A volta do eletrochoque, como
política pública. (por Antônio Samarone)
O Ministério da Saúde acabou de
publicar a “nota técnica 11/2019” definindo a política de Saúde Mental. As duas
maiores barbaridades: autorizou o internamento de crianças e adolescentes em
hospitais psiquiátricos; e legitimou o choque elétrico como tratamento na rede
pública, isso mesmo, a chamada eufemisticamente eletroconvulsoterapia.
Sobre o internamento de crianças
em hospitais psiquiátricos, falaremos depois. Vamos ao eletrochoque. Eu sei que
a Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira defendem
essa prática, chegando a publicar as “diretrizes terapêuticas para eletroconvulsoterapia”.
Nenhuma novidade, sempre defenderam.
O Governo passou a financiar a
compra de equipamentos de Eletroconvulsoterapia (ECT). Claro, os hospitais vão
comprar e generalizar o seu uso em pouco tempo. Eu também sei que o uso do
choque elétrico como tratamento tem defensores. Justificam-se dizendo que o
choque mudou, agora é aplicado cuidadosamente, com o paciente protegido.
Segundo, que o choque elétrico tem eficácia “cientificamente” comprovada, em
certos casos. Não é bem assim...
De onde vem a ideia de se usar o
choque elétrico para tratar a loucura? Na década de 1920, se verificou que os pacientes
epilépticos, após os surtos convulsivos, melhoravam dos sintomas psicóticos. Os
pacientes agitados, em crise, se acalmavam após as convulsões. A medicina
concluiu: a convulsão é benéfica no tratamento dos doentes mentais. As drogas convulsivantes
viraram remédios para a loucura. A primeira droga e a mais usada foi o
metrazol. Só que essa convulsão induzida quimicamente apresentava efeitos
colaterais tenebrosos.
Em 1930, o neurocirurgião
italiano, Ugo Cerletti, induziu surtos convulsivos em cachorros aplicando choque
elétrico na cabeça. Em 1938, Cerletti associou-se ao colega Luciano Bini, para construírem
um aparelho de aplicação do choque elétrico em humanos. Nascia o eletrochoque!
Foi uma novidade, a convulsão nos pacientes psicóticos passou ser induzida por
meios físicos.
O método se espalhou pelo mundo,
passando ter grande aceitação. O eletrochoque virou uma panaceias. Em Sergipe, na
década de 1950, o Dr. Garcia Moreno anunciou nos jornais a aquisição de um
moderno aparelho de eletrochoque, e que estava à disposição da clientela em seu
consultório.
Na década de 1970, quase todos pacientes
internados no Adauto Botelho, em Aracaju, submetiam-se ao terrível suplício. Era
uma política de governo. O suposto tratamento depois virou punição: pacientes
agitados, indisciplinados, desobedientes corriam o risco de uma sessão de
eletrochoque.
O isolamento em cubículos, a lobotomia
e o choque elétrico eram os elementos do terror nos manicômios psiquiátricos. Após
várias denúncias de maus tratos aos pacientes, os métodos foram suspensos. Contudo,
o eletrochoque nunca deixou de existir, continuou semi clandestino, usado em
casos isolados. Houve a luta anti manicomial, a reforma psiquiátrica, e o método
caiu desgraça na opinião pública. O uso passou a ser restrito a algumas
indicações.
Agora, o Governo anunciou que vai
financiar a medicina de negócios, estimulando a instalação de aparelhos de
eletrochoques em hospitais e clínicas. O método voltou a ser prioridade na
política de saúde mental. Infelizmente, vivemos um momento de apatia social.
Não haverá reações! Em todo caso, faço aqui a minha inscrição: se houver
resistência, estarei presente.
Que o choque elétrico seja
indicado em casos refratários isolados é uma coisa; que volte a ser usado
massivamente, como política de governo, é outra. São situações totalmente
distintas. Eu discordo dos dois usos! Entretanto, no primeiro caso, as razões
de quem usa são defensáveis; no segundo, trata-se de uma forma de controle
social, eticamente inaceitável.
Antônio Samarone.
Discussão com profissionais especializados em saúde mental???
ResponderExcluirConcordo plenamente.
ResponderExcluirPelos debates que acompanhei na CSSF da Câmara, a questão da internação de adolescentes e crianças deriva da drogadição, sobretudo de crack. O Mandetta representa uma ala mais ortodoxa da saúde para quem há casos e casos na psiquiatria e não são todas as situações que mais se beneficiam da terapêutica extrainstitucional. De fato, há sempre representantes de famílias que se dizem incapazes de cuidar de seu familiar psiquiátrico, para quem a institucionalização seris mais segura. Confesso que ainda não li a NT, mas entendo suas críticas. Vou tentar ler a norma para ver se podemos trabalhar algumas mudanças.
ResponderExcluirProcuramos o tratamento da “eletroconvulsoterapia” em mamãe, como última alternativa, depois de um longo tratamento com medicaçoes. Ela só piorava, não comia ou falava, nem reconhecia ninguém.
ResponderExcluirA “eletroconvulsoterapia” para nós virou sinônimo de MILAGRE! Após 3 sessoes mamae começou a ressucitar para a vida! Foram feitas mais outras e ela nasceu para a vida!
Precisamos desmistificar isso!
Gostaria que todos que precisassem, tivessem acesso a esse tratamento! Infelizmente hoje ele é muito caro. Que maravilha se o SUS estivesse apto para realizá-lo. 🙏