A maconha
em Sergipe.
O
médico sergipano RODRIGUES DORIA, foi quem primeiro no Brasil escreveu sobre a
maconha. Apresentou o trabalho “Os fumadores de maconha: efeitos e males do
vício”, no Segundo Congresso Cientifico Pan Americano, reunido em Washington D.
C., a 27 de dezembro de 1915. Uma leitura que vale a pena.
Numa
passagem, ele descreveu os modos de se fumar a liamba em Aracaju:
“Introduzem
o tubo do cachimbo, que tem uns 30 centímetros, mais ou menos, pela boca da
garrafa, até mergulhar na água, que em certa porção está no interior. Este é o dispositivo
mais rudimentar, e fumam aplicando os lábios diretamente sobre a boca da
garrafa que não fica de todo obturada, e onde chupam, precisando um certo
exercício para conseguirem aspirar bem a fumaça. Uma dupla tubuladura, sendo um
dos tubos curvos para embocadura, já é um aperfeiçoamento. No dispositivo da
cabeça fazem um orifício no bojo menor, onde colocam um pequeno tubo de
taquari, merostachys clausseni, gramíneas, onde chupam, puxam a fumaça, como se
exprimem os praticantes. As vezes aspiram diretamente, pondo os lábios sobre a
cabaça. Esses cachimbos constituem um arremedo do narghilé ou cachimbo turco,
usado nas casas de fumar o ópio, ou nos bazares árabes onde se fuma o haschich.
Ao cachimbo com o dispositivo da garrafa ou da cabaça dão, na gíria dos
fumantes (Aracaju), o nome de Maricas. Os mais refinados no vício, fazem no tubo
do cachimbo, na parte que fica fora da garrafa ou da cabaça, um pequeno furo
para se desprender um pouco da fumaça que não foi lavada, e provocar espirros,
irritando a pituitaria, e constituindo isto um epifenômeno poético do vício. O
Maricas é companheiro inseparável dos canoeiros e barcaceiros. É também
apreciado entre eles o burburinho que ao atravessar a água produz a fumaça
sorvida em profundos e esforçados tragos.”
Rodrigues
Doria, viajou na história:
“O
uso da maconha é muito antigo. Heródoto fala da embriaguez dos Scythas que
respiravam e bebiam a decoção dos grãos verdes do cânhamo. No livro de Botânica
do Dr. J. M. Caminhoá, que foi professor desta matéria na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, lê-se que o famoso remédio das mulheres de Dióspolis, bem
como o nepenthes de que fala Homero, e que Helena recebera de Polimnésio, era a
Cannabis índica. Os Cruzados viram os efeitos nos Muçulmanos. Marco Polo observou
nas cortes orientais entre os emires e os sultões. É muito usado no vale do
Tigre e Eufrates, nas Índias, na Pérsia, no Turkestan, na Ásia Menor, no Egito
e em todo o litoral africano. Com o cânhamo se prepara o haschich,
como já foi dito, e ainda pouco conhecido na sua manipulação; o povo do Oriente
fuma o pó das folhas e flores no narghilé.”
Para
descrever os fumantes sergipanos, Rodrigues Dória, recorreu aos colegas médicos:
“O
Dr. Aristides Fontes, que conversou com pescadores habituados a usar a maconha,
ouviu que, quando se encontram no mar em canoas ou jangadas, fumam em grupos
para se sentirem mais alegres, dispostos ao trabalho, e menos penosamente
vencerem o frio e as agruras da vida do mar. Denominam assembleia a essa
reunião, e começam a sessão, fumando no cachimbo Maricas, no qual puxa a sua tragada,
na frase por eles empregada, para exprimir o esforço que exige o cachimbo tosco
e a quantidade maior. da fumaça que procuram absorver. Depois de algumas
fumadas, tocados pelo efeito da maconha, tornam-se alegres, conversadores,
íntimos e amáveis na palestra; uns contam histórias; tais fazem versos; outros
têm alucinações agradáveis, ouvem sons melodiosos, como o canto da sereia, entidade
muito em voga entre eles. Um desses, caboclo, robusto, de 43 anos de idade,
fumando a erva há mais de vinte anos, sem apresentar perturbação da saúde,
informou que a usava, quando se sentia triste, com falta de apetite e pouca
disposição para o trabalho, principalmente à noite, quando ia para a pescaria,
ficando satisfeito, disposto e podendo comer copiosamente. Dizem que faz cessar
as câimbras que experimentam ao entrar n’água, à noite.”
“Ao
Dr. Xavier do Monte referiu L.S., a quem conheço, homem de 45 anos de idade
mais ou menos, robusto, que fumou a maconha, como experiência, sentindo-se
alegre, achando graça em tudo, dando estridentes gargalhadas a todo propósito,
como um louco e tinha muita fome. Comeu desmesuradamente, e após cessou o
delírio, entrando em sono profundo e calmo. Dizem que o açúcar de cana faz
cessarem os fenômenos da embriaguez. Alguns misturam-no com as folhas no
cachimbo.”
“O
Dr. Alexandre Freire, médico que exerceu a clínica em uma vila do interior de
Sergipe, referiu ter visto uma mulher embriagada pela maconha de tal forma
excitada que, no meio da rua, não mostrando o menor respeito ao pudor e fazendo
exibições, solicitava os transeuntes ao comércio intersexual. As prostitutas,
que às vezes se dão ao vício, excitadas pela droga, quando fumam em sociedade,
entregam-se ao deboche com furor, e praticam entre elas o tribalismo ou amor
lésbico.”
“Na
Penitenciária de Aracaju, onde de alguns anos para cá é proibida a entrada da
maconha, por causa dos distúrbios por ela motivados entre presos, os
sentenciados se entregavam ao hábito de fumá-la “para aliviarem o espírito
acabrunhado pela prisão, e terem por esse modo momentos de distração e alegria.”
“Só
após a minha volta do Congresso Científico Pan-Americano foi que recebi o
resultado do inquérito, a meu pedido feito, pelo meu colega e amigo Dr.
Francisco Fonseca, clínico na cidade de Maroim (Estado de Sergipe), na zona de
sua prática. Essas informações confirmam pontos tratados nesta Memória, e foram
principalmente fornecidos por um fumante inveterado de 60 a 65 anos, robusto,
musculoso, sadio, atribuindo o seu vigor ao hábito de fumar maconha, desde
rapaz, no Estado de Alagoas, de onde é filho, residindo há muitos anos em
Pirambu, povoação e praia de banhos em Sergipe. Nessa povoação, e outras
próximas, onde existem muitos pescadores, o vício é grandemente disseminado. Em
lugares de Sergipe e Alagoas, nas margens do rio de São Francisco, cultivam a planta,
que vendem, preparada para ser fumada, sob a denominação de pelotas, pela forma
que tomam as inflorescências, e à razão de 3$000 o quilo, e 30$000 e 40$000 a arroba.
Os informantes fazem as declarações com dificuldade e timidez, receosos de uma
ação policial.”
Antônio
Samarone.
Nenhum comentário:
Postar um comentário