Democracia direta
A discussão entre a democracia
direta e a democracia representativa já esteve na ordem do dia. A Constituição
de 1988 abriu espaços para a criação de ouvidorias, conselhos consultivos,
conselhos deliberativos, audiências públicas, portais de transparências e
outras formas de controle social. Eram formas incipientes de democracia direta.
A ideia era o cidadão controlar
diretamente os poderes, sem enfraquecer os controles formais (parlamentos,
tribunais de contas, ministérios públicos, etc.). Uma militância cidadã apostou
nos Conselhos (saúde, educação, idosos...), em torna-los paritários e
deliberativos. No papel se conseguiu certos avanços. Na prática, eu tenho lá as
minhas dúvidas. A cidadania não funciona fragmentada. Hoje é o poder que cria
os conselhos, quando lhe interessa.
Houve governantes que marcavam um
dia na semana para receber o povo em audiência. Cada um levava as suas queixas
e desejos. O líder, diretamente, dava um encaminhamento. De pedidos de emprego
ao calçamento de ruas. A pauta era infinita: um ponto em via pública para
vender umas coisinhas, transferências de um funcionário, soltar um filho preso
injustamente, etc. Os pedidos maiores eram em audiências privadas, feitos por
gente graúda.
A utopia da democracia direta, da
Ágora grega, chegou a outros ensaios. O “Modo Petista de Governar” (lembram-se?)
inventou o orçamento participativo. Comitivas de gestores iam de bairro em bairro
realizando assembleias. Escolhiam-se delegados para uma plenária geral, onde as
prioridades seriam aprovadas. As autoridades juravam que seriam cumpridas.
Isso tudo é passado, é história.
A democracia direta agora é outra. Gestores estão usando as redes sociais, entrando ao vivo, para baterem papo com internautas. Uma conversa direta do líder
com as pessoas. O líder desligado dos partidos, das ideias e dos projetos; e as
pessoas atomizadas, cada uma em seu canto, cobrando pequenas providências ou
reclamando de promessas não cumpridas. Um esgoto estourado, a vacina que
faltou, a lâmpada que não foi trocada, etc.
Essa Ágora virtual só tem vantagens
para o líder: ninguém pede favores pessoais em público, as respostas podem ser
seletivas e gente alugada pode entrar só para elogios. As pessoas estão ali
atomizadas, desorganizadas, numa relação despolitizada. Qualquer crítica ou
observação incômoda vira uma questão pessoal, facilmente deslegitimada. O contraponto
do líder é simples: “só você não enxerga as coisas boas que eu estou fazendo”.
Foi a essa democracia que
chegamos. Claro, o jogo real de influencias, favores e privilégios não passa por essa
“mise en scène”. Mesmo assim, não quero nenhum tipo de ditadura. É melhor essa
democracia de audiências do que tiranos e salvadores da pátria.
Antonio Samarone.
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