Bexigas, boubas e bostelas; pápulas,
pústulas e vesículas. (por Antônio Samarone)
A primeira referência a uma
epidemia de varíola (bexiga) no Brasil, encontra-se numa carta de José de
Anchieta a Diogo Laínez, segundo superior geral da Companhia de Jesus. São
Vicente, 08 de janeiro de 1556. Observem os assombrosos tratamentos disponíveis
no século XVI.
A principal destas doenças hão
sido varíolas, as quais ainda brandas e com as costumadas que não têm perigo e
facilmente saram; mas há outras que é coisa terrível: cobre-se todo o corpo dos
pés à cabeça de uma lepra mortal que parece couro de cação e ocupa logo a
garganta por dentro e a língua de maneira que com muita dificuldade se pode
confessar e em três, quatro dias morrem; outros que vivem, mas fendendo-se
todos e quebrasse-lhes a carne pedaço a pedaço com tanta podridão de matéria, que
sai deles um terrível fedor, de maneira que lhe acodem as moscas como a carne
morta e apodrecida sobre eles e lhe põem gusanos (bicho de mosca) que se não
lhes socorressem, vivos os comeriam.
José de Anchieta revela na carta:
estive acudindo a todos, sangrando dez, doze cada dia, que esta é a melhor
medicina que achamos para aquela enfermidade, e era necessário correr suas
casas cada dia uma ou mais vezes, a buscar deles que, ainda que passeis por
suas casas, se não a revolveis toda e perguntais por cada pessoa em particular,
não vos hão de dizer que estão enfermos. E o melhor é que em pago destas boas
obras, alguns deles, como são de baixo e rude entendimento, diziam que as
sangrias os matavam, e escondiam-se de nós outros. Os índios desconfiavam que
sangrar o bexiguento (doente com varíola), não era um bom socorro.
Contudo, os índios escolhiam
outra forma agressiva de tratamento: mandavam fazer umas covas longas a maneira
de sepulturas, e depois de bem quentes com muito fogo, deixando-as cheias de
brasas e atravessando paus por cima e muitas ervas, se estendiam ali tão
cobertos de ar e tão vestidos como eles andam, e se assavam, os quais comumente
depois morriam, e suas carnes, assim com aquele fogo exterior como com o
interior da febre, pareciam assadas. Três destes que achei revolvendo as casas,
como sempre fazia, que se começava a assar, e levantando-os por força do fogo,
os sangrei e sararam pela bondade de Deus.
José de Anchieta continua
descrevendo as vantagens de sua medicina: a outros que daquele pestilencial mal
estavam mui mal e esfolei parte das pernas e quase todos os pés, cotando-lhes a
pele corrupta com uma tesoura, ficando em carne viva, coisa lastimosa de ver, e
lavando aquela corrupção com água quente, com o que pela bondade do Senhor sararam;
de um em especial se me recorda que com as grandes dores não fazia senão
gritar, e gastando já todo o corpo estava em ponto de morte, sem saber seus
pais que lhe fazer, senão chorar-lhe, o qual, como lhe cortamos com uma tesoura
toda aquela corrupção dos pés, e os deixamos esfolados, logo começou a se dar
bem e cobrou a saúde.
Essa peste de varíola ou
corrupção pestilenta, como diz S. de Vasconcelos assolou o Brasil inteiro em
1563, sobretudo a Baía, onde tirou a vida a três partes dos índios.
Em seu escrito sobre o Frei
Gaspar Lourenço, o Padre Aurélio de Vasconcelos nos conta que entre 1562 e 63,
surgiu no litoral brasileiro duas grandes pestes (febre amarela e varíola) que
dizimou os gentios, e que no espaço de três meses morreram mais de 30 mil índios.
Uma descrita como uma febre alta, com hemorragias que matava em poucos dias e a
outra como um pipocar de bexigas, asquerosas e pútridas, que em poucos dias
estavam infestadas de bichos de mosca.
Nesse período das Pestes e de
muita fome (1562), os portugueses aproveitaram a sentença de Mem de Sá contra
os Caetés pela morte do primeiro Bispo, e estenderam a sua eficácia contra os
Tupinambás do território entre os rios Real e São Francisco (Sergipe),
tornando-os escravos.
Os principais beneficiários foram
o poderoso fazendeiro F. Cabral e Garcia d’Ávila. Na verdade, Mem de Sá cumpria
a determinação anterior da Rainha Regente Catarina de Áustria, esposa de D.
João III. A escravização dos índios de Sergipe, como se ver, começou bem antes
da expedição de 1575, organizada por Luiz de Brito.
Segundo o padre Aurélio
Vasconcelos, em 1564, após cessada as Pestes, as aldeias de Sergipe ficaram
muito despovoadas, pois os que escaparam da morte e da escravidão, fugiram
sertão a dentro em busca da sobrevivência. A aldeia de Aracaen era a última de
Itapicuru, onde viviam os índios subjugados, além ficavam os temíveis e
guerreiros Tupinambás, as 28 aldeias de Sergipe, onde as tropas de Garcia
d’Ávila não se atrevia em penetrar. Temidos pela fama de terem comido o Bispo Sardinha.
Antônio Samarone.
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