um
pote. Mas chegou.
Aquele conforto acabou com a
festa nos caminhos dos tanques. Como já tínhamos água da Ribeira, dentro de
casa, entupiram os tanques para se fazer casa. Eita povo sem juízo. Aterraram a
Santa Cruz, ali perto do cabaré de Laura; o Tanque do Povo para se construir um
mercado. Taparam tudo. Não sobrou nem a memória.
Tem as lembranças negativas. Conta-se
que o finado Euclides, chefe político da UDN, mandou prender Seu Vital da Lapa,
pequeno comerciante, um homem de bem, só porque ele era do PSD. E nessa prisão arbitrária
a tortura correu solta: além de apagarem um charuto no rosto de Seu Vital, ele
foi obrigado a encher a caixa d’água da cadeia com uma lata furada, indo buscar
no Tanque do Povo.
Não sei se o fato é comprovado
pelos historiadores; mas todo mundo em Itabaiana daqueles tempos sabia dessa estória.
Eu se fechasse os olhos via Seu Vital todo molhado, com a lata furada na
cabeça.
Antônio Samarone.
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