quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

BEXIGAS, BOUBAS E BOSTELAS; PÁPULAS, PÚSTULAS E VESÍCULAS.


Bexigas, boubas e bostelas; pápulas, pústulas e vesículas. (por Antônio Samarone)

A primeira referência a uma epidemia de varíola (bexiga) no Brasil, encontra-se numa carta de José de Anchieta a Diogo Laínez, segundo superior geral da Companhia de Jesus. São Vicente, 08 de janeiro de 1556. Observem os assombrosos tratamentos disponíveis no século XVI.

A principal destas doenças hão sido varíolas, as quais ainda brandas e com as costumadas que não têm perigo e facilmente saram; mas há outras que é coisa terrível: cobre-se todo o corpo dos pés à cabeça de uma lepra mortal que parece couro de cação e ocupa logo a garganta por dentro e a língua de maneira que com muita dificuldade se pode confessar e em três, quatro dias morrem; outros que vivem, mas fendendo-se todos e quebrasse-lhes a carne pedaço a pedaço com tanta podridão de matéria, que sai deles um terrível fedor, de maneira que lhe acodem as moscas como a carne morta e apodrecida sobre eles e lhe põem gusanos (bicho de mosca) que se não lhes socorressem, vivos os comeriam.

José de Anchieta revela na carta: estive acudindo a todos, sangrando dez, doze cada dia, que esta é a melhor medicina que achamos para aquela enfermidade, e era necessário correr suas casas cada dia uma ou mais vezes, a buscar deles que, ainda que passeis por suas casas, se não a revolveis toda e perguntais por cada pessoa em particular, não vos hão de dizer que estão enfermos. E o melhor é que em pago destas boas obras, alguns deles, como são de baixo e rude entendimento, diziam que as sangrias os matavam, e escondiam-se de nós outros. Os índios desconfiavam que sangrar o bexiguento (doente com varíola), não era um bom socorro.

Contudo, os índios escolhiam outra forma agressiva de tratamento: mandavam fazer umas covas longas a maneira de sepulturas, e depois de bem quentes com muito fogo, deixando-as cheias de brasas e atravessando paus por cima e muitas ervas, se estendiam ali tão cobertos de ar e tão vestidos como eles andam, e se assavam, os quais comumente depois morriam, e suas carnes, assim com aquele fogo exterior como com o interior da febre, pareciam assadas. Três destes que achei revolvendo as casas, como sempre fazia, que se começava a assar, e levantando-os por força do fogo, os sangrei e sararam pela bondade de Deus.

José de Anchieta continua descrevendo as vantagens de sua medicina: a outros que daquele pestilencial mal estavam mui mal e esfolei parte das pernas e quase todos os pés, cotando-lhes a pele corrupta com uma tesoura, ficando em carne viva, coisa lastimosa de ver, e lavando aquela corrupção com água quente, com o que pela bondade do Senhor sararam; de um em especial se me recorda que com as grandes dores não fazia senão gritar, e gastando já todo o corpo estava em ponto de morte, sem saber seus pais que lhe fazer, senão chorar-lhe, o qual, como lhe cortamos com uma tesoura toda aquela corrupção dos pés, e os deixamos esfolados, logo começou a se dar bem e cobrou a saúde.
Essa peste de varíola ou corrupção pestilenta, como diz S. de Vasconcelos assolou o Brasil inteiro em 1563, sobretudo a Baía, onde tirou a vida a três partes dos índios.

Em seu escrito sobre o Frei Gaspar Lourenço, o Padre Aurélio de Vasconcelos nos conta que entre 1562 e 63, surgiu no litoral brasileiro duas grandes pestes (febre amarela e varíola) que dizimou os gentios, e que no espaço de três meses morreram mais de 30 mil índios. Uma descrita como uma febre alta, com hemorragias que matava em poucos dias e a outra como um pipocar de bexigas, asquerosas e pútridas, que em poucos dias estavam infestadas de bichos de mosca.

Nesse período das Pestes e de muita fome (1562), os portugueses aproveitaram a sentença de Mem de Sá contra os Caetés pela morte do primeiro Bispo, e estenderam a sua eficácia contra os Tupinambás do território entre os rios Real e São Francisco (Sergipe), tornando-os escravos.

Os principais beneficiários foram o poderoso fazendeiro F. Cabral e Garcia d’Ávila. Na verdade, Mem de Sá cumpria a determinação anterior da Rainha Regente Catarina de Áustria, esposa de D. João III. A escravização dos índios de Sergipe, como se ver, começou bem antes da expedição de 1575, organizada por Luiz de Brito.

Segundo o padre Aurélio Vasconcelos, em 1564, após cessada as Pestes, as aldeias de Sergipe ficaram muito despovoadas, pois os que escaparam da morte e da escravidão, fugiram sertão a dentro em busca da sobrevivência. A aldeia de Aracaen era a última de Itapicuru, onde viviam os índios subjugados, além ficavam os temíveis e guerreiros Tupinambás, as 28 aldeias de Sergipe, onde as tropas de Garcia d’Ávila não se atrevia em penetrar. Temidos pela fama de terem comido o Bispo Sardinha.

Antônio Samarone.

Nenhum comentário:

Postar um comentário