Lobotomia: cura milagrosa ou mutilação cerebral? (por Antonio Samarone)
Disse um filosofo: o único poder que os deuses não possuem é o de apagar o passado. Em medicina, no que toca as armas dos diagnósticos e das terapêuticas, a longevidade é muito breve.
Rosália Boaventura, 85 anos, demente desde os 20, por conta de uma lobotomia, realizada no Hospital Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em 1954. A sergipana de Altos Verdes, foi uma das primeiras pacientes do Dr. Aloysio Mattos Pimenta, que realizava esse esdrúxulo procedimento desde 1936, no Juquery, em São Paulo.
Sei que lhe bateu uma dúvida: lobotomia é o que eu estou pensando? É pior? A leucotomia Pré-Frontal e a lobotomia (depois viraram sinônimos) são intervenções cirúrgicas que destroem o lobo frontal do cérebro, desativando as suas funções. Já se usou quebrador de gelo e álcool absoluto. A cirurgia foi inicialmente utilizada em esquizofrênicos graves, depois generalizou-se para outras psicopatias.
Fulton e Jacobsen, no Congresso Internacional de Neurologia realizado em Londres, em 1935, demonstraram uma mudança de comportamento do chipanzé, animal selvagem e agressivo, que depois da retirada dos seus lobos frontais, tornou-se dócil e passiva.
O procedimento em humanos foi criado em 1933, pelo médico português, Dr. Egas Muniz, agraciado com o Nobel de medicina pela proeza, em 1949. A lobotomia foi usada amplamente no mundo por mais de vinte anos. Na época, essa “psicocirurgia” foi considerada avanço científico da psiquiatria orgânica. Egas Muniz recebeu o prêmio Nobel, em 03 de janeiro de 1950.
Em 1944, foi publicado o primeiro trabalho científico sobre o uso da lobotomia cerebral no Brasil. Das 160 cirurgias realizadas até então em internos do Juquery, com a técnica de Egas Moniz, Barreto, Antonio Carlos - analisou os resultados das cem primeiras. Um detalhe chama a atenção: Todas as cem pessoas operadas eram mulheres.
Como exemplo, ele relata o caso de uma mulher de 24 anos que fora submetida a vinte aplicações de eletrochoque e quarenta comas insulínicos sem que seu quadro de "esquizofrenia hebefrênica" fosse alterado. Submetida à lobotomia pré-frontal, com cinco cortes em cada lobo, diz o cirurgião, a paciente se recuperou completamente e depois de um mês teve alta, voltando a conviver com a família.
No Brasil, a lobotomia foi utilizada em pacientes de instituições asilares, entre 1936 e 1956. Eram intervenções que consistiam em desligar os lobos frontais direito e esquerdo de todo o encéfalo, visando modificar comportamentos ou curar doenças mentais.
A lobotomia foi proibida 1956, por a ferir o Código de Nuremberg, concebido para regulamentar e conter os abusos da experimentação médica em seres humanos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial.
Existe evidências que a lobotomia foi usada em opositores políticos, nos manicômios da União Soviética. E onde mais? Depois da proibição, o assunto foi posto em esquecimento. Atualmente voltou a se falar em psicocirurgias, em “outras bases”, cirurgias mais localizadas. Não confundir com cirurgias neurológicas.
Dona Rosália nunca soube que fez parte de um experimento médico. Só ficou sabendo que destruíram uma parte do seu cérebro muito tempo depois. “Se soubesse, não tinha permitido”, ela afirma até hoje. A realização da lobotomia era uma decisão da equipe médica, fundada na ciência. Não carecia do consentimento.
Perguntei a Dona Rosália o que ela achava desse retorno dos manicômios e do eletrochoque, ela nada me respondeu, mas fez uma cara de profunda repugnância, como se dissesse, vade-retro satanás, eu já conheço tudo isso.
Fiquei pensando, esse discurso de que a realidade é outra, que o choque agora é cuidadoso, que a ciência avaliza, não é nenhuma novidade. A ciência já avalizou cada barbaridade... Inclusive a lobotomia.
Antonio Samarone.
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