A SAÚDE NÃO TEM
PREÇO.
Antonio Samarone de
Santana
Academia Sergipana de
Medicina
A medicalização da vida tornou-se
absoluta. O corpo, reduzido a sua esfera biológica, foi estatizado. Sob o manto
da “saúde como um direito”, a vida passou a ser normatizada pelo discurso da biomedicina.
Com o amparo da ciência, a biomedicina estabeleceu o império do saudável. O
discurso conservador da biomedicina se contrapôs ao culto da promiscuidade, das
drogas e o do sexo, nos permissivos anos 1960. Vejam os exageros nas campanhas
antitabaco. Ser saudável, jovem, feliz, passou a ser uma obrigatoriedade,
tornou-se um modo de vida. A saúde perfeita tornou-se uma utopia apolítica de
nossa sociedade. Com o esvaziamento dos espaços públicos e das questões e
divergências políticas, ter “saúde” tornou-se a razão principal do viver.
O domínio de uma moralidade da
saúde e do corpo perfeito assume o status do “politicamente correto”. Uma moral
do bem-comer (só alimentos naturais e saudáveis), de práticas sexuais seguras, do
beber com parcimônia, do controlar o peso, a pressão, o açúcar no sangue, o
colesterol, de manter a forma física, dos “screening”, o tônus muscular, a
capacidade aeróbica; e de manter a eterna juventude. Tornar-se um verdadeiro “healtism”,
um sujeito que se autocontrola, se autovigia e se autogoverna tornou-se uma
missão.
O discurso de “risco” é pilar
estruturante desse novo modo de vida. Uma suposta ciência fornece informações
abundantes e descontroladas do que cada comportamento ou consumo fora do
higienicamente prescrito pode antecipar as doenças e a morte. O homem tem uma
necessidade atávica de antecipar o futuro. Os profetas, adivinhos, oráculos, médiuns,
quiromantes, videntes, cartomantes, entre outros, já viveram de predições; hoje
essa função foi entregue as ciências. Recentemente,
a medicina anunciou que o colesterol, em certos casos, precisa se controlado a
partir do segundo ano de vida. O mapa genético promete uma medicina personalizada,
onde cada um saberá ao nascer o destino do seu corpo e de suas enfermidades e mazelas.
O corpo como objeto de dominação
politica, a despolitização da vida, a verdade única, a uniformização dos indivíduos
regulados pela biomedicina, mesmo em sociedades tidas como liberais, é parte do
projeto totalitário do fascismo. É o fim da história. Esse homem, culturalmente
desconstituído, tem na atividade econômica e no consumo a outra razão de vida
(tempo é dinheiro). A dessacralização da vida, vista como a libertação do
homem, como a consolidação do humanismo, nos conduziu a massificação de indivíduos
atomizados.
O Estado atual tomou a saúde e o
corpo como objeto de intervenção, e fez desse ato uma estratégia de dominação. A
saúde tornou-se a mercadoria mais desejada, nesse universo do consumo. A
história registrou a estatização da alma, no caso de Roma, ao assumir o
cristianismo como religião. Salvar as almas tornou-se objetivo do Império. Um
duro combate ao paganismo foi posto em prática. A estatização do corpo é
historicamente uma novidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário