quarta-feira, 18 de julho de 2018

FREUD EXPLICA...



Freud explica.

A psicanalise de um anúncio de jornal, por Garcia Moreno, médico sergipano, já falecido.

O anúncio pela imprensa e pelo rádio é objeto de uma atividade especializada, onde os conhecimentos da psicologia têm ampla aplicação. Dizia Garcia Moreno: “O racional e o afetivo, a sugestão e a convicção, tem o seu lugar próprio, a convocação estratégica, na redação de um anúncio.
Garcia Moreno, ia mais longe:

O publicitário fita o mundo subterrâneo do sentimento e das tendências instintivas para impor, de maneira certa e segura, quase irracional, automática, com o império de um estimulo associativo, a sugestão útil e calculada.

Quem quiser que manuseie as revistas ilustradas deste doce mês de dezembro, mês dos presentes e dos orçamentos atomizados, e veja as seduções psicológicas dos anúncios.

Mas não é tais anúncios que ele analisava, eles são evidentes, não demandam a ginástica mental de uma psicanálise.
Já o anúncio abaixo é mais discreto.

O.M.L.
“Não decepador de boca, por ser consciente nos serviços de clínica dentária. Especialista no aproveitamento dos dentes, inclusive os condenados ao boticão e a lata do lixo, com rara exceção. Não pagará um centavo, se o trabalho de clínica ou prótese não for perfeito.” (O Nordeste, de 20/12/1952 – 1ª pag., 3ª coluna.).

É sobre esse anuncio banal, que Garcia Moreno aplica a doutrina freudiana da psicanálise. Vamos a bela   ginastica do nosso intelectual:

Note-se que castrar e castigo são galhos de uma mesma árvore etimológica. A castração é, pois, o supremo castigo, experimentado e vivido, com suprema angústia, na pré-história da personalidade. Se a chamada amnesia infantil varre-a do campo da consciência, vai viver, para sempre, na obscuridade do inconsciente, dissimulada mais ardente, como fogo de monturo.

Na mecânica psíquica, transmuta-se nas realidades simbólicas. Qualquer mutilação corpórea é um nexo de associação inconsciente que reacende a ansiedade do temor remoto da castração.
Psicanaliticamente, a queda dos primeiros dentes tem o sentido vivencial inconsciente de uma castração imposta pela mãe natureza, tão poderosa quanto o pai vingador.

Mas a natureza é ambivalente e generosa. Castra, arrancando os dentes. Apiedada, regenitaliza com a segunda dentição. Ao trauma psíquico, da simbólica castração dentária segue-se o momento triunfal da refalização com os novos dentes que repontam, com o sentido exato de natural compensadora prótese genital.

Note-se que o dentista do anúncio é castrador e refalizador, um especialista no reaproveitamento dos dentes. O odontólogo dos primeiros tempos, dos passos iniciais da profissão, era o tira dentes, o castrador por excelência.

O clássico horror ao dentista mutilador tem uma razão bem mais profunda do que a dor do arrancamento em si mesma. É a revivescência do medo ansioso da castração.

O odontólogo moderno, com a sua engenharia de pontes e os recursos da prótese atual, faz renascer no homem aquele menino, perdido de contentamento, com a sua alegria de regenitalizado, no triunfo inefável de quem sente, na 3ª dentição, a realização compensadora e suspirada.

Quem repara na expansão jubilosa dos que inauguram uma dentadura nova, anatômica e funcionalmente perfeita, enxerga algo mais do que o prazer do sentimento estético da fachada humana reconstituída ou da fisiologia restabelecida.

O dentista é identificado a mãe natureza generosa e apiedada, que regenera, simbolicamente, o pênis e mergulha mais fundo, no inconsciente do homem, o complexo trágico da castração.

Prometer no anuncio “não decepar a boca”, primeira zona de fixação exógena da criatura, “aproveitar os dentes condenados ao boticão”, constituem uma projeção de vivências e uma mensagem de maravilhosa intuição, endereçada aos permanentes anseios de refalização do homem.

O artigo analisado foi publicado por Garcia Moreno, numa revista médica de 1953.

Antonio Samarone.

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