quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O MERCADO DA AUTOAJUDA



O MERCADO DA AUTOAJUDA

ANTONIO SAMARONE

A previsibilidade do futuro é um desejo atávico da alma humana. Em especial, antecipar-se sobre o futuro da nossa saúde, e as possibilidades em se evitar o sofrimento, as limitações e as enfermidades; o desejo universal em se adiar a velhice e morte. Antes recorria-se aos oráculos, adivinhos, bruxos e clarividentes, atualmente este sonho é confiado a ciência. Para ser mais preciso, confiado ao mercado da autoajuda (travestido de ciência). Infelizmente a vida humana continua imprevisível.
Conhecendo o desejo humano de conhecer o futuro, a medicina, valendo-se dos êxitos com algumas doenças transmissíveis, não perdeu tempo, criou a ilusão de que sabe como identificar e eliminar precocemente os riscos adoecer e morrer. Basta que cada um obedeça aos protocolos da medicalização, procure os médicos com frequência, faça os exames prescritos, tome os remédios necessários (para reduzir pressão, glicemia, colesterol, radicais livres), consuma os alimentos milagrosos (alguns previnem o câncer e retardam o envelhecimento), e frequentem as academias de culto ao corpo. Nota-se nesse campo o crescimento de uma indústria de autoajuda alimentar, liderado pelos nutricionistas.
Sei que você quer perguntar, e esse modo de vida não é saudável? Uma parte sim. Mas não significa que as doenças possam ser antecipadas e eliminadas previamente (salvo em casos específicos), na imensa maioria das situações não existe cientificamente essa comprovação. Trata-se de uma ideologia que atende a diversos interesses. Primeiro, amplia-se o mercado da medicina e do seu complexo industrial, que antes cuidava dos doentes e passa a cuidar dos vivos. Segundo, cria-se a ilusão que cada um pode definir a sua saúde, através do consumo de bens e serviços saudáveis, independente da qualidade da vida social. A doença, o sofrimento e a morte se transformam em punição para os que erram, aos que desobedecem e se rebelam contra as normas. O envelhecimento e a morte viram uma improbabilidade que pode acontecer com os outros. Nesse modelo a juventude é eterna, uma questão de cabeça. Foi essa concepção de saúde que se tornou um direito no pós segunda-guerra.

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